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Entre Olhares

primeiro dia de aula

Helena sentia o coração martelar contra o peito enquanto o ônibus se aproximava do portão imponente do Colégio São Martinho. Ela observava o mundo passar pela janela, mas tudo parecia distante, como se não fosse real. As árvores altas ladeavam a entrada do campus, as folhas balançando ao vento, e estudantes uniformizados conversavam em pequenos grupos espalhados pela área.

Ela suspirou. Era a primeira vez que deixava sua cidade natal, um lugar tão pequeno que todos conheciam todos. Agora, no entanto, estava sozinha em um lugar novo, tentando se convencer de que poderia lidar com aquilo.

“Só respire, Helena. Respire,” sussurrou para si mesma, enquanto o motorista do ônibus anunciava a parada final.

Assim que desceu do veículo, esbarrou em uma figura que parecia surgir do nada. Livros caíram no chão, e Helena tropeçou para trás, tentando recuperar o equilíbrio.

“Ei! Você anda olhando por onde vai?”

Helena levantou os olhos, pronta para pedir desculpas, mas a garota diante dela não parecia tão irritada quanto a voz inicialmente sugerira. Seus olhos castanho-claros brilhavam, e um sorriso malicioso surgiu em seus lábios.

“Ah, você é nova, né?”

“Sou...” Helena respondeu, envergonhada, enquanto pegava um dos livros caídos.

“Sem problemas. Eu sou Sofia,” disse a garota, estendendo a mão. Sua voz era suave agora, quase brincalhona.

“Helena.”

“Bem-vinda ao São Martinho, Helena. É uma selva, mas, se você sobreviver à primeira semana, o resto é tranquilo.”

Antes que Helena pudesse responder, Sofia se inclinou para recolher o último livro e entregá-lo a ela. Com um aceno casual, ela saiu caminhando na direção oposta, deixando Helena confusa e intrigada.

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O dia se arrastou entre apresentações de professores, explicações de regras e a tentativa desesperada de Helena de encontrar seus caminhos pelo colégio. Ela sentia o peso do isolamento em cada passo. As outras alunas pareciam tão à vontade, rindo, cochichando entre si, enquanto ela se sentava sozinha no canto da sala, fingindo estar interessada no caderno à sua frente.

No intervalo para o almoço, Helena hesitou antes de entrar no refeitório. Era grande, barulhento, e ela não sabia onde se sentar. Optou por uma mesa no canto, longe das conversas animadas e das bandejas que iam e vinham.

Ela estava tirando a tampa de seu suco de laranja quando uma bandeja pousou ruidosamente na mesa.

“Você sempre se esconde ou isso é só coisa de primeiro dia?”

Helena ergueu os olhos e viu Sofia novamente. Ela sorriu, sentando-se sem esperar uma resposta.

“Eu... só gosto de silêncio,” respondeu Helena, tentando parecer mais confiante do que se sentia.

“Ah, silêncio. Isso é uma raridade por aqui. Mas não se preocupe, posso ser silenciosa.”

Sofia começou a comer, mas o jeito casual com que mastigava e mexia os dedos na borda da bandeja demonstrava que ela não tinha a menor intenção de ficar em silêncio por muito tempo.

“De onde você veio?” Sofia perguntou entre uma mordida e outra.

“Do interior. É um lugar pequeno, nada interessante.”

“Todo lugar tem algo interessante,” Sofia rebateu com um sorriso. “Eu vim de uma cidade pequena também, acredita? Não parecia, né?”

Helena deu uma risada curta, surpreendendo-se por estar rindo.

“E você?” Helena perguntou, virando o jogo. “Por que está falando comigo? Não parece do tipo que falta companhia.”

Sofia deu de ombros, como se a pergunta não fosse tão inesperada.

“Você parecia precisar de alguém. Eu sempre noto essas coisas.”

Helena não soube como responder, então apenas assentiu. Apesar da estranheza daquela aproximação repentina, havia algo em Sofia que a fazia querer continuar ali, mesmo que não dissesse mais nada.

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À noite, depois de organizar as roupas e os livros em seu pequeno armário, Helena decidiu explorar o campus. O ar fresco da noite era revigorante, e as luzes dos prédios criavam sombras longas e distorcidas nos corredores.

