Tudo começara quando Clarissa tinha treze anos, na escola. Era uma época em que ainda não existia a produção em massa de smartphones, e os celulares eram cheios de botões, sem conexão com a internet. Não havia os diversos aplicativos da atualidade, e geralmente os celulares serviam apenas para ligações e mensagens de texto. Locadoras de DVDs ainda eram comuns, e as músicas só podiam ser ouvidas em CDs, sem a possibilidade dos streamings atuais. Ao sair pelas ruas, era fácil encontrar diversos pontos com telefones públicos instalados, muito usados para comunicações. Na cidade de Clarissa, esses telefones eram chamados de Orelhões.
Naquela época, as coisas pareciam mais divertidas; as pessoas, mais felizes e animadas. Clarissa havia começado a estudar em um novo colégio e precisava fazer novas amizades. Na escola anterior, era muito feliz porque tinha muitas amigas, mas agora sentia-se insegura e com medo de não conseguir se enturmar. Quando entrou na nova escola, o semestre já estava pela metade e, por isso, os grupinhos já estavam formados.
Por sorte, uma garota de sua classe, uma antiga amiga desde os dez anos, também estudava nesse colégio. Apesar de não se falarem havia algum tempo, assim que se reencontraram, a amizade foi retomada e rapidamente se fortaleceu, como se nunca tivessem se afastado.
Com o passar dos dias, Clarissa adaptou-se completamente à nova escola. Além da amiga de infância, conheceu outra garota com quem teve uma conexão instantânea. Elas se tornaram melhores amigas, e Clarissa estava muito feliz. Agora, fazia parte de um grupo de quatro garotas.
Essa era a terceira vez que Clarissa mudava de escola, mas, em sua opinião, aquela era a melhor de todas. Adorava o ambiente dinâmico e divertido, os professores modernos e a liberdade que os alunos tinham. As aulas não eram cansativas, e tudo parecia estar a seu favor.
O grupo de amigas ficou conhecido na classe como as inseparáveis. Sempre juntas, costumavam dormir na casa umas das outras e, quando não estavam próximas fisicamente, conversavam por horas ao telefone. Clarissa era considerada a mais engraçada entre elas; Elisa, que se tornara sua melhor amiga, era a mais extrovertida; Helena, a mais inteligente; e Jade, a mais madura. As garotas eram tão unidas que compartilhavam os mesmos gostos. Até quando achavam um garoto bonito, costumavam concordar.
Além disso, eram próximas de outro grupo de colegas de classe, formado por três garotos amigáveis, inteligentes e agradáveis. Todos gostavam de conversar e passar o tempo juntos. O colégio era bem grande e, por ser particular, muito bem estruturado. Nos intervalos, os grupos se reuniam para conversar. Durante as aulas de educação física, o professor era bastante flexível. Clarissa, que não gostava de participar, costumava ficar conversando com suas amigas, que também preferiam não se envolver nas atividades.
Certo dia, as garotas começaram a reparar em um adolescente de outra série, mais velho, que era amigo de um dos colegas de classe delas. Achavam-no lindo, com cabelos bem pretos e olhos muito verdes. Sem que soubessem, o colega de classe decidiu apresentá-lo a elas durante o intervalo. No entanto, assim que perceberam a intenção, as meninas ficaram tão envergonhadas que saíram correndo, deixando o garoto plantado, esperando. Foi um episódio marcante e, embora constrangedor, depois todos o consideraram engraçado. Sempre se lembravam disso para dar risadas em grupo, enquanto os meninos provocavam as garotas, e elas admitiam que haviam reagido de forma exagerada.
O cotidiano na escola também era animado por música durante os intervalos, colocada pela própria diretora. O grupo adorava conversar sobre os cantores do momento, escutar as músicas juntos e até dançar.
Um dos garotos do outro grupo tinha uma paixonite por Elisa, mas ela insistia que eram apenas amigos e que nada além disso poderia acontecer. Era a fase em que começavam a amadurecer e a despertar para os namoros e paqueras, características desse início da adolescência.
Por outro lado, Helena tinha um crush em um dos amigos delas, o garoto mais inteligente entre os meninos. Ele era muito esperto, e era justamente isso que chamava a atenção de Helena — não a aparência. O garoto era alto, bem magro e usava óculos.
