Bruna:
Me chamo Bruna Almeida, tenho 26 anos e a minha vida não é um morango. Batalho desde que terminei o ensino médio. Primeiro, tive que lutar para conseguir passar no vestibular e entrar em uma faculdade pública de Arquitetura. Quando finalmente consegui, acabei me envolvendo com um veterano por quem me apaixonei. Dois anos após entrar na faculdade, engravidei do meu maior tesouro: minha pequena Melissa, de 5 anos, que é o meu mundo.
Se não fosse pela Carol, minha melhor amiga, que trabalha à noite no shopping e me ajuda a cuidar dela, eu não sei o que seria de mim. Conheci a Carol na faculdade. Ela é formada em Marketing, mas infelizmente, um diploma não garante emprego. Já terminamos a faculdade, mas nenhuma de nós trabalha na área. Eu sou faxineira, enquanto Carol é vendedora. Ela se tornou madrinha da minha filha, e juntas nos revezamos nos cuidados dela.
— Ai, que bom que hoje é sua folga, Carol, porque me chamaram para uma entrevista. Você fica com a Mel?
— Mas é claro, Bru! A Melmel é um amor.
— Não é, princesa? Vamos fazer a tarde do cinema! Vamos assistir o quê hoje?
— Moana, Dinda!
As duas ficaram em casa enquanto eu me preparava para a entrevista. Já havia pesquisado tudo sobre a empresa — a renomada Construtora Colatto. Conseguir esse trabalho na minha área significaria muito para mim: com um salário melhor, eu poderia colocar minha filha em uma escola particular.
Meu único receio era que eu tinha algumas exigências. Não posso trabalhar à noite, pois é o horário de expediente da Carol, e não há ninguém que fique com a Melissa. Meus pais moram em outro estado, então viajar também seria difícil. É complicado ser mãe solteira e não ter apoio. Às vezes me pego pensando em quando minha filha começará a perguntar sobre o pai. Não quero mentir para ela, mas também não quero magoá-la contando tudo o que aconteceu.
Flash on:
— Du, eu tô grávida. E agora?
— Eu sabia. Você não é diferente como eu imaginava. É igual a todas as outras. Só ficou comigo porque descobriu que sou rico e vou herdar as empresas do meu pai. Engravidou pra me dar o golpe da barriga. Mas eu não vou assumir essa criança. Vou te dar um dinheiro pra abortar e mais um tanto pra você viver bem longe de mim.
— Você tá me ofendendo, Eduardo! Quem você pensa que eu sou?
— Uma golpista, como muitas com quem já fiquei. Mas você... você conseguiu me enganar. Só que não tem porte pra ser mulher de Eduardo Alvarenga. Jamais te apresentaria aos meus pais. Vai tirar essa maldita criança e nunca mais me procure.
— Seu desgraçado! Eu jamais abortaria. E quer saber? Esqueça que um dia me conheceu. Você tem razão, esse filho nem é seu. Já que não vai ficar comigo... nós terminamos por aqui!
— Eu sabia! Você não vale nada.
Flash off...
Claro que deixei ele acreditar que a Melissa não era filha dele. Melhor ele pensar que eu era uma golpista do que tentar me obrigar a fazer um aborto. Mas é óbvio que não fiz isso. A Mel é a minha melhor escolha. Eu a amo com todo o coração.
O táxi parou em frente à empresa. Eu estava nervosa. Muito nervosa. Mas, para minha surpresa, não havia muitas pessoas na recepção — apenas duas. Isso significava que a entrevista já tinha começado. Entreguei meu currículo para a secretária. Uma das candidatas saiu nervosa, e a outra foi chamada. Apenas dois minutos depois, essa também saiu com o mesmo olhar de tensão. A próxima entrou e, cinco minutos depois, a secretária me chamou:
— Senhorita Bruna Almeida?
Entrei. Entreguei meu currículo ao CEO. Ele o analisou em silêncio, depois levantou os olhos e me fitou. Fiquei parada, esperando que ele dissesse algo.
— Então você se chama Bruna Almeida. Está formada há dois anos... Por que ainda não conseguiu emprego na sua área?
— Está difícil conseguir vagas para arquitetos, senhor Colatto. Tenho procurado desde a minha formatura. Infelizmente, ainda não consegui nada e, por isso, estou trabalhando em outras áreas. Mas estou aqui hoje, em busca de uma oportunidade.
— Estou precisando de um arquiteto — ou arquiteta — para fechar a minha equipe. Tenho muito trabalho acumulado e está difícil encontrar um profissional sério. Você já ganhou pontos por estar sendo bem profissional. Quero alguém responsável, que leve o trabalho a sério. Preciso de total dedicação.
— Claro, senhor. Terei total dedicação ao trabalho. Porém... tenho algumas restrições. Não posso viajar e nem trabalhar além do horário comercial.
— E o que impede essa disponibilidade total?
— Eu tenho uma filha, senhor Colatto. Ela precisa da minha atenção. Não tenho com quem deixá-la à noite ou nos fins de semana.
