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O Amuleto

Mikaela

O vento cortava o rosto de Mikaela, como uma lâmina gelada, refletindo a frieza de tudo o que ela enfrentava. Aos vinte e dois anos, sua vida estava longe de ser fácil. Trabalhava como empregada em uma casa de luxo, servindo a um homem rigoroso, cujas exigências não mostravam misericórdia. O tempo parecia irremediavelmente repetitivo. Após um dia exaustivo, sempre voltava para a mesma rotina: encontrar seu pai caído, mais uma vez, à mercê de seus próprios erros. Um homem que estava afundado até o pescoço em dívidas, endividado com quem sabia como pressioná-lo.

A mãe de Mikaelaa abandonara quando ela tinha apenas dezesseis anos, em busca de uma vida melhor ao lado de um novo marido rico. Mikaela cresceu acreditando que, se tivesse mais uma chance de proteger o pai, talvez as coisas mudassem. Mas, sem a figura materna e com um pai cada vez mais imerso na bebida, ela sentia que cada dia era apenas um pedaço quebrado de sua infância que ela tentava juntar.

Como sempre, seus olhos estavam cansados, as sombras de noites mal dormidas marcaram seu olhar, e o peso de cada passo parecia o afundar ainda mais. As pernas, doloridas pela pressão dos longos turnos de trabalho, vacilavam conforme ela se aproximava de casa. A pequena cidade, escondida entre matos e bosques, nunca pareceu tão silenciosa, o que só amplificava o cansaço que sentia.

Ao virar a esquina, Mikaela avistou a silhueta do pai, sentado à beira da calçada. Ele estava encostado em uma parede desgastada, como se fosse parte da própria estrutura deteriorada ao seu redor. O homem que um dia fora seu herói estava agora sóbrio de nada, exceto do vício que corria em suas veias.

— Pai... Você bebeu de novo? — A voz dela era uma mistura de desgosto e resignação, mas ainda assim, ela se abaixou. Com a suavidade que podia reunir, pegou um lenço da bolsa e o usou para limpar o rosto do pai. Não mais preocupado, mas cansada de lutar pelas esperanças que se desfaziam a cada dia.

De repente, o som das portas das casas dos vizinhos batendo chamou sua atenção. Homens em ternos, com semblantes frios e autoritários, começaram a andar pelo local. Mikaela sabia exatamente quem eram: os credores. Aqueles homens sem alma, donos das dívidas que seu pai carregava, cada um mais implacável que o outro. Ela sentia a tensão no ar. Havia algo diferente naquela tarde, algo que ela não podia identificar.

A exaustão começava a pesar sobre seus ombros e, com isso, sua paciência estava se esgotando. Os homens se aproximaram, ignorando sua presença, como se ela fosse uma sombra a ser evitada.

— Sai de perto, garota! — Um deles a empurrou sem cerimônia, de forma brusca. O impacto a fez cair de imediato na calçada, seu corpo atingindo o chão com força. As mãos se arranharam, o calor da dor se espalhando através dos dedos.

Ela se levantou com dificuldade, mas a sensação de impotência foi ainda pior. Sabia que não teria como impedir o que estava prestes a acontecer. Uma segunda figura se aproximou. Era um homem um pouco mais baixo, que entregou a um dos outros um taco, estranho e ameaçador, que parecia mais pesado do que deveria.

Mikaela percebeu, então, que algo estava prestes a acontecer. A tensão tomou forma diante de seus olhos e, antes que pudesse reagir, o homem à frente de seu pai avançou com o taco, mirando diretamente na cabeça de seu pai. O som seco do impacto fez o corpo de Mikaela gelar.

Seu pai soltou um gemido de dor, um som profundo que cortou o ar. Ele se contorceu, tentando se afastar, mas não havia para onde fugir. O impacto havia sido violento demais, e a visão de seu pai caído e chorando, incapaz de sequer se proteger, fez Mikaela se perder em uma mistura de revolta e desesperança. Ela estava ali, congelada, impotente, sabendo que aqueles homens continuavam a machucar seu pai sem nenhum sinal de misericórdia.

