Zary Galli, esse é o meu nome, sou uma mulher de 32 anos. Formada em Administração de Empresas e única herdeira de uma pequena empresa familiar de origem italiana, bem, pequena não seria a descrição correta, mas eu desejo vê-la assim para não me sentir superada por ela.
A verdade é que meus desejos não me levam a ser a diretora geral de "Vinhos Finos Galli", isso mesmo, minha família, como toda boa família italiana, gosta de beber um bom vinho, então meus bisavôs se aventuraram na elaboração artesanal de um delicioso vinho de mesa que encantou qualquer um que o prove. E assim começou a empresa familiar, chegando a toda a Europa e América.
Enfim, como comentava, não me vejo levando as rédeas e responsabilidades de algo tão importante como a empresa familiar, eu desejo algo mais tranquilo, algo que chame minha atenção e me obrigue a superar minhas metas e expectativas, e encontrei isso na hotelaria.
Talvez muitos de vocês me considerem um pouco estúpida (a verdade é que também já pensei nisso), desprezar ser a dona absoluta de uma empresa internacional, para ser a gerente geral de um Resort onde estou ocupada 24/7, 365 dias por ano, mas para ser honesta, é a coisa mais linda que poderia ter me acontecido.
Eu amo meu trabalho, cada dia é diferente, conviver com os funcionários (ou batalhar com eles), receber clientes de todas as partes do mundo, encontrar que por trás de um rosto existe uma história, algumas boas, outras tristes, e inclusive maravilhosas.
Assim estou formando minha história, uma que já leva centenas de páginas de esforço, suor e lágrimas, mas a página que anseio escrever, é onde finalmente posso ser mãe, sonho com o dia em que verei meus filhos correndo por todos os lados, que conheçam melhor que eu cada canto deste lugar e alegrem meus dias com seus sorrisos.
- Olá Zary - me cumprimenta Camila\, minha melhor amiga\, confidente e ginecologista de cabeceira\, ela trabalha em uma clínica de especialidades voltada para a fecundação assistida\, e nos encontramos em seu consultório.
- Olá amiga - respondo ao cumprimento com um grande sorriso.
- Você parece estar de muito bom humor - me diz levantando as sobrancelhas com um sorriso igual ao meu.
- Tenho me sentido um pouco indisposta pelas manhãs há três dias\, acho que isso é bom\, não é? -
- É bom\, muito bom\, faremos os exames que você já conhece e veremos o resultado -
Desde que tinha 15 anos tenho tido mal-estares muito fortes cada vez que tinha meu período menstrual, depois de um check-up me diagnosticaram ovários policísticos, e com isso me explicaram o quão difícil seria meu ciclo reprodutivo, assim como o quão complicado será engravidar.
Durante minha juventude não me preocupava com nada disso, estava focada em minha carreira, depois no empreendimento do meu pequeno hotel que tem crescido com os anos, mas agora meus anseios são me tornar mãe.
Há um ano conheci um homem maravilhoso, um homem que preencheu e superou minhas expectativas, um homem a quem amo e que me ama de forma intensa, mas por desgraça ele é estéril, me disse desde que começamos a nos relacionar formalmente. Mesmo assim apoia meu sonho de poder estar grávida, me anima, cuida e apoia, sobretudo desde há seis meses que estamos tentando uma gravidez assistida por meio de inseminação artificial, seu nome Abraham Ordaz.
- Desta vez Abraham não te acompanha? - pergunta minha amiga enquanto tira uma amostra de sangue do meu braço.
- Vim sem dizer a ele\, espero levar-lhe a surpresa -
- É melhor assim - responde de forma fria\, Camila não gosta de Abraham\, desde que os apresentei ela me disse que há algo nele que não a agrada\, inclusive me pediu que o vigiasse\, eu só penso que talvez esteja um pouco ciumenta\, sempre fomos ela e eu contra o mundo\, agora deve me compartilhar com meu namorado.
- Bom\, já sabe\, esperaremos uma meia hora para ter os resultados - e sai da habitação...
...ΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩ...
Meia hora, o que posso fazer para que 30 minutos passem rápido?
Peguei o celular nas mãos sem saber o que fazer, abri um aplicativo de fofocas, mas não vi nada interessante, observei o escritório da minha amiga em busca de algo diferente, mas nada, os mesmos quadros, diplomas e seu título.
Terminei parada em frente a um esquema do aparelho reprodutor masculino e feminino, inconscientemente toquei minha barriga enquanto murmurava "tomara que você esteja aqui".
Finalmente fiz uma ligação para o hotel perguntando qualquer coisa sem sentido e assim passei os minutos...
Vi minha amiga entrar com um envelope nas mãos, estava tão emocionada que não percebi seu olhar pesaroso.
- Vamos nos sentar - ela me disse, e eu obedeci imediatamente.