Ela caminhava sem rumo, tentando se acostumar com o ambiente, quando ouviu uma risada baixa vindo do lado de fora do dormitório. Curiosa, seguiu o som até a escadaria externa, onde encontrou Sofia sentada, olhando para o céu.

“Você gosta de estrelas?” Helena perguntou, surpreendendo-se por ter coragem de interrompê-la.

Sofia virou a cabeça lentamente, como se estivesse medindo as palavras antes de responder.

“Eu gosto de pensar que cada uma tem uma história,” disse ela, sorrindo de lado.

Helena se aproximou hesitante e sentou-se ao lado dela, mantendo uma distância segura.

“Eu acho que elas são solitárias,” comentou Helena, quase sem pensar.

Sofia deu uma risada curta, mas não era de deboche. “Engraçado. Eu sempre achei que são como pessoas. Parecem sozinhas, mas estão todas conectadas de formas que a gente não consegue ver.”

O silêncio que se seguiu não era desconfortável. Helena olhou para o céu, tentando ver as conexões que Sofia mencionara, mas tudo o que enxergava eram pontos brilhantes no vasto escuro.

“Por que você está sendo gentil comigo?” Helena perguntou finalmente.

Sofia deu de ombros, jogando o peso do corpo para trás, apoiando-se nos braços. “Por que não? Todo mundo merece um pouco de gentileza de vez em quando.”

“Eu não sei se mereço.”

Sofia franziu a testa e se virou para encará-la. “Todo mundo merece, Helena. Até você.”

Helena abaixou os olhos, sem saber como lidar com aquela resposta. Havia algo em Sofia que a deixava desconcertada. Não era apenas a confiança; era o jeito como ela parecia enxergar Helena de um jeito que nem ela mesma enxergava.

Depois de alguns minutos, Sofia se levantou, esticando os braços.

“Bom, está ficando tarde. Espero te ver amanhã. Ou talvez eu apareça de surpresa de novo.”

Helena sorriu, mesmo que timidamente.

“Boa noite, Sofia.”

“Boa noite, Helena.”

Enquanto Sofia desaparecia pela porta do dormitório, Helena ficou mais alguns minutos sentada ali. O frio da noite começava a incomodá-la, mas havia algo quente dentro dela, algo que não conseguia explicar.

Talvez, apenas talvez, aquele lugar não fosse tão ruim assim.

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amizades e primeiras impressões

Helena acordou cedo no segundo dia. A claridade que entrava pela janela do dormitório iluminava seu quarto pequeno e ainda sem personalidade. Ela passou alguns minutos encarando o teto, tentando absorver os acontecimentos do dia anterior. O jeito despreocupado de Sofia continuava ecoando em sua mente, e ela se perguntava se a garota era sempre assim ou se estava apenas sendo gentil com a novata.

“Talvez ela nem fale comigo hoje,” murmurou para si mesma, tentando se preparar para a possibilidade de voltar à sua bolha de solidão.

Vestiu-se rapidamente, prendeu o cabelo em um rabo de cavalo desleixado e saiu antes que sua colega de quarto acordasse. Era melhor explorar o campus pela manhã, quando tudo ainda estava tranquilo.

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O primeiro período foi de Literatura. Helena sentou-se no fundo da sala, como no dia anterior, esperando passar despercebida. A professora, uma mulher de meia-idade com óculos grandes e uma voz firme, começou a falar sobre análise de poesias, mas Helena se perdeu no som de vozes cochichando ao fundo.

“Helena!”

Ela levou um susto ao ouvir seu nome. Olhou para o lado e viu Sofia ocupando a cadeira vazia ao seu lado.

“Você realmente gosta de se esconder, hein?” Sofia brincou, inclinando-se para falar mais baixo.

Helena tentou não sorrir. “Não gosto de chamar atenção.”

“Bom, isso explica bastante. Mas, sinceramente, você precisa se soltar mais. Não é tão ruim quanto parece.”

“E você parece saber muito sobre mim,” Helena rebateu, levantando uma sobrancelha.

Sofia deu um sorriso misterioso, sem responder.

A professora pigarreou, lançando um olhar severo na direção das duas. Helena imediatamente olhou para o caderno, tentando disfarçar, mas Sofia apenas piscou para a professora, sem qualquer sinal de constrangimento.

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Na hora do intervalo, Sofia insistiu em levar Helena para conhecer um lugar no campus que, segundo ela, era seu favorito: um pequeno jardim escondido atrás do prédio de Artes.