E foi assim, com os olhos marejados de dor e raiva, que Mikaela se sentou em silêncio, observando o que parecia ser o fim de um capítulo de sua vida. O destino a observava, frio e implacável, e ela não sabia como enfrentá-lo.

O amuleto

Mikaela se levantou rapidamente, impulsionada pelo instinto de proteção. Fica à frente do homem que estava prestes a atacar seu pai, tentando bloquear a vista daquilo, mesmo sabendo que sua presença pouco significava naquele momento. O olhar dele se fixou nela por um instante, como se tentasse entender o que estava acontecendo.

— O que você está fazendo? — Seu pai, em um esforço dolorido, conseguiu balbuciar. — Por favor! Não a machuquem...

O sofrimento de seu pai invadia cada palavra que ele emitia, mas Mikaela, sem pensar nas consequências, encontrou coragem para falar.

— Por favor, eu sei que ele deve... que ele deve muito, mas eu pago tudo! Só não o machuquem! — Sua voz, rouca pela tensão e pelo choro contido, soou como um grito desesperado, uma tentativa de barganhar por mais um respiro de vida para seu pai.

O homem se virou lentamente, observando os outros ao seu redor como se pedisse permissão, um pequeno sorriso de escárnio se formando em seus lábios. Ao voltar o olhar para Mikaela, a risada deles preencheu o espaço, ríspida, cruel. Os risos de zombaria de alguns deles pareceram ressoar em sua mente.

Mikaela estava atordoada, ainda tentando entender o motivo de estarem zombando dela — ela apenas queria salvar seu pai, mais nada. Mas nada parecia fazer sentido no meio daquela violência.

O homem fez um gesto com a mão, como se estivesse pensando sobre algo, e então, de forma grotesca, coçou o nariz e forçou um cuspe falso no chão, em uma ação deliberadamente repulsiva.

— Você quer apanhar também, garota? — Ele se aproximou dela, seu rosto viciado de malícia, inclinando-se de modo que suas palavras sujas e ameaçadoras mal tocavam seus ouvidos.

Sem que Mikaela pudesse reagir, as mãos dele tocaram seu rosto, deslizando de forma grosseira pela pele, deixando o toque repulsivo de seus dedos imundos por onde passavam. Ela tentou se afastar, mas sua postura, seu sorriso imbecil eram mais do que ela poderia suportar.

A raiva surgiu nela como uma chama acesa e quente, mas a impotência a manteve imóvel, paralisada pela situação. O sorriso de desdém daquele homem ficava ainda mais insuportável, tornando impossível acreditar que ela estivesse realmente nesse pesadelo.

— Quem sabe, você não sirva para alguma coisa — Ele disse, com uma expressão que misturava satisfação e perigo. Suas palavras e o olhar se arrastaram por ela, como se quisesse sujá-la por dentro. Os homens ao fundo caíram na risada mais uma vez, divertidos com o sofrimento de Mikaela.

De repente, um dos outros rapazes falou de forma ansiosa, tentando interromper aquela cena.

— Senhor! O chefe não vai gostar disso. — O homem parecia incomodado, nervoso, ao se aproximar do líder de forma hesitante.

O sorriso cruel do homem se alargou.

— Cala a boca! — Ele estapeou a cabeça do subordinado de maneira leve, mas o suficiente para que o rapaz se encolhesse, cessando sua fala imediatamente. Com um gesto de desprezo, ele virou as costas para o homem que tentava ajudá-lo, seu foco agora completamente voltado para Mikaela, ainda tentando proteger o pai com um gesto que já não tinha valor.

— Acho melhor você sair da minha frente, garota — ele disse, mas antes que pudesse fazer qualquer movimento. O ar ao redor deles parecia pesar, a tensão crescendo insuportável.