Em outro dia, durante a feira de ciências, a classe estava dispersa pelo colégio, com várias bancas espalhadas por diferentes locais. Como não era o dia de exposição do grupo de garotas, elas andavam pelo colégio, conversando e se divertindo com gracinhas e brincadeiras. Em um momento, Clarissa e Elisa correram para um lugar afastado, debaixo de uma escada onde ninguém costumava ir. Estavam se divertindo, explorando os cantos da escola, que era bem grande.
Ao chegarem lá, levaram um susto: havia um garoto sentado no chão, no canto, como se tentasse se esconder. Clarissa não fazia ideia de quem ele era. Quando o viram, o susto foi mútuo. De forma espontânea, Clarissa disse "oi", mas o garoto, demonstrando muita timidez, apenas acenou com a cabeça e respondeu muito baixo, quase sem voz. Clarissa teve que fazer leitura labial para compreender corretamente o "oi" dele. Imediatamente, as garotas perceberam que estavam incomodando e logo saíram. Clarissa se sentiu envergonhada, como se tivesse atrapalhado o descanso do garoto.
Clarissa ficou intrigada com aquele menino tão isolado e quieto. Enquanto Elisa ria da situação, Clarissa perguntou quem ele era, já que ainda era nova na escola. Elisa explicou que o garoto se chamava Caleb e que estava na mesma classe delas. Clarissa ficou extremamente surpresa, pois nunca o tinha visto antes. Elisa contou que Caleb era extremamente tímido, evitava qualquer tipo de contato social e costumava faltar muitas aulas.
Essa situação deixou Clarissa pensativa. Nunca havia conhecido alguém como Caleb, e isso despertou sua curiosidade. Desde então, passou a reparar nele todos os dias. Ele se tornou um assunto frequente entre Clarissa e Elisa. Sempre comentavam sobre ele, como se aquele dia sob a escada tivesse sido o início de tudo — o começo de uma nova descoberta, como se ele fosse um novo amigo que tivesse chegado, embora nunca tivessem sequer trocado uma palavra.
Elisa fazia questão de dizer que Caleb ficara feliz por Clarissa tê-lo cumprimentado naquele dia e que ela nunca tinha ouvido a voz dele até então. Dizia que via Caleb olhando para Clarissa e insistia que ele tinha simpatizado com ela, mas Clarissa duvidava de tudo. Ao mesmo tempo em que ele despertava curiosidade nelas, também gerava um certo mistério — ninguém sabia nada sobre ele, ninguém conversava com ele. Parecia quase invisível na escola, despercebido por alunos e professores, como se apenas as duas garotas fossem capazes de notá-lo.
Elisa era extrovertida, enquanto Clarissa era introvertida e quieta com quem não conhecia. Por isso, foi Elisa quem começou a alimentar a curiosidade sobre Caleb, e Clarissa acompanhou fielmente. Elisa perguntou sobre ele aos amigos, mas os garotos disseram que não sabiam nada sobre aquele menino sempre calado. A única alternativa para descobrir algo sobre ele seria se aproximar e conversar, mas Caleb estava sempre acuado, como se tivesse medo ou simplesmente não desejasse nenhuma aproximação.
Ele sentava-se no canto da sala, na última carteira, bem ao fundo, enquanto as garotas se sentavam na frente. Por isso, não tinham visão dele durante as aulas. E assim, os dias foram passando, e, aos poucos, elas foram esquecendo Caleb, distraídas por outros acontecimentos.
Conforme os dias passavam, Clarissa não conseguia parar de observar o comportamento de Caleb — ou, na verdade, a ausência de qualquer comportamento. Ele estava sempre quieto, imóvel, quase como se quisesse se tornar invisível. Até que, certo dia, ao se virar para conversar com sua amiga Helena, acabou notando que Caleb a observava. No instante em que percebeu que ela podia notar, ele desviou o olhar rapidamente, como se tivesse sido flagrado em algo proibido.
Naquele momento, Clarissa teve certeza de que Elisa estava certa ao dizer que já o havia visto olhando para ela. Isso a fez questionar os motivos dele. Será que Caleb queria se aproximar? Será que queria fazer amizade? Ele estava sempre sozinho, e, se aquele olhar significava algo, talvez tudo tivesse começado apenas por conta do simples oi que ela dissera no outro dia. Aquele pensamento a incomodou. Será que ninguém nunca se importava em cumprimentar o pobre garoto? Uma onda de pena a tomou.
Mais tarde, em um momento de intervalo entre as aulas, Clarissa sugeriu a Elisa que tentassem puxar assunto com Caleb.
— Você tem certeza? — Elisa hesitou. — E se ele só quiser ficar sozinho? Ele sempre passa essa impressão, como se não gostasse quando alguém tenta se aproximar.