Daniel:
Meu nome é Daniel Colatto, tenho 28 anos. Apesar de ser herdeiro, minha vida nunca foi fácil. Recebi a construtora Colatto à beira da falência depois que o antigo sócio do meu pai aplicou um golpe e utilizou materiais de baixa qualidade na construção de um resort, o que causou a queda da estrutura principal.
Lutei durante anos para reerguer a empresa, e hoje ela é a maior construtora do país. Trabalho não falta, e é só nisso que a minha vida se resume: trabalho.
Não tenho tempo para distrações. Minha única ocupação é ser o melhor no que faço e vencer toda a concorrência. Já tive uma namorada, mas terminamos porque eu nunca tinha tempo para o relacionamento. Meu foco sempre foi — e sempre será — o trabalho. Por isso, decidi que não terei família até atingir o ápice da minha carreira.
Filhos? Detesto crianças. Só dão trabalho, atrapalham o andamento da vida e nos impedem de progredir.
Atualmente, temos cinco arquitetos atuando na empresa, mas ainda preciso de mais um. A demanda está altíssima e não podemos perder tempo. Por isso, iniciei um processo seletivo que está me deixando extremamente estressado.
Os homens querem se mostrar superiores, como se estivessem me fazendo um favor ao se candidatarem a uma vaga na Colatto. Já as mulheres... parecem mais interessadas em um desfile de sedução do que em uma entrevista de emprego. A maioria é dispensada assim que entra, seja pela forma como se vestem ou pela tentativa de se insinuar.
Dora, minha secretária, me avisa que é a última candidata do dia. Quando a mulher entra, já me preparo para dispensá-la. Mas, para minha surpresa, ela está vestida adequadamente, entrega seu currículo com profissionalismo e mantém a postura. Só tem um problema — e, para mim, o principal deles: ela tem uma filha. Isso já me faz acender o sinal de alerta.
— Uma filha? — pergunto.
— Sim, senhor Colatto. Ela se chama Melissa e tem 5 anos — responde, firme.
— Isso vai atrapalhar seu trabalho. Crianças ficam doentes, não podem ficar sozinhas. Como você pretende se dedicar 100% se tem uma filha?
— Tenho uma amiga que mora comigo, é madrinha da Melissa e cuida dela durante o dia. Ela se responsabiliza por tudo. Minha filha não será um empecilho, a não ser no período noturno ou nos fins de semana, quando minha amiga não poderá cuidar.
— Não posso perder mais tempo procurando outros candidatos. Vou te dar essa oportunidade. Mas, já adianto: como você não poderá ir a eventos noturnos ou fazer viagens, quero dedicação total durante o horário comercial. Em relação à sua filha, a empresa oferece auxílio-babá, e você pode colocá-la numa escola particular.
— Me dedicarei de corpo e alma à empresa. Agradeço pela oportunidade. Trabalhar na Colatto, a maior construtora do país, é uma honra.
— Deixe seus documentos com a Dora. Você começa amanhã mesmo.
Despedi-me da candidata já pensando que essa criança será um empecilho, mas como não posso me dar ao luxo de continuar com entrevistas intermináveis, aceitei. Desde que a filha não atrapalhe, não vejo por que não contratá-la.
Após as entrevistas exaustivas, resolvo dar uma passada na boate do meu melhor amigo, Miguel Duran.
— E aí, irmão, como estão as coisas? — ele pergunta.
— Finalmente contratei uma arquiteta. Agora espero ter mais tempo pra aparecer por aqui.
— E a namorada? Já está na hora de se relacionar e atender ao pedido da dona Lúcia. Sua mãe quer um neto!
— Nunca. Não terei filhos, nem quero compromisso. Preciso me distrair, sim, mas só com algo passageiro. E nem agora, estou atolado de trabalho. Só passei pra te cumprimentar mesmo.
— É por isso que abri essa boate. Juntei o trabalho com o prazer — diz, rindo. — Posso trabalhar e me divertir no mesmo lugar.
— Já estou de saída. Tenho alguns projetos para revisar.
Depois da rápida visita à boate, decido dormir na casa dos meus pais. Faz meses que não os visito. Arrependo-me assim que entro: como sempre, começam as cobranças para que eu arrume uma namorada e tenha filhos — algo que nunca vou fazer.
Eles vivem no interior, em uma espécie de lua de mel desde que meu pai abandonou a construtora e passou a comandar uma pequena empresa de exportação. Depois de sofrer um infarto por conta do golpe que levou, minha mãe exigiu que eu assumisse a Colatto e ele ficasse com um trabalho mais leve.
Mesmo depois de contratar a tal Bruna, vou deixá-la em período de experiência. Quero ver se essa filha realmente não atrapalha. Terei que manter alguém de sobreaviso para cobrir os horários em que ela não puder estar disponível — o que, para mim, já é ceder mais do que gosto.
Mas como ela foi a única profissional decente que apareceu nas entrevistas, preferi contratá-la logo do que continuar perdendo tempo analisando currículos.
Como dizem os americanos: tempo é dinheiro — e isso é algo que não podemos perder.
Bruna:
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Chego em casa feliz da vida e conto as novidades para Carol e Mel.
— Parabéns, amiga! Você merece!