Mikaela, sem saber o que mais fazer, falou com a voz embargada, já sem forças.

— Por favor! Eu faço tudo que for preciso.

O homem se inclinou, avaliando Mikaela com um olhar frio e calculador. Antes que ela pudesse entender, ele levantou o taco de beisebol, pesando-o na mão com um sorriso estranho no rosto. O som do metal se arrastando ao longo de sua capa era abafado pela realidade da cena, mas Mikaela sentiu o peso dele de maneira intensa.

— Tudo? — Ele levantou o taco até os ombros da jovem, sua expressão cruel. De forma lenta e ameaçadora, ele começou a descer o bastão em direção aos botões de sua blusa, fazendo Mikaela tremer. Não sabia o que ele faria, mas a cada movimento, seu corpo inteiro se enrijecia de um medo profundo e arrebatador.

Na manhã seguinte, Mikaela acordou com uma dor pulsante no rosto. A marca deixada pelo homem na noite anterior era visível, uma lembrança amarga do que ocorrera. Ela se levantou, tentando não deixar transparecer o desconforto que sentia em cada movimento. Sua pele queimava onde ele havia batido, o inchaço evidenciado ao redor de seu olho.

Ela se olhou no espelho do banheiro, o reflexo de seu rosto a confrontando. Tentou sorrir para si mesma, mas não havia alegria ali. Mikaela fechou os olhos e, com mãos trêmulas, começou a aplicar maquiagem, numa tentativa fútil de esconder as cicatrizes daquela noite, de ocultar não só as marcas físicas, mas a dor em sua alma que parecia crescer a cada dia.

Mikaela? - A voz fraca de seu pai ecoou pelo corredor. — Eu sinto muito… — Ele suspirou do outro lado da porta, como se as palavras que ele sempre dizia fossem um remédio para sua culpa. Mas ele já sabia que aquilo nunca seria suficiente para a dor que Mikaela sentia.

As palavras de desculpa soavam vazias, como uma rotina que ele nunca conseguia interromper. Ela puxou com força a escova de maquiagem e a pressionou contra seu rosto, deixando o tom da base esconder a marca. Aquilo, ela sabia, era o melhor que poderia fazer por aquele momento: esconder. Se não da dor física, ao menos da dor do mundo ao seu redor.

— Isso vai acabar, Mikaela... — disse ela para si mesma, tentando convencer seu coração. Seus lábios estavam secos, e ao passar o brilho labial, seu olhar refletia uma determinação triste. Não importa o quanto ela sofresse, ela tinha de continuar.

Havia pouco tempo para pensar mais do que já havia pensado nas últimas noites. O relógio estava avançado, e ela precisava estar no trabalho. Levantou-se e, com um último olhar ao reflexo no espelho, respirou fundo. Mikaela não tinha mais força para chorar, mas a aflição ainda a prendia.

Quando finalmente saiu do banheiro, seu pai ainda estava deitado, as palavras de arrependimento já se perdendo no ar, quase inaudíveis. Ela não soube se ele sequer tinha esperanças de mudá-las para algo mais eficaz.

Naquela manhã, ao sair da casa silenciosa, Mikaela quase desejou que as ruas fossem mais longas, que os carros passassem mais devagar, para que o tempo estivesse mais distante do sofrimento que ela sabia que lhe aguardava. Mas o tempo, como sempre, insistia em continuar. Ela teve que andar rápido até o trabalho, deixando as sombras da casa e do passado para trás, enquanto seu coração ainda martelava dentro do peito.

Chegando à mansão onde trabalhava, Mikaela quase foi saudada com um sorriso irônico pelo patrão, um homem que sempre esperava mais dela, sem nunca perceber o que ela carregava. No entanto, ela se entregou à rotina, tentando dar cada passo como se fosse parte de uma encenação que ninguém nunca se incomodava em observar. Ela não se atrevia a pensar na noite anterior, ou nas lágrimas que ainda estavam por baixo da maquiagem.