“Quase ninguém vem aqui,” explicou Sofia, empurrando o portão enferrujado. “É o meu refúgio.”

Helena olhou em volta, admirada. O jardim era simples, mas bonito. Arbustos bem aparados cercavam um pequeno banco de pedra, e flores de várias cores cresciam ao redor. O som distante de risadas e passos parecia ficar para trás, como se aquele lugar existisse em uma bolha.

“É lindo,” Helena admitiu.

“Eu sei.” Sofia se sentou no banco e bateu no espaço ao lado, indicando que Helena deveria fazer o mesmo. “E agora você sabe onde me encontrar quando quiser fugir do mundo.”

Helena hesitou por um momento antes de se sentar. “Por que está sendo tão legal comigo? Você mal me conhece.”

Sofia inclinou a cabeça, pensativa. “Talvez porque eu me vejo um pouco em você. Eu era assim no meu primeiro ano aqui. Meio perdida, tentando não ser notada. Mas, sabe, às vezes é bom ser vista.”

Helena ficou em silêncio, digerindo aquelas palavras. Ela não sabia se estava pronta para ser “vista”, mas, de alguma forma, a companhia de Sofia tornava isso menos assustador.

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Naquele mesmo dia, durante a aula de Educação Física, Helena teve outra oportunidade de observar Sofia. Enquanto a turma jogava vôlei, Sofia parecia comandar o time, mas de um jeito descontraído. Ela ria alto, incentivava os colegas e, mesmo quando errava, fazia uma piada que deixava todos à vontade.

Helena, por outro lado, ficou o mais longe possível da quadra, fingindo arrumar os cadarços do tênis para evitar participar.

“Helena!” Sofia gritou de repente, segurando a bola. “Sua vez!”

“Eu não... Não sou boa nisso,” respondeu Helena, sentindo o rosto queimar.

“E daí? Ninguém aqui é atleta olímpico. Vem logo!”

Todos os olhos estavam nela agora, mas Sofia sorria como se aquilo não fosse grande coisa. Relutante, Helena caminhou até a quadra.

Quando a bola foi lançada em sua direção, ela tentou rebater, mas errou completamente. Uma gargalhada geral ecoou pelo ginásio, mas Sofia interveio imediatamente.

“Vocês sabem que nem todo mundo nasceu com superpoderes esportivos, né?” disse Sofia, seu tom firme, mas ainda brincalhão. “Vai de novo, Helena. Dessa vez, eu te ajudo.”

Com Sofia ao seu lado, Helena conseguiu acertar a bola. Não foi perfeito, mas foi o suficiente para Sofia levantar os braços e gritar como se tivessem ganhado um campeonato.

“Tá vendo? Sabia que você conseguia!”

Apesar da humilhação inicial, Helena não conseguiu evitar um sorriso.

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À noite, enquanto organizava seu material no quarto, Helena recebeu uma mensagem no celular. Não reconhecia o número, mas a mensagem dizia:

“Amanhã vou te buscar no café da manhã. Não se atrase. - Sofia”

Helena sorriu para a tela, balançando a cabeça. Sofia era imprevisível, mas, estranhamente, isso começava a parecer algo bom.

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E assim, o segundo dia terminou. Para Helena, aquela conexão inesperada começava a significar mais do que ela podia admitir, até mesmo para si mesma.

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compartilhando segredos

O Alarme tocou cedo, mas Helena já estava acordada, encarando o teto do dormitório. A mensagem de Sofia na noite anterior não saía de sua cabeça. Era estranho pensar que, em tão pouco tempo, alguém poderia se aproximar tanto dela. No fundo, gostava da companhia, mas sentia medo de se apegar.

Quando desceu para o refeitório, Sofia já a esperava perto da entrada, mexendo no celular.

“Bom dia, dorminhoca!” Sofia disse com um sorriso fácil.

“Eu cheguei na hora,” Helena respondeu, franzindo a testa, mas Sofia deu de ombros.

“Detalhes. Vamos comer antes que o pão de queijo acabe.”

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Elas se sentaram perto da janela, com bandejas idênticas — suco de laranja, pão com manteiga e uma maçã. Sofia parecia gostar de falar enquanto comia, e Helena escutava atentamente, rindo de vez em quando das histórias exageradas que a outra contava sobre as professoras e os alunos mais antigos.