- E então? - estava desesperada, esperando apenas as boas notícias que confirmariam que meus mal-estares eram causados por um ser crescendo dentro de mim.
Camila estendeu o envelope que abri com urgência, li o mais rápido possível, e meu ânimo caiu junto com o brilho dos meus olhos e meu sorriso.
NEGATIVO
Era a terceira tentativa de gravidez, era a terceira inseminação artificial desde seis meses atrás. Depois da primeira tentativa fracassada, minha amiga voltou a organizar e planejar os métodos que usaria, no segundo fracasso disse que era mais comum do que se pensava, se o primeiro não funcionava, o segundo estava quase certo de que seria igual, as estatísticas diziam, mas o terceiro era muito seguro de que seria o indicado, tudo estava planejado e sumamente calculado, não havia margem de erros, ou bom, não deveria.
- Zary, sinto muito - minha amiga limpa uma lágrima que sem querer desceu pela minha bochecha - eu te falhei, não sei, de verdade não sei o que aconteceu, eu... sinto muito, não sei o que dizer -
- Não é sua culpa - digo sinceramente com voz apagada - talvez seja só meu destino -
- Não diga isso - responde Camila levantando a voz - fizemos os estudos pertinentes, checamos cada aspecto e tínhamos todas as possibilidades do nosso lado, sinceramente não sei que merda aconteceu?? -
- Calma - esboço um sorriso triste - não é sua culpa, jamais pensaria que fosse, só, só aconteceu - digo enquanto levanto os ombros.
- Oh Zary - ela se aproxima e me rodeia com seus braços - você é minha irmãzinha, a coisa mais importante que tenho, e te juro que não descansarei até te ver completamente cansada ao levar na sua barriga um bebê de quatro quilos e rirei ao te ver sofrer no seu parto -
Um sorrisinho saiu da minha boca, enquanto acariciava seu cabelo disse - promessa? -
- Promessa - ela me respondeu.
Concordamos em realizar estudos novos, então permaneci mais uma hora neste hospital, dentro de dois dias regressaria aos resultados.
- Espere-me um pouco mais e te levo ao hotel -
- Não, obrigada, irei com Abraham - Camila torce a boca, faz isso cada vez que escuta do meu namorado, já até acho que faz mais por costume do que outra coisa - é o que preciso -
- De acordo, mas à noite irei e beberemos uma garrafa da sua reserva de Galli, sem desculpas, ambas precisamos -
- A colocarei para esfriar - digo enquanto nos abraçamos de novo e me despeço.
Camila e eu nos conhecemos na escola enquanto cursamos High School, ela era uma garota muito séria e estudiosa, toda uma Ned, em compensação, eu estava mais que entusiasmada por fazer amigos neste novo continente, mas como sempre, para as pessoas ser diferente é desculpa suficiente para zombar de alguém, sofri bullying por meu sotaque e costumes, além de ser uma garota bonita (não digo eu, me disseram muitas vezes), a popular da escola esteve contra mim todos esses anos.
Foi durante uma aula de química, eu como sempre me ofereci para ajudar o mestre e enquanto levava umas amostras alguém me pôs o pé e caí de bruços jogando tudo o que levava nas mãos sobre Camila, as risadas não tardaram e eu totalmente envergonhada a ajudei a ir ao banheiro para que se limpasse.
"Sinto muito, não foi minha intenção"
"Compensarei, te comprarei roupa, de qual quer?, uma igual, espere-me que já a trago"
Dei a volta e estava a ponto de sair do banheiro quando ela me toma a mão, ao vê-la vi o sorriso mais sincero que havia recebido desde que me mudei para a América do Norte. Começou a rir às gargalhadas, essas que se contagiam, em um instante ambas terminamos com lágrimas nos olhos e dor de estômago.
"Sou Camila"
"E eu Zary"
"Adoro seu sotaque"
"E eu seu sorriso"
Desde esse momento estivemos juntas, vivendo grandes momentos e sofrido muitos mais. Um ano depois os pais dela faleceram em um acidente de carro, quando completamos 25 a tia com quem vivia também morreu de câncer, seu único irmão foi embora desde então e ninguém sabe dele, por isso quando diz que sou a única ou mais valiosa que tem sei que diz a sério, ainda que eu não me considere assim...
Conduzia perdida em meus pensamentos, ainda sem conseguir entender o que havia acontecido, era realmente meu destino não poder ter filhos próprios?
Estacionei umas quatro quadras antes do prédio de apartamentos onde Abraham morava, não me sentia segura para continuar no meu carro e caminhar me faria bem. Meu caminho percorria a margem de um parque, escutar as risadas dos pequenos e os gritos dos pais me fez entrar mais em nostalgia, precisava do meu namorado, em seus braços sempre me senti melhor e suas palavras reconfortantes acalmavam minha alma.
