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Onde as Almas Se Cruzam

O chamado da floresta

O aroma úmido da terra preenchia o ar. A neblina rastejava entre as raízes das árvores antigas, envolvendo tudo em um manto etéreo. A floresta sempre tivera sua própria música—o farfalhar das folhas, o distante cantar dos pássaros, o som da água corrente. Para Xīyán, esse era o único lar que conhecia.

Vivendo nos arredores do vilarejo, ela havia se tornado uma lenda entre os moradores. Curava doentes, ajudava animais feridos, trazia alívio para aqueles que sofriam. Alguns a chamavam de abençoada, outros de amaldiçoada—pois, apesar de sua bondade, sempre havia uma tristeza em seus olhos.

A noite se aproximava quando ela sentiu algo diferente. Um arrepio percorreu sua pele, como se um chamado silencioso ecoasse na floresta. Seus pés se moveram antes que sua mente pudesse questionar. Algo a estava guiando.

Seguindo o som de um miado fraco, Xīyán encontrou uma pequena figura entre as folhas secas. Uma gata branca, coberta de sangue.

Seus olhos, um azul profundo e penetrante, encontraram os de Xīyán por um breve momento antes de se fecharem. O peito da gata subia e descia com dificuldade, sua respiração era falha.

Xīyán se ajoelhou ao lado do animal, sentindo o calor fraco de seu corpo. Seu coração apertou. Quantas vidas ela havia salvado? Quantas ainda salvaria? Mas quem salvaria a dela?

Ela afastou esses pensamentos e concentrou-se no presente. Essa gata precisava dela.

Com mãos firmes e cuidadosas, pegou o pequeno corpo em seus braços e o levou para sua cabana.

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O fogo crepitava suavemente, lançando sombras nas paredes de madeira. Xīyán havia limpado e enfaixado os ferimentos da gata, preparando um remédio suave para ajudá-la a recuperar as forças.

Ela observou o animal deitado sobre uma almofada perto da lareira. Apesar dos ferimentos, havia uma aura estranhamente serena nela.

“Quem a abandonou assim?” pensou Xīyán, passando os dedos suavemente pelo pelo macio da gata.

Quando a gata abriu os olhos, Xīyán sentiu algo estranho. Uma conexão profunda, como se aquele olhar dissesse mais do que palavras jamais poderiam.

— Você está segura agora… — murmurou.

A gata continuou a fitá-la. Por um momento, Xīyán sentiu uma presença diferente no ar, algo que fazia os pelos de sua nuca se arrepiarem. Mas talvez fosse apenas o cansaço.

Com um último suspiro, Xīyán fechou os olhos e adormeceu ao lado da lareira, sem perceber que, no silêncio da noite, a gata branca a observava com um olhar humano e repleto de segredos.

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O destino já havia começado a entrelaçar seus fios. Naquela noite, sem que Xīyán soubesse, sua vida estava prestes a mudar para sempre.

O vento soprou suavemente pela janela entreaberta, carregando o aroma fresco das folhas molhadas pelo orvalho da madrugada. A lareira ainda crepitava, lançando um brilho alaranjado sobre o chão de madeira.

Xīyán dormia profundamente, exausta após o longo dia de trabalho e os cuidados com a gata ferida. Sua respiração era tranquila, mas seu rosto mantinha aquele traço de melancolia que nunca a abandonava.

A gata branca, por outro lado, estava desperta. Seus olhos azul profundo refletiam a luz bruxuleante do fogo. Lentamente, ela se levantou, seus movimentos agora firmes, como se sua dor nunca tivesse existido.

Com um único passo, sua forma começou a mudar. O brilho prateado de sua pelagem se expandiu, envolvendo seu corpo em um manto etéreo. Em segundos, a pequena gata havia desaparecido, e em seu lugar, uma mulher de longos cabelos brancos e olhos tão azuis quanto o céu depois da chuva se erguia.

Ela caminhou até Xīyán, ajoelhando-se ao lado da curandeira adormecida. Por um longo momento, apenas a observou.

“Você me salvou.”

A voz em sua mente não era de gratidão, mas de reconhecimento. Como se, de alguma forma, aquelas duas almas já tivessem se cruzado antes, muito antes daquela noite.

Ela ergueu uma das mãos, hesitando antes de tocar suavemente o rosto de Xīyán. Sua pele era quente contra seus dedos frios. Tão forte e, ao mesmo tempo, tão solitária.

Xīyán franziu a testa no sono, como se pudesse sentir aquela presença. Sua respiração ficou irregular por um instante, mas ela não despertou.

A mulher suspirou, retirando a mão e voltando a se afastar. Com um último olhar para a curandeira, seu corpo brilhou mais uma vez antes de desaparecer, transformando-se novamente na pequena gata branca.

Quando os primeiros raios de sol atravessaram a janela, Xīyán despertou com um sobressalto.

O fogo ainda ardia baixo, e a gata continuava deitada na almofada, imóvel.