O silêncio que dominava a casa luxuosa parecia quase cruel, como se o brilho nos mármores e dourados da mansão não fizesse nada além de destacar a tristeza daquela jovem que ali entrava. Mikaela continuou seu trabalho, movendo-se mecanicamente, como se estivesse em uma peça onde as falas já não fossem mais suas.

Era sempre assim. O dever a sufocava, e ela era boa nisso, talvez até a melhor, como sempre fora, carregando o peso da casa em seus ombros como se fosse natural. Contudo, ao olhar pelos enormes vidros da janela, com o sol entrando em faixas douradas, uma imagem passou pela sua mente: a sensação de ter mais em seu coração do que conseguiria suportar. Ela se perguntava até quando seu corpo aguentaria, até quando a vida dela poderia continuar sendo aquilo.

Ao longo do dia, ela tentou se perder nas tarefas, mas o eco daquela noite ainda estava em sua mente. Ela se perguntava: quanto mais, Mikaela? Quantos dias mais? As paredes de luxo ao seu redor não faziam seu sofrimento diminuir.

Ao fim do expediente, Mikaela saiu a caminho de casa. As mesmas rotinas de sempre se arrastavam por seus passos cansados: acordar, trabalhar, caminhar por ruas conhecidas que pareciam se repetir a cada dia, ver seu pai bêbado encostado na parede, ter que lidar com os homens que o ameaçavam, e depois, tudo recomeçava. Uma espiral que parecia sem fim.

Quando a ponte que precisava atravessar apareceu à sua frente, ela sentiu, por um momento, uma leve sensação de alívio, como se aquele pequeno trecho de caminho até sua casa fosse algum tipo de separação temporária entre seu trabalho árduo e a miséria que enfrentava dentro de sua própria casa. Mas, naquele dia, algo incomum chamou sua atenção.

Uma senhora idosa empurrava um carrinho de supermercado pelo caminho, olhando ao redor como se procurasse algo que Mikaela não conseguia entender.

— Me ajude, jovem! — A mulher falou com voz aguda, seus olhos ansiosos finalmente se encontrando com os de Mikaela. A jovem, meio absorta e perdida em seus pensamentos, demorou a perceber que a senhora se dirigia a ela.

— Ah, é comigo? — Mikaela perguntou, um pouco confusa.

— Estamos só eu e você aqui... Você poderia me ajudar? — A senhora pediu, com uma tremura na voz.

Mikaela hesitou por um momento, mas sem outra opção, deu um passo à frente. A gentileza natural da jovem, algo que sempre preservava, fez com que ela caminhasse até o lado da senhora.

— Claro! — Ela respondeu, com um sorriso amável, tomando o carrinho das mãos da mulher e começando a atravessar a ponte com ela.

Os sons do ambiente pareciam sumir por um momento enquanto ela a ajudava, como se o tempo tivesse desacelerado e dado uma pequena pausa à exaustão de Mikaela. Ao chegar ao outro lado da ponte, a mulher sorriu para ela.

— Obrigada, jovem. Você poderia me ajudar com alguma moeda? — A mulher perguntou com um tom de sinceridade, mas algo na forma como ela falava parecia familiar a Mikaela, como se já tivesse recebido um pedido igual inúmeras vezes.

— Deixe-me ver... — A jovem disse enquanto abriu a bolsa, sentindo o peso das poucas moedas que guardava ali. Seu olhar buscou as poucas opções em seu bolso. Ela tirou algumas poucas moedinhas e as olhou, sem conseguir disfarçar a sensação de falta.

— Eu só tenho isso... — disse Mikaela, meio envergonhada, entregando a quantia limitada.

A senhora a observou com um sorriso caloroso, sem olhar com desprezo pela pequenez do valor.

