Prólogo
Natália olhou para o relógio pela enésima vez. Finalmente, aquele seria o último pacote do dia.
Há dois anos trabalhava como office girl em uma empresa que prestava serviços para os Correios, mas nunca tinha pego um turno tão longo quanto aquele.
— Credo… que dia mais demorado — murmurou, tirando o boné e passando a mão suada pela testa.
O carro de entregas estava estacionado a três quarteirões dali. Ela caminhara o restante a pé, já sem forças, mas o nome da empresa no pacote — DonCosméticos — despertara sua curiosidade.
Quando parou diante do enorme prédio espelhado, bem no coração de Florianópolis, Natália ficou de boca aberta.
— Minha nossa… é enorme! — sussurrou, maravilhada.
Entrou timidamente. As portas automáticas se abriram diante dela, revelando um interior luxuoso, com pisos que brilhavam tanto que ela pôde ver o reflexo do seu tênis gasto. Quase envergonhada, limpou as solas no carpete antes de dar mais um passo.
Atravessou o saguão e parou diante da recepcionista, uma mulher elegante e de expressão entediada.
— Boa tarde… eu tenho uma entrega para o senhor… — olhou o pacote e gaguejou. — Don… Yon.
Karen, a recepcionista, ergueu uma sobrancelha. Trabalhava ali há quase dez anos e nunca deixava de achar graça quando alguém pronunciava o nome do CEO com hesitação.
— Ah, sim. Pode deixar comigo, eu entrego pra ele — disse, estendendo a mão.
Natália hesitou. As instruções do supervisor ecoaram em sua mente: “Entrega em mãos. Sem exceções.”
— Desculpe, mas preciso entregar pessoalmente ao senhor Don-Yon. Ordens da empresa.
Karen cruzou os braços e a encarou com um meio sorriso.
— Verdade?
— Se quiser, posso te passar o número do meu supervisor e você confirma com ele. — Natália apoiou o pacote no balcão e começou a procurar o celular.
— Não vai ser necessário. — A recepcionista segurou o pacote com firmeza.
Num instinto, Natália fez o mesmo.
— Eu não posso. Preciso entregar em mãos.
Karen revirou os olhos.
— Deixa de ser teimosa, garota. Eu posso entregar. Não há necessidade de você subir.
— Não! — insistiu Natália, puxando o pacote de volta. — Eu posso ser demitida se a assinatura não for dele.
As duas começaram um pequeno “cabo de guerra” que chamou a atenção de todos no saguão.
— Senhorita Karen, o que está acontecendo aqui? — uma voz masculina e firme ecoou atrás delas.
Assustada, Karen soltou a caixa de repente. Natália perdeu o equilíbrio e caiu de costas — bem em cima de alguém.
— Aiiii! — gritou, sentindo um corpo sólido debaixo do seu.
Dois seguranças correram até eles.
— Tirem ele de cima de mim! — resmungou, tentando se levantar.
Uma mão forte a empurrou gentilmente para o lado, e ela finalmente conseguiu ficar de pé, desajeitada e completamente vermelha.
— Eu sinto muito, foi um… — sua voz morreu quando olhou para o homem diante dela.
Alto, elegante, com um terno escuro impecável e um olhar intenso, ele era, sem dúvida, o homem mais bonito que Natália já vira. O tipo de beleza que deixava qualquer um sem palavras.
— Eu sinto muito mesmo… — repetiu, gaguejando.
Yon, o CEO da DonCosméticos, arrumou o paletó e olhou para ela pela primeira vez. A voz que ouvira na confusão era mais doce do que imaginara. E aqueles olhos castanhos, grandes e assustados, o fizeram parar por um instante.
— Senhor Don-Yon, ela não quis deixar a encomenda comigo — apressou-se Karen, tentando se justificar.
Ele ergueu uma mão, pedindo silêncio.
— Me diga, por que não podia deixar o pacote na recepção? — perguntou, com um sotaque coreano suave e irresistível.
— Foram ordens da empresa… se a assinatura não for sua, eu posso até perder o emprego — respondeu ela, tentando manter a voz firme.