Por um momento, Xīyán teve a estranha sensação de que alguém mais estava ali, observando-a no silêncio da noite.

Mas quando olhou ao redor, tudo parecia como antes.

Exceto por uma coisa.

Os olhos da gata pareciam… diferentes.

Não havia mais apenas um instinto animal ali. Havia algo mais profundo, algo antigo.

E, por um breve instante, Xīyán sentiu que não estava mais tão sozinha no mundo.

Vozes no silêncio

A manhã chegou trazendo consigo um nevoeiro denso que se espalhava pela floresta, cobrindo tudo como um véu etéreo. O aroma úmido da terra misturava-se ao chá de ervas que Xīyán preparava, tentando afastar a estranha sensação que a acompanhava desde que despertara.

Seus olhos voltaram-se para a pequena gata branca ainda deitada sobre a almofada ao lado da lareira. Seus ferimentos estavam quase completamente cicatrizados, algo que parecia impossível considerando a gravidade em que a encontrou na noite anterior.

Xīyán suspirou. Talvez estivesse apenas cansada. Sua vida era dedicada a ajudar os outros—humanos e animais—mas, ultimamente, a exaustão estava pesando em seus ombros.

Ela se ajoelhou ao lado da gata e passou a mão suavemente sobre o pelo branco, sentindo a maciez sob seus dedos. A gata não recuou.

— Você é forte… — murmurou.

A gata abriu os olhos e encarou Xīyán. Aquele olhar…

Havia algo estranho nele. Profundo demais.

Xīyán se afastou, um incômodo crescendo em seu peito. Havia tratado inúmeros animais em sua vida, mas nenhum deles olhava para ela daquela forma. Como se compreendesse algo que ela não sabia.

A gata então fechou os olhos e, para a surpresa de Xīyán, murmurou algo.

— Xī… yán…

Xīyán congelou. Ela ouviu certo?

Seu corpo ficou tenso, o coração batendo forte dentro do peito. Seu nome… A gata acabara de chamá-la pelo nome?

— O quê…? — Sua voz saiu baixa, incerta.

A gata não respondeu. Seu peito subia e descia calmamente, como se nunca tivesse dito nada.

Xīyán levou uma mão à testa, sentindo um calafrio percorrer sua espinha.

Eu estou imaginando coisas?

Seu olhar voltou-se para a gata, que parecia dormir tranquilamente. Mas Xīyán não conseguiu afastar o desconforto.

De repente, o vento soprou pela janela, fazendo os sinos de bambu pendurados tocarem suavemente. Xīyán sentiu um arrepio subir por sua pele.

Ela não estava sozinha.

Havia algo ali. Algo invisível. Algo que estava ligado àquela gata branca.

E, no fundo, Xīyán sentiu que sua vida estava prestes a mudar de uma maneira que ela jamais poderia imaginar.

Xīyán permaneceu ajoelhada no chão de madeira, sentindo o coração bater forte contra o peito. O nome dela... A gata realmente o havia dito?

Ela estendeu a mão hesitante, aproximando-se da pequena criatura. O pelo branco parecia brilhar suavemente sob a luz fraca da manhã. A respiração da gata continuava tranquila, como se nunca tivesse emitido som algum.

— Eu… devo estar cansada. — Xīyán murmurou para si mesma, tentando afastar o calafrio que ainda subia por sua espinha.

Ela se levantou devagar e caminhou até a mesa onde havia deixado uma bacia de água limpa. Molhou um pano de linho e voltou para a gata, decidida a limpar os últimos vestígios de sangue seco de seus pelos.

Quando pressionou o pano úmido contra a pata da gata, um pequeno som ecoou.

— Mm… Xī…

Xīyán puxou a mão para trás imediatamente.

Seus olhos se arregalaram, e seu corpo ficou rígido.

Desta vez, ela tinha certeza.

A gata havia falado.

E não foi um miado estranho ou um som acidental. Foi um chamado. Um sussurro fraco, como alguém murmurando no meio de um sonho.

O silêncio que se seguiu foi sufocante. Xīyán sentiu a boca seca enquanto encarava o pequeno corpo adormecido diante dela.

Isso não é normal.

Seu instinto dizia para se afastar, mas, ao mesmo tempo, havia algo nela que não queria correr.

Ela inspirou fundo, tentando acalmar o turbilhão em sua mente. Com mãos trêmulas, tocou a gata novamente, desta vez com mais firmeza.

— Quem… o que você é?

A gata não respondeu.

Xīyán sentiu um nó na garganta. Tudo em sua vida havia sido previsível até então—ela conhecia o ritmo da floresta, dos animais, dos humanos que vinham até sua casa em busca de cura. Mas isso? Isso era algo que escapava de qualquer lógica.

Seu olhar percorreu o rosto adormecido da gata. Seus longos cílios brancos tremulavam levemente, como se estivesse sonhando.