— Ah, isso já ajuda muito! — A mulher sorriu, os olhos cheios de gratidão. Então, ela pegou com as mãos tremulas a bolsa de tecido ao lado do carrinho e vasculhou até encontrar algo que parecia muito pequeno, mas misterioso.

— Aqui, use com sabedoria. — Ela estendeu uma pequena peça, um amuleto de aparência antiga, com um brilho peculiar. Era leve ao toque, quase como se fosse feito de algo que Mikaela nunca tinha visto antes. Algo envolvente, mágico até, mas a jovem não soube explicar o porquê.

Sem entender muito bem o motivo de tal presente, mas sabendo que não havia mal em aceitá-lo, Mikaela pegou o amuleto com leveza, observando os detalhes dourados e as pedras que estavam embutidas na peça.

Antes que pudesse dizer algo, a mulher parou bruscamente. Ela sorriu suavemente, quase como se se lembrasse de algo importante.

— Já ia me esquecendo! — disse ela, virando-se novamente para Mikaela. — Aqui, é para você também.

Do bolso de seu casaco, ela retirou um pedaço de papel dobrado e estendeu para Mikaela com delicadeza, quase como se fosse um segredo guardado por muito tempo. A jovem pegou a carta com cuidado, notando que estava um pouco amassada e bem guardada.

— Mikaela... — murmurou a senhora, o nome de Mikaela sendo dito com uma entonação estranha, como se fosse parte de um destino inevitável.

Antes que Mikaela pudesse perguntar mais, a mulher se afastou, como se tivesse cumprido seu papel. A jovem a observou, hesitando por um momento, mas logo a senhora sumiu entre as sombras da noite, deixando para trás aquele gesto estranho, mas com um propósito misterioso.

Mikaela olhou para a carta com uma sensação de desconforto misturada com curiosidade. O nome dela estava ali, escrito de uma forma que parecia intencional, mas a jovem não sabia bem o que esperar daquele encontro. A ponte atrás dela era agora um marco não apenas de sua travessia, mas de uma experiência estranha que, sem dúvida, marcaria um novo capítulo em sua vida. Ela respirou fundo e, enquanto caminhava até sua casa, não conseguia parar de pensar no amuleto e na carta que agora guardava.

A pequena carta do amuleto

O céu alaranjado da noite iluminava os passos cansados de Mikaela. A longa caminhada para casa nunca parecia terminar, e seus pensamentos rodavam como um carrossel. Seu uniforme estava amassado, a bolsa pendendo de um ombro com o peso das contas, da vida, de tudo. Era sempre a mesma coisa: trabalho, cobranças, as lembranças sufocantes de uma vida que parecia escorregar por entre seus dedos.

Quando chegou ao portão velho, hesitou. Algo parecia errado. Não havia som vindo da casa – nenhuma TV ligada, nenhuma tosse arrastada de seu pai. Um silêncio estranho envolvia o lugar como um cobertor desconfortável. Com um suspiro, abriu o portão que rangeu alto, o som ecoando na quietude.

Assim que girou a maçaneta da porta e entrou, tudo pareceu parar. Seus olhos se arregalaram, e a respiração ficou presa na garganta. O pequeno espaço que chamava de sala estava em penumbra. No meio do chão, perto da poltrona encardida, estava ele.

— Pai? — a palavra saiu quebrada, um sussurro carregado de medo.

O corpo dele estava jogado no chão, imóvel, com sangue escorrendo de um corte profundo na cabeça. Mikaela largou a bolsa no chão com um estrondo abafado e correu até ele, ajoelhando-se ao lado de sua figura inerte.

— Por favor, me responde... — Sua voz tremia. As mãos hesitantes tocaram o rosto dele, buscando algum sinal de reação, qualquer coisa que não fosse aquele silêncio apavorante.

Os olhos dela dançavam de um lado para o outro, buscando entender o que havia acontecido. Uma garrafa quebrada jazia ao lado dele, misturada com cacos de vidro e o cheiro amargo de álcool que impregnava o ar. As lágrimas começaram a escorrer, quentes, pelas bochechas dela, mas Mikaela mordeu os lábios, tentando controlar o pânico.