— Bem… eu sou Don-Yon — disse ele, finalmente esboçando um meio sorriso.
Natália piscou, surpresa.
— Ah, sim! Claro… — abaixou-se rapidamente para pegar o pacote caído. — Aqui está.
— Onde eu assino? — perguntou ele, frio e profissional, embora ainda curioso sobre aquela garota desastrada.
— Ah… o celular… — tateou os bolsos e empalideceu. — Minha nossa!
Karen ergueu o aparelho com um sorriso debochado.
— Está procurando isso?
— É. — Natália caminhou até o balcão e arrancou o celular da mão dela, irritada.
Abriu o aplicativo de entrega e o estendeu para o CEO. No instante em que Yon pegou o celular, seus dedos tocaram os dela. Uma corrente elétrica percorreu ambos.
Yon sentiu o corpo reagir, confuso.
— Eu…
— Por favor, só assina — interrompeu Natália, tentando disfarçar o rubor.
— Está bem. — Ele assinou e devolveu o celular.
— Obrigada — murmurou, saindo quase correndo dali, o coração disparado.
Don-Yon ficou observando enquanto ela desaparecia pela porta. Um leve sorriso surgiu em seus lábios.
Aquela entrega, definitivamente, ele não esqueceria tão cedo.
Capítulo 1
O coração dela ainda estava acelerado.
— Aff… o que está acontecendo comigo? — murmurou Natália, encostando a cabeça no volante por alguns segundos antes de ligar o carro.
Tentou respirar fundo, mas tudo o que conseguia lembrar era do toque acidental das mãos. Aquele olhar intenso, a voz firme com sotaque estrangeiro e o jeito sério do tal Don-Yon ainda a deixavam desconcertada.
— Calma, Naty. Foi só uma entrega. Só uma entrega… — repetiu para si mesma, tentando convencer o próprio corpo a relaxar.
O trânsito estava um caos. Era hora do rush em Florianópolis, e as buzinas pareciam disputar quem seria mais irritante. Se não fosse aquela confusão na empresa, ela já estaria em casa tomando banho e descansando os pés cansados.
O celular começou a tocar. Ela ativou o viva-voz, sem tirar os olhos da rua.
— Pronto?
— Naty, onde você tá? — perguntou uma voz animada do outro lado da linha.
Era Paloma, sua melhor amiga desde sempre — e praticamente sua confidente em tudo.
— Parada no trânsito, por quê?
Natália já desconfiava do motivo.
— Vamos beber? — sugeriu Paloma, empolgada. — Você lembra que dia é hoje, né?
Natália sorriu de canto. Lembrava, sim. Era o aniversário de amizade delas — dez anos de cumplicidade, risadas e desastres compartilhados.
— Ah, Paloma… no meio da semana? Amanhã acordo às cinco pra arrumar a Manu pra escola.
Sua mãe era cuidadora e dormia no trabalho, então Natália cuidava da irmã mais nova todas as manhãs.
— Claro que sei — respondeu Paloma — mas eu tô precisando. O dia no mercado foi um caos.
Paloma trabalhava como subgerente em um supermercado do bairro, e sempre dizia que cada plantão a envelhecia cinco anos.
Natália riu, exausta. — Pensando bem, eu também mereço um copo. Te encontro lá.
— Isso! Até daqui a pouco, mulher! — vibrou Paloma antes de desligar.
Natália soltou um suspiro. O dia tinha sido um desastre completo. Talvez um pouco de conversa e uma cerveja gelada ajudassem a esquecer a vergonha que tinha passado na DonCosméticos.
🌻🌻🌻
O bar era o ponto de encontro da Vila Esperança, um bairro simples, mas cheio de vida. As mesas de madeira estavam ocupadas por vizinhos, risadas e música baixa ao fundo.
Natália estacionou e procurou Paloma com o olhar. A amiga já estava lá — e não estava sozinha.