— Mas ele estava olhando pra mim! Isso é um sinal de que queria conversar, só deve ser muito tímido.
— Tá, mas sobre o que a gente falaria? Não dá pra chegar do nada e só… começar a falar.
— Que tal comentarmos sobre o filme que assistimos na aula anterior?
Elisa deu de ombros, pensativa, mas acabou concordando. Quando o sinal do intervalo tocou, as duas se olharam com cumplicidade e foram em direção a Caleb.
A maioria dos alunos já tinha saído da sala, mas Clarissa e Elisa enrolaram, fingindo terminar de copiar o que estava no quadro. Quando perceberam que restavam poucos estudantes, levantaram-se, alongando os braços e se espreguiçando, enquanto disfarçadamente olhavam para Caleb. Ele estava sentado no fundo da sala, olhando para a janela, alheio a tudo.
Fingindo estar apenas conversando entre si, as duas foram se aproximando. Elisa até improvisou uma reclamação sobre suas costas doloridas, só para parecer mais natural.
O garoto só notou a presença delas quando já estavam bem perto. Ele se sobressaltou e arregalou os olhos, como se tivessem invadido seu pequeno mundo particular.
Clarissa sorriu e, sem hesitar, disse:
— Oi!
Caleb piscou algumas vezes, confuso, e murmurou:
— Oi…
A voz dele saiu tão baixa que Clarissa quase não ouviu. Ele abaixou a cabeça logo em seguida, evitando qualquer contato visual.
— Você quer conversar com a gente? — continuou Clarissa. — Podemos ir comprar um lanche ou ficar aqui mesmo, se você preferir.
Caleb não respondeu. Sua expressão se tornou ainda mais tensa, e suas bochechas coraram instantaneamente. Ele parecia paralisado, como se as palavras estivessem presas na garganta.
Clarissa e Elisa trocaram olhares constrangidos. Elisa suspirou e, sem dizer nada, puxou Clarissa pelo braço. As duas se afastaram, apressadas, tropeçando em algumas carteiras pelo caminho.
— Eu falei que não daria certo — disse Elisa, cruzando os braços ao saírem da sala.
— Que estranho… Será que ele tem algum distúrbio?
— Que nada! Ele só é muito tímido e introvertido. Tem gente que simplesmente não gosta de interagir.
— Mas por quê? Ele nem nos conhece… A gente poderia ser legais.
— Sei lá, questão de personalidade. Não esquenta com isso. Esquece e vamos lanchar.
Enquanto isso, Caleb permanecia sentado em sua carteira, imóvel, sua face ardendo como fogo. Seu rosto estava tão vermelho que parecia queimar. De cabeça baixa, ficou ali por um longo tempo, como se tivesse apertado um botão invisível e se desligado do mundo.
Clarissa não comentou mais nada sobre o assunto, mas pensou nisso durante todo o intervalo. Quando voltou para a sala depois da pausa, reparou que Caleb ainda não havia retornado. Dez minutos se passaram, e ele continuava ausente.
"Será que ele se escondeu em algum canto?", pensou Clarissa. "Ou inventou alguma desculpa para ir embora?"
A ideia a deixou inquieta. O que a incomodava mais era que ninguém parecia notar a ausência dele — nem os alunos, nem os professores. Quando mencionou isso a Elisa, recebeu um simples:
— Provavelmente é isso que ele quer. Passar despercebido.
Durante a aula de geografia, enquanto o professor falava sobre os estados brasileiros, Clarissa rabiscava aleatoriamente em seu caderno.
"Tímido", escreveu.
"Algum distúrbio?"
"Odeia a escola?"
Ela olhava para as palavras, tentando entender. O que fazia Caleb ser tão misterioso aos olhos dela?
Clarissa vivia com seu pai e seu irmão mais velho, Frederico, que tinha dezesseis anos. Os dois irmãos eram unidos, mas, como era de se esperar, sempre se desentendiam. Fred, como era chamado, adorava provocar a irmã mais nova, muitas vezes apenas para se divertir com suas reações irritadas.
O pai deles trabalhava muito e, por isso, Fred acabava assumindo a responsabilidade de cuidar de Clarissa em diversas ocasiões. Ela era uma garota disciplinada e cumpria suas obrigações sem reclamar, mas, ainda assim, sentia o peso das cobranças do pai. Ele parecia exigir que ela fosse perfeita em tudo, enquanto com Fred era mais ameno e tolerante. Essa diferença de tratamento não passava despercebida por Clarissa, que ficava frustrada e insatisfeita. No entanto, sempre que tentava protestar, suas queixas eram ignoradas.