O desespero fazia com que tudo ao redor de Mikaela parecesse mais distante, como um ruído abafado de fundo. Seu corpo tremia enquanto as mãos reviravam sua bolsa com pressa, mas era como se o celular tivesse evaporado junto com qualquer sensação de controle. Sua respiração ficava cada vez mais irregular, os olhos já turvos de lágrimas fixando-se no chão por um instante – foi então que notou.

O amuleto.

Estava ali, repousando na mesa proximo ao seu pai que deixara apos correr até ele, como se a chamasse. A luz que emanava dele não era comum. Um brilho suave, dourado, quase vivo, pulsava como se compartilhasse da angústia que ela sentia naquele momento.

Com as mãos trêmulas, Mikaela estendeu o braço e pegou o pequeno objeto. Era frio ao toque, mas o brilho parecia esquentar à medida que seus dedos o envolviam. De perto, ela notou que havia inscrições delicadas e intricadas gravadas em sua superfície, marcas que não faziam sentido para ela. Enquanto o segurava, uma lágrima escorreu de seu rosto, caindo sobre o amuleto e desaparecendo como se fosse absorvida.

Seu coração deu um salto. Algo dentro dela sussurrou, como se o próprio amuleto tentasse se comunicar, mas não eram palavras claras, apenas um sentimento – urgência. Confusão e uma estranha atração a dominaram, mas sua atenção foi rapidamente puxada para a carta ao lado dele.

Com cuidado, ainda apertando o amuleto em uma mão, ela pegou a carta. A caligrafia era elegante, fluida, como de outra época. Ao abrir, as palavras brilhavam levemente, fazendo seus olhos fixarem-se na mensagem que parecia tão sagrada quanto incompreensível.

"A luz que você segura é a chave para o que foi perdido e o que ainda será encontrado. Sob o sangue, as sombras despertam. Apenas aquele que caminha na linha entre o humano e o imortal pode abrir o véu. Escolha sua coragem, pois o despertar tem um custo – e o que for chamado virá não só para servir, mas para julgar. Quando o coração pulsar em uníssono com as trevas, a porta se abrirá."

Mikaela engoliu em seco, seus dedos apertando o amuleto com mais força. As palavras ecoavam em sua mente como um enigma que ela não conseguia entender. Um arrepio percorreu sua espinha. Apesar da escuridão, do medo e da dor ao seu redor, havia algo mais – uma presença invisível, mas inconfundível, como se os olhos de alguém a estivessem observando de muito perto.

A jovem segurava o amuleto com força, como se ele pudesse, de alguma Forma, lhe oferecer respostas ou proteção. Ela esperava por algo. Um sinal. Um milagre. Mas nada aconteceu. O brilho que antes parecia tão intenso começou a enfraquecer, retornando a um estado quase apagado.

Com um suspiro trêmulo, ela fechou os olhos, tentando acalmar sua mente e sufocar o pânico que ameaçava dominá-la. A realidade, cruel e implacável, voltou a pesar em seus ombros. Precisava ser rápida. Soltou o amuleto em sua bolsa e, mais uma vez, começou a procurar pelo celular.

Dessa vez, encontrou o aparelho no fundo, preso entre um maço de lenços e uma pequena carteira. Com dedos ainda trêmulos, destravou a tela e discou o número da emergência. A voz da atendente, tranquila e profissional, soou do outro lado da linha, pedindo as informações necessárias.

— Meu pai... Ele está no chão. Há muito sangue. Por favor, enviem alguém rápido. — Mikaela tentou manter a voz firme, mas era quase impossível conter o tremor.

— Pode nos dizer o endereço? — perguntou a atendente.