— Nós merecemos, não é, meu amor? Agora poderei te dar tudo o que você merece.
— Eu vou ter tudo? Tudo mesmo?
— Ei, mocinha! Eu arrumei um trabalho, não ganhei na loteria, tá? Quando eu disse que te daria tudo que merece, estava falando daquilo que não posso dar com o salário de faxineira: como te colocar numa escola melhor, roupas e calçados bons, e alguns brinquedos. Não quer dizer que você vai ter tudo o que quiser, não.
— Não é isso, mamãe... Eu só quero uma coisa. Será que você pode me dar?
— Se estiver ao meu alcance, te darei o que quiser, princesa.
— Eu queria uma família igual a das minhas amigas. Um pai, uma vovó e um vovô.
Meu peito aperta. Eu sabia que essa hora iria chegar. Eu preciso explicar por que o pai nos abandonou.
— Meu amor, você tem uma vovó e um vovô que moram longe. A mamãe nunca conseguiu te levar lá, mas... um pai...
— Princesa da dinda, você é tão linda e especial, sabia? E os homens de hoje em dia não merecem você. É por isso que você ainda não tem um pai. Mas um dia, vai aparecer um príncipe bem valente que vai casar com a sua mãe. Aí sim, você vai ter um pai. Mas tem que ser paciente. Promete pra dinda que vai esperar com calma?
— Eu prometo, dinda. Mas... ele vai ser lindo?
— Para merecer casar com a sua mãe? Lindo é pouco. Ele vai ter que ser o máximo!
A Mel sai e vai assistir desenho.
— Obrigada, amiga. Achei que teria que contar a verdade pra ela.
— Ela ainda é muito nova pra entender essas coisas. Quando for mais velha, você explica. Mas olha, deveria existir uma lei pra punir esses desgraçados que abandonam mulheres grávidas e deixam esse vazio na vida das crianças.
— Até hoje, quando olho pra Mel, fico pensando: “Como eu pude me enganar tanto?” O Eduardo parecia um príncipe encantado. Me dizia que me amava, que ia me fazer feliz pra sempre... Mas era tudo mentira.
— Esquece esse traste, amiga. Ele não merece nem que você diga o nome dele. Você é boa demais pra alguém assim. Eu ainda sofro com a minha perda... Se não fosse por isso, era pra estarmos aqui com nossos filhos, e não com esses desgraçados sumidos no mundo. Por isso amo tanto a Mel. Ela é como o filho que eu perdi, sem nem saber se era menino ou menina.
— Chega, amiga. Vamos parar com o choro. Temos motivos pra comemorar! Afinal, agora você está vendo diante de si: Bruna, a nova arquiteta da Construtora Colatto!
— E você é uma baita sortuda! O Daniel Colatto é um... gostoso!
— Ele é muito sério e profissional... e tem o maior defeito: não gosta de crianças. Achou que a Mel iria atrapalhar no trabalho. Mas pelo menos ele aceitou que eu não posso trabalhar nos finais de semana, nem fora do horário comercial, e muito menos viajar.
— Mas não dá pra negar que ele foi bem generoso te dando essa colher de chá.
— Ele estava era com pressa de contratar alguém. Deve ter entrevistado muitos que não se encaixaram, por isso acabou aceitando minhas exigências.
— O importante é que você conseguiu um emprego na sua área. Eu também queria muito conseguir um... Espero que no futuro eu consiga e que a gente possa comprar uma casa maior que essa meia-água minúscula.
— Vamos sim, amiga. Assim que começar a entrar o salário, a gente vai alugar um lugar maior.
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Fui dormir cedo, ansiosa para começar. Escolhi um look sério e formal — não queria chamar atenção, diferente das outras candidatas, que pareciam estar indo pra balada.
Ele me apresentou à equipe. Só uma tal de Leandra não foi com a minha cara. Deu pra sentir pelo ar de superioridade e o olhar de desdém.
Daniel me entregou alguns contratos com exigências simples de clientes. Comecei a trabalhar nos desenhos imediatamente. Tinha várias ideias e finalizei meu primeiro projeto no primeiro dia. Estava orgulhosa. Seria a primeira vez apresentando algo diretamente ao renomado Daniel Colatto.
— Com licença, senhor Colatto...
— À vontade, senhorita Almeida. Espero que não demore muito, porque eu não tenho tempo a perder. Tenho muito trabalho.
Aff, que cara grosso... Mas tudo bem. Espero surpreendê-lo.
— Terminei o projeto dos clientes que o senhor me passou. Vim apresentar.
— Prossiga.
Ligo o retroprojetor e explico, com todos os detalhes, a planta do projeto, cada item conforme o solicitado. Ele apenas me observa, com um lápis no canto da boca. Apesar de grosso, a Carol tinha razão... Ele é um baita de um gostoso. Mas não vim aqui pra babar em cima do Daniel Colatto — vim pra mostrar minhas habilidades e fazer um bom trabalho.
Respiro fundo e encerro a apresentação, enquanto ele continua analisando o projeto com aquele maldito lápis no canto da boca... o que só o torna mais sexy. Porém, agora, eu só posso esperar pelo seu parecer.
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