Depois da escola, Clarissa tinha uma rotina estabelecida: varria a casa e, às vezes, lavava roupas antes de se sentar para fazer seus deveres. Fred, por outro lado, ficava encarregado do almoço. Ele não gostava de estudar, e o pai, percebendo isso, depositou toda a responsabilidade acadêmica da família sobre Clarissa. Ela até gostava de aprender e costumava tirar notas boas, mas, em vez de isso deixar seu pai satisfeito, apenas aumentava suas expectativas e exigências.
Certo dia, como de costume, Fred deveria buscá-la na escola. No entanto, ele se atrasou, deixando-a plantada na porta do colégio. Clarissa balançava a perna inquieta enquanto olhava para o céu azul-claro, observando as nuvens se movendo lentamente. Suspirou, frustrada.
Foi então que, ao desviar o olhar, notou Caleb parado a uma boa distância, aparentemente também esperando por alguém. Ele estava sozinho, com as mãos enfiadas nos bolsos e a cabeça levemente abaixada. Clarissa o observou de relance, mas rapidamente olhou para o outro lado, evitando ser pega no flagra.
Por alguns instantes, ficou hesitante. Mas, sem saber exatamente por quê, começou a se aproximar, dando passos pequenos e calculados. Parava por um momento, esperava, depois avançava mais um pouco, como se tentasse não assustá-lo. Quando já estava relativamente próxima, Caleb percebeu e ergueu os olhos. Os dois se olharam rapidamente antes de ele desviar o olhar de forma abrupta.
Ela notou que suas bochechas ficaram levemente avermelhadas.
— Esperando alguém para te buscar, assim como eu? — perguntou, tentando soar natural.
— Sim — ele respondeu, sem olhar diretamente para ela.
— Meu irmão sempre me busca, mas hoje se atrasou…
No momento em que ela tentava puxar mais conversa, Fred finalmente apareceu do outro lado da rua.
— Clarissa! Vamos logo! — chamou, antes mesmo de se aproximar.
Ela olhou para Caleb e sorriu educadamente.
— Nos vemos amanhã.
Caleb apenas assentiu, observando-a se afastar.
Fred, que nunca perdia a chance de atormentar a irmã, percebeu a cena e abriu um sorriso travesso.
— Estava aproveitando o tempo com seu namoradinho? — provocou.
Clarissa revirou os olhos.
— Deixa de besteira… Você não devia demorar tanto para me buscar.
— Mas pelo menos você não ficou sozinha — continuou Fred, rindo. — Até arranjou companhia.
— Era só um colega de classe, nada demais. Para de ser ridículo.
Mas Fred não se deu por satisfeito.
— Sei não, hein… Pelo visto, os garotos mais bonitos da escola não ligam para você, já que seu namoradinho é meio esquisito.
Dessa vez, a provocação atingiu Clarissa de um jeito diferente. Ela sentiu um calor subir pelo rosto e, antes que percebesse, sua voz saiu mais alta do que pretendia:
— Para com isso! Tudo o que você fala é besteira!
Sua explosão foi tão alta que algumas pessoas na rua se viraram para olhar. Fred, surpreendido, ficou em silêncio por um instante. Sem dizer mais nada, os dois atravessaram a rua movimentada.
Ao chegarem em casa, Clarissa subiu as escadas correndo e bateu a porta do quarto com força, como se quisesse deixar a discussão para trás.
Pensou que, dali em diante, Fred esqueceria o assunto. Mas, algumas horas depois, ele voltou com o tormento.
Clarissa estava sentada no sofá da sala, assistindo a um filme, quando Fred entrou casualmente e se jogou no outro lado do sofá. Ficou em silêncio por um tempo, como se estivesse apenas acompanhando o filme.
Então, sem aviso, soltou:
— Qual o nome do seu namoradinho?
Clarissa sentiu uma onda de raiva instantânea.
— Fred, me deixa em paz!
Ele gargalhou.
— Ah, então ele tem nome! Agora fiquei curioso…
— Você é insuportável!
Ela se levantou e saiu da sala, bufando de irritação. O que mais a incomodava era que nem sequer entendia por que ficava tão furiosa com isso.
Talvez fosse porque, no fundo, Fred tivesse tocado em um ponto sensível.
Talvez porque, pela primeira vez, Caleb não lhe parecia mais tão invisível.
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