Entre soluços e respirações entrecortadas, Mikaela forneceu os detalhes. A atendente a orientou a tentar manter o pai consciente e garantir que ele não se movesse até a chegada da ambulância.

A noite estava cada vez mais densa, o silêncio da rua só reforçando o caos que parecia consumir sua vida naquele momento. Enquanto esperava a ajuda chegar, olhou para o rosto pálido de seu pai. Ele ainda respirava, mas parecia inconsciente, murmurando palavras que Mikaela não conseguia entender.

Ela sentou ao lado dele, apertando levemente a mão do homem que tantas vezes a decepcionou, mas que ainda era tudo o que tinha. Naquele instante, as lágrimas não eram de desespero, mas de exaustão. O peso daquela rotina cíclica e sufocante parecia se multiplicar.

A sirene distante finalmente rompeu o silêncio. Ela se levantou rapidamente, indo até a porta para esperar a ambulância. Apesar de toda a confusão, uma única ideia se infiltrava em sua mente: o amuleto e a carta. O que aquilo realmente significava?

Enquanto os paramédicos entravam para prestar socorro ao seu pai, Mikaela olhou para a bolsa onde havia guardado o estranho artefato, sentindo uma mistura de temor e atração. Talvez aquela fosse a última peça de um quebra-cabeça que ela ainda não sabia como montar.

O dia finalmente começava a clarear, trazendo uma luz pálida que invadia a sala de espera do hospital. Mikaela estava sentada em uma das cadeiras desconfortáveis, abraçando a si mesma, enquanto o cansaço e a angústia consumiam suas forças. A noite tinha sido longa e cruel, trazendo lembranças dolorosas que insistiam em assombrar sua mente. Seu coração parecia distante, quase entorpecido, como se recusasse a aceitar o que estava por vir.

De repente, sua bolsa começou a esquentar. Ela ergueu os olhos, confusa, percebendo que o amuleto, ainda escondido ali, pulsava em luz, emitindo um brilho frenético. As batidas aceleradas pareciam acompanhar os próprios batimentos de Mikaela.

Antes que pudesse entender o que estava acontecendo, uma voz grave e compassiva quebrou o silêncio.

— Com licença? — Um homem alto estava diante dela, vestindo o uniforme impecável de um médico. Seu rosto era algo quase irreal, detalhado como uma obra de arte, mas seus olhos refletiam pesar.

Mikaela se levantou, lutando contra o turbilhão de emoções que apertava seu peito.

— Meu pai... ele está bem? — a voz saiu baixa, trêmula.

O homem hesitou, respirando fundo antes de responder.

— Fizemos tudo o que estava ao nosso alcance. Mas ele sofreu um trauma grave na cabeça, agravado pelo consumo excessivo de álcool. Infelizmente, ele não resistiu.

Aquelas palavras ecoaram como um golpe direto em Mikaela. Sua visão ficou turva, e por um momento parecia que o chão sob seus pés tinha desaparecido.

— Não... não pode ser. — sussurrou, sua voz quase inaudível.

O médico tentou consolá-la, mas suas palavras pareciam distantes, abafadas pela crescente maré de dor que consumia Mikaela. Ele se afastou, respeitando o espaço dela, deixando-a sozinha com a realidade devastadora.

O brilho do amuleto em sua bolsa cessou quase imediatamente. Era como se aquele objeto soubesse o que havia acabado de acontecer, como se refletisse a perda irreparável que Mikaela agora carregava. Ela abriu a bolsa, pegou o pequeno objeto em suas mãos e o encarou, buscando um significado, uma explicação.

Mas a única coisa que encontrou foi a sensação esmagadora da solidão.

Agora, sem ninguém ao seu lado, Mikaela sentiu o peso absoluto de estar sozinha no mundo. As lágrimas começaram a escorrer, silenciosas, enquanto a dor silenciosa dava espaço a uma determinação inexplicável. O amuleto parecia pesado, quase chamando-a para algo maior, algo que ela ainda não compreendia.

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