O estômago de Natália deu um salto quando reconheceu o rapaz sentado ao lado dela. Thiago, o irmão mais velho de Paloma. O mesmo por quem ela suspirava desde os doze anos.
— O que será que ele tá fazendo aqui? — murmurou, ajeitando o cabelo, mesmo sabendo que o vento já tinha bagunçado tudo.
Thiago fazia faculdade de Administração à noite. Era raro encontrá-lo por ali. E, sinceramente, ela não estava preparada para vê-lo naquele dia.
Assim que se aproximou, ele a notou.
— Olha só, quem é vivo sempre aparece — brincou, com aquele sorriso que deixava qualquer um sem ar.
Natália fez uma careta para disfarçar o nervosismo. — Ah, ah, ah… deixa de ser besta.
— Cresceu, mas continua a mesma grosseirona de sempre — provocou ele, rindo.
— E você, o mesmo metido! — respondeu, mostrando o dedo do meio.
Paloma deu uma risadinha. — Que coisa feia, Naty! — disse, mas se divertia com a cena.
— Paloma — resmungou Natália, cruzando os braços — o que esse jumento tá fazendo aqui?
— Calma, garota! — respondeu a amiga. — Ele veio comemorar com a gente.
Thiago abriu um sorriso e Naty sentiu as pernas ficarem bambas. Rapidamente desviou o olhar, tentando parecer indiferente.
— Comemorar o quê? — perguntou, chamando o garçom e pedindo uma cerveja.
— Ele conseguiu uma vaga na DonCosméticos — contou Paloma, orgulhosa.
O coração de Natália deu um pulo.
— Sério? Lá é superdifícil de entrar!
— Sim — respondeu Thiago, encurtando o assunto.
— A moça que ele tá namorando trabalha lá — completou Paloma, sem perceber o golpe que dava na amiga — e foi ela quem ajudou ele a conseguir. Mamãe tá superfeliz!
Natália ficou imóvel por alguns segundos. A palavra “namorando” ecoou na mente dela como uma martelada.
— Ah… que legal. Fico feliz por você, Thi — conseguiu dizer, forçando um sorriso.
Ele agradeceu com um aceno simples, sem notar o quanto aquilo a afetava.
Natália abaixou a cabeça, fingindo brincar com o rótulo da garrafa. O amor que guardava por ele desde a infância nunca passaria disso: um sentimento silencioso, unilateral.
“Amor platônico”, pensou. “A pior invenção do mundo.”
— Bem, então vamos beber! — disse Thiago, tentando quebrar o clima.
— Vamos! — respondeu Natália, erguendo o copo.
E bebeu. Um copo, depois outro, até perder a conta. A última lembrança que teve naquela noite foi do sorriso de Thiago — e da sensação amarga de saber que ele nunca seria dela.
Quando acordou no dia seguinte, nem lembrava como tinha chegado em casa.
Capítulo 2
Don-Yon revisava atentamente uma pilha de relatórios quando o olhar parou sobre o pacote fechado à sua frente. Ainda não o havia aberto. Desde que o recebera naquela tarde, o embrulho parecia emitir uma energia estranha — ou talvez fosse apenas a lembrança da confusão que presenciara na recepção da empresa.
A imagem ainda o fazia sorrir, mesmo que de leve. A recepcionista, com o semblante indignado, e a jovem entregadora, teimosa, disputando o pacote como se fosse uma questão de vida ou morte. E o desfecho? Ele, o CEO, sendo derrubado no meio do saguão por aquela garota desastrada.
Tinha sido inesperado — e, de algum modo, marcante.
— Senhor, não vai abrir o pacote? — perguntou Nicolas, seu secretário, interrompendo seus pensamentos.
Don-Yon ergueu o olhar. — Sim, claro.
Cortou a fita adesiva com cuidado e retirou o conteúdo. Eram amostras do novo produto que a DonCosméticos lançaria no próximo mês. Frascos elegantes, com rótulos dourados e um leve aroma que escapava mesmo com as tampas fechadas.
— São as amostras do creme rejuvenescedor, senhor? — perguntou Nicolas, curioso.
— Exato. — Yon assentiu.