Entrei cumprimentando o porteiro, um senhor nos seus 50 anos que admirava enormemente, sempre com seu uniforme impecável e ele bem arrumado, com um sorriso radiante que agradava sua esposa, "ela não me deixa sair se eu não estiver corretamente vestido e penteado", dizia alegre enquanto contava anedotas. Isso é o que eu queria para mim, um amor que transcendesse o tempo.
Subi no elevador até o quarto andar, estando em frente à porta dele peguei a cópia da chave que ele me deu e abri devagar, não foi intencional, mas meus ânimos e energia estavam quase nulos.
Ao entrar escutei vozes que riam alto, depois uma conversa que terminou por me desmoronar por completo.
- Ainda não consigo acreditar que a pobre da Zary continue insistindo em ter um bebê - era uma voz feminina que não reconheci.
- Ela está obcecada - essa era a voz de Abraham - tem tantas esperanças que até pena me dá truncar seus sonhos -
- O que te preocupa, você tem mentido para ela desde o princípio, olha que dizer que você é estéril, haha, quando você fez a vasectomia porque odeia a ideia de ser pai -
- Nem fale - se expressa irritado - odeio crianças, só de pensar que teria que suportar um bastardo porque Zary quer um filho me põe de muito mau humor -
- Haha, pobre Abraham, suportar um filho que não é seu, hahaha -
- Cale a boca, ainda bem que encontrei uma solução que tem funcionado perfeitamente -
- Quem diria que sua última amante te daria a resposta que você buscava -
- Foi um milagre que eu vi as vitaminas de Zary no armário de remédios, e que eram idênticas a uns comprimidos do dia seguinte que ela tem comprado -
- E que você tenha sangue frio para dá-las justo depois de suas inseminações -
- Antes e depois -
- Como? -
- Sim, para que não houvesse falhas eu dava um um dia antes, nesse mesmo dia e um dia depois, não queria correr riscos -
- Você é realmente desprezível - a voz da mulher soava coquete
- O que posso dizer, eu não podia perdê-la, além de ser linda ela é o candidato perfeito para me fazer rico, realmente milionário -
Dos meus olhos corriam rios de lágrimas, com ambas as mãos cobria minha boca para não deixar escapar nem um som, em vez disso, os sons que saíam do quarto do meu agora ex não deixavam à imaginação o que se fazia ali.
Procurei a porta, dei passos cambaleando, mas consegui sair dali, minha vista estava embaçada por todas as lágrimas que continuavam saindo, me custava respirar, não sei como consegui descer e me colocar em frente à recepção, quando escutei a voz do porteiro eu quebrei e solucei sem parar, ele me levou para sua mesa e exigiu que eu lhe desse o número de alguém que pudesse ir me buscar. Recuperando um pouco de estabilidade eu lhe dei as graças, não queria ver ninguém, não queria saber de nada, só queria me perder na minha dor por umas horas, e isso eu conseguiria em um quarto dentro do meu amado hotel.
Com rosto de preocupação ele não deixou que eu fosse por minha conta, pediu um táxi que me levou direto e sem comentários, coisa que agradeci. Ao chegar me encontro com um grande caos.
- Senhorita Zary que bom que a senhora chega - o senhor Márquez é o segundo no comando aqui, um homem que ganhou minha completa confiança, sempre atento e formal, vê-lo quase em estado de desespero é sinônimo de algo grave.
- O hotel Paraíso está pegando fogo!!!! -
- O quê!!! - respondo assombrada, esse hotel é o mais próximo de nós, ou seja, nossa principal concorrência.
- Bom, não pega fogo por completo só o depósito de roupas de cama, mas por segurança fecharam o hotel até que seja revisado, mas o importante é que todos os seus clientes estão buscando hospedagem aqui!!! - começou a hiperventilar - não temos quartos suficientes, e tem um par que são importantes, muito importantes!! -
- Márquez, tranquilo!! - pego em seus ombros e pela primeira vez ele detalha meu rosto abrindo os olhos por completo.
- Zary, você está bem? -
- Eu vou ficar, agora vamos resolver isso - o pobre homem só assente e caminha atrás de mim rumo à recepção.
Ao chegar detalhei a cena que jamais acreditei ver, clientes brigando pelos quartos alegando quem chegou primeiro, senhoras insultando cavalheiros e pondo seus filhos na frente deles como pequenos escudos humanos, mas ao lado um par de figuras imponentes sobressaíam dos demais, e não só pelo seu físico, já que eram mais altos, mais musculosos e extremamente atraentes, sua presença irradiava status, poder e ao mesmo tempo refinamento.
- Dirija-se a eles e leve-os para a suíte presidencial, faça de forma discreta - Márquez assentiu e fez o pedido, enquanto a moça da recepção e eu arrumamos o caos à nossa frente, de canto de olho vi como os senhores eram escoltados, senti como minha espinha se arrepiava ao ver a forma tão fria e ligeiramente desprezível em que me olharam antes de se retirarem.
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