Xīyán sentiu um aperto no peito. Aquela criatura não parecia ameaçadora… mas por que ela sentia que havia algo profundo e incompreensível escondido ali?

E, mais importante…

Por que sentia que essa gata não era um simples animal abandonado?

O que será que vem depois?

A revelação inesperada

A tarde caiu silenciosa sobre a floresta, trazendo consigo o canto distante dos pássaros e o sussurro do vento entre as árvores. Xīyán tentou se concentrar nas tarefas do dia, mas sua mente insistia em voltar à gata branca que dormia perto da lareira.

Ela falou.

A médica repetia isso para si mesma, como se tentasse racionalizar o impossível. Talvez fosse um truque da sua mente cansada. Talvez estivesse exausta demais para distinguir a realidade da imaginação.

Mas algo dentro dela dizia que não era apenas isso.

Com um suspiro pesado, Xīyán pegou um livro antigo que guardava entre suas coisas. Era um velho manuscrito sobre medicina e cura espiritual, presente de um viajante que conhecera anos atrás.

Ela folheou as páginas sem realmente ler, buscando distração. No entanto, uma ilustração chamou sua atenção.

Uma pintura delicada de uma figura de cabelos longos e brancos, vestes esvoaçantes e olhos azul profundo.

O título ao lado dizia:

“Os Espíritos Guardiões: Protetores dos Desamparados”

O coração de Xīyán deu um salto.

Seus olhos percorreram o texto, as mãos apertando o livro com mais força a cada palavra lida.

"Dizem que os Espíritos Guardiões assumem a forma de animais para se aproximar dos humanos necessitados, guiando-os sem que percebam. Sua presença traz cura e proteção, mas poucos reconhecem sua verdadeira identidade. Aqueles que os veem como são, mesmo que por um instante, terão suas vidas para sempre entrelaçadas ao destino dessas entidades.”

Xīyán sentiu o ar faltar por um momento.

Ela virou o rosto lentamente para a gata, que continuava imóvel.

Seu peito subia e descia suavemente, sua pelagem branca brilhando com uma estranha luz sob o reflexo do fogo.

Não podia ser.

Xīyán tentou afastar a ideia absurda, mas então, algo aconteceu.

Uma brisa fria atravessou a cabana, apagando parte das velas. O fogo da lareira tremulou, lançando sombras dançantes pelas paredes.

E foi nesse instante que Xīyán viu.

Por uma fração de segundo, a imagem da gata se sobrepôs a uma figura humana.

Uma mulher de cabelos brancos como a neve e olhos azuis profundos, vestida com um manto leve que flutuava ao redor de seu corpo.

Xīyán piscou, o coração martelando contra o peito.

Quando olhou novamente, a visão havia desaparecido.

A gata branca continuava ali, quieta, exatamente como antes.

Mas agora, Xīyán sabia.

Ela não era um animal comum.

Xīyán acordou com um sobressalto. O ar frio da noite parecia mais pesado dentro da cabana, e sua pele estava úmida de suor. Seu olhar correu pela sala, confuso, antes de pousar sobre a gata branca, ainda deitada ao lado da lareira.

Seu peito subia e descia tranquilamente, seus pelos brilhavam suavemente à luz das chamas.

Foi um sonho?

Xīyán levou a mão ao peito, tentando acalmar o coração acelerado. A imagem ainda estava viva em sua mente: a gata transformando-se em uma mulher de cabelos brancos e olhos azuis, vestida como um espírito antigo.

Mas a gata continuava ali, normal.

Ela respirou fundo. Foi um sonho. Apenas sua imaginação pregando peças.

Mas então, percebeu algo estranho.

Seu livro estava aberto sobre a mesa, exatamente na página que descrevia os Espíritos Guardiões.

Ela não se lembrava de ter deixado ali.

Será que…?

Sentindo um arrepio na espinha, Xīyán se levantou lentamente e caminhou até o livro. Tocou as páginas amareladas com dedos hesitantes.

Foi nesse instante que um vento gélido soprou pela cabana, fazendo os sinos de bambu tocarem levemente.

A gata se encolheu, murmurando algo baixo, quase como um sussurro.

Xīyán se virou bruscamente.

A gata estava… chorando?

Os sons que saíam dela não eram simples miados. Eram frágeis, trêmulos, carregados de uma emoção estranha.

Xīyán se aproximou lentamente, o coração batendo forte.

— Você… está sentindo dor?

A gata não respondeu, mas seus olhos brilhantes estavam levemente marejados.

Xīyán hesitou. Seu sonho a havia abalado, mas aquilo… aquilo era real.

Ela engoliu seco.

— O que você é?

A gata tremeu, fechando os olhos, como se lutasse contra algo dentro de si.

E então, num tom baixo e hesitante, ela murmurou novamente.

— Xī… yán…

Xīyán sentiu um frio percorrer sua espinha.

Desta vez, ela não estava dormindo.

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