O secretário pegou um dos potes, abriu e aspirou o perfume. — É bem cheiroso. Vai fazer sucesso.
Yon observou o entusiasmo dele, mas se manteve sério. Mesmo após anos de conquistas, nunca se permitia relaxar completamente. Cada novo produto era um risco, uma aposta.
Seis anos haviam se passado desde que deixara a Coreia do Sul. E em todo esse tempo, ele havia construído um império. A DonCosméticos, que antes era apenas uma empresa falida de um investidor brasileiro, agora era uma das marcas mais respeitadas do país.
Tinha dinheiro, poder, prestígio — e, aparentemente, tudo o que um homem poderia desejar.
Mas, ainda assim, sentia um vazio.
— Como tudo que a empresa produz, esse também será um sucesso — disse Nicolas, confiante.
Yon apenas esboçou um leve sorriso.
Havia fugido da Coreia após um escândalo pessoal que o marcara profundamente. Sua noiva o trocara por outro homem no próprio dia do casamento. A humilhação fora pública, cruel, e ele jamais esquecera o olhar de pena nos rostos ao redor. Desde então, prometera a si mesmo que nunca mais deixaria ninguém chegar perto o suficiente para feri-lo novamente.
— Pode levar um dos frascos para sua esposa — disse Yon, quebrando o silêncio.
— Obrigado, senhor — respondeu Nicolas, surpreso e grato.
Yon realmente admirava o secretário. O homem começara na limpeza e, com esforço e lealdade, conquistara seu espaço até se tornar seu braço direito.
— Quer que peça para o motorista trazer o carro? — perguntou Nicolas, recolhendo os papéis.
— Não precisa. Terminarei aqui e depois eu mesmo dirijo.
— Boa noite, senhor.
— Boa noite.
Quando o silêncio voltou a preencher a sala, Don-Yon recostou-se na cadeira. O brilho da cidade noturna entrava pela enorme janela panorâmica, refletindo nos vidros. Pensou na Coreia — nas luzes de Seul, no cheiro das comidas de rua, nos sons familiares da língua que tanto amava. Mas voltar seria impossível. Lá, estavam suas feridas.
🌻🌻🌻
Já em casa, o apartamento luxuoso estava mergulhado na penumbra. Yon havia tomado banho, vestido um roupão de algodão e estava prestes a dormir quando o toque do celular particular o fez franzir o cenho.
Era um número desconhecido.
Ele hesitou por um instante antes de atender. — Alô?
Do outro lado, uma voz feminina e embriagada respondeu:
— Eu gosto de você.
Yon franziu a testa. — Como é?
Ouviu um soluço. A voz parecia trêmula, carregada de emoção.
— Eu gosto de você… sempre gostei. Mas você não me vê assim.
Por um segundo, ele achou que fosse alguma brincadeira.
— A senhorita deve ter ligado errado — disse, tentando manter a calma.
— Não… claro que liguei certo! — insistiu a voz, agora chorosa. — Sabe como dói você não me ver como mulher? Eu… eu te amo, Thiago…
Houve outro soluço.
Yon ficou em silêncio, entre confuso e curioso.
— Escute… você ligou para a pessoa errada. Eu não sou esse… Thiago.
Do outro lado, o silêncio durou alguns segundos. Então a voz pareceu desperta de repente.
— O quê? Não é o Thiago?
— Não. — A resposta dele foi firme.
— Oh… me desculpe. — E, antes que ele dissesse mais alguma coisa, a ligação foi encerrada.
Yon olhou o número na tela e franziu o cenho.
— Quem será essa mulher? — murmurou, encostando o celular no peito. — E quem é esse tal de Thiago?
Por algum motivo inexplicável, aquela voz embriagada e triste ficou ecoando em sua mente.
Ele se levantou, foi até a janela e olhou as luzes da cidade.
— Nicolas vai descobrir — disse baixinho.
E, sem saber, naquele instante, Don-Yon acabava de cruzar, por acaso, o caminho da mesma garota que o havia derrubado horas antes.
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