“Então, o que te trouxe para cá?” Sofia perguntou de repente, pegando Helena de surpresa.

“Eu... Meus pais acharam que seria bom pra mim. Minha cidade é pequena, sem muitas oportunidades. Acho que eles queriam que eu me preparasse para o futuro.”

“E o que você quer?” Sofia perguntou, inclinando-se ligeiramente para frente.

Helena ficou em silêncio por alguns segundos. Era uma pergunta que ela raramente se fazia. “Eu não sei. Nunca pensei muito nisso.”

“Talvez seja hora de pensar,” Sofia sugeriu, sorrindo. “Esse lugar é meio louco, mas dá tempo de descobrir quem você é.”

Helena sorriu de volta, mesmo sem saber se concordava.

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Mais tarde, naquele dia, Sofia encontrou Helena novamente durante o intervalo, arrastando-a para o jardim escondido atrás do prédio de Artes. Desta vez, trouxe um cobertor fino e alguns biscoitos.

“Você faz isso com todos os novos alunos?” Helena perguntou, enquanto Sofia estendia o cobertor no chão.

“Só com aqueles que parecem interessantes,” respondeu Sofia, piscando.

Helena corou levemente, mas tentou disfarçar. Sentou-se no cobertor e pegou um dos biscoitos que Sofia estendia.

“Então, me conta algo sobre você,” Sofia pediu, apoiando o queixo nas mãos. “Algo que ninguém mais sabe.”

“Por quê?”

“Porque segredos são como pequenas portas para quem somos de verdade.”

Helena hesitou. Não era fácil para ela se abrir, especialmente com alguém que conhecia há tão pouco tempo. Mas Sofia tinha aquele jeito despreocupado que fazia tudo parecer simples.

“Quando eu era pequena, eu achava que não havia nada fora da minha cidade. Tipo, eu pensava que o mundo acabava ali.”

Sofia arregalou os olhos, fingindo choque. “Você achava que sua cidade era o centro do universo?”

“Algo assim.” Helena riu, um pouco envergonhada. “Era um pensamento bobo de criança. Mas, às vezes, acho que ainda penso pequeno demais.”

“Isso não é ruim. Só significa que você tem um monte de coisas novas para descobrir,” Sofia disse, jogando um biscoito no ar e pegando com a boca.

“E você?” Helena perguntou, tentando desviar o foco. “Qual o seu segredo?”

Sofia parou por um momento, olhando para o céu como se estivesse escolhendo as palavras. “Meu segredo é que eu sou péssima em ficar sozinha. Odeio o silêncio.”

Helena franziu a testa. “Mas você sempre parece tão confiante, tão independente.”

“E sou,” Sofia respondeu rapidamente, mas seu tom era mais suave agora. “Mas isso não significa que gosto de ficar comigo mesma. É por isso que estou sempre cercada de gente. Acho que, quando estou sozinha, começo a pensar demais.”

Era uma resposta que Helena não esperava. Olhou para Sofia por alguns segundos, tentando imaginar o que se passava por trás daquele sorriso constante.

“Talvez a gente seja o oposto,” Helena comentou. “Eu gosto do silêncio porque ele me protege. Você foge dele porque... ele te assusta?”

Sofia deu uma risada curta. “Talvez. Acho que a gente se equilibra.”

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A conversa se estendeu por quase uma hora. Elas falaram de coisas pequenas — comida favorita, músicas que odiavam, como se viam no futuro. Helena descobriu que Sofia queria estudar teatro, algo que fazia sentido, considerando sua personalidade extrovertida.

“E você?” Sofia perguntou, pela segunda vez naquele dia.

“Eu ainda não sei.”

“Tudo bem. Você tem tempo.”

A tarde passou devagar, mas de um jeito bom. Quando o sinal tocou para a próxima aula, Sofia se levantou de um salto, estendendo a mão para Helena.

“Vamos. Ainda temos muito o que sobreviver hoje.”

Helena aceitou a mão, sentindo-se mais leve do que em semanas.

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Naquela noite, enquanto Helena estava deitada na cama, ela não conseguia tirar Sofia da cabeça. As palavras da garota, seu jeito confiante e suas pequenas vulnerabilidades ecoavam como se estivessem gravadas em sua mente.

Por mais que não quisesse admitir, algo nela estava mudando.

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