Rony:
Rony nasceu em Aramat, um reino mágico onde a magia fluía como o ar que se respirava. Era um lugar de maravilhas, onde fadas dançavam em florestas encantadas, e magos teciam feitiços com a destreza de artesãos. Mas a paz de Aramat e de outros reinos foi quebrada por algo terrível que ameaçava engolfar o mundo em trevas.
O medo se espalhou como um incêndio, e os pais de Rony, temendo pelo futuro de seu filho, decidiram deixar Aramat para trás. Eles partiram para Damasco, um mundo distante, onde a magia era apenas um conto de fadas e as pessoas viviam vidas simples e ordinárias. Rony tinha apenas sete anos quando deixou para trás o mundo que conhecia.
A vida em Damasco era diferente. Rony se viu em um mundo estranho, onde as memórias de Aramat se esvaíam como fumaça ao vento. As lembranças se tornaram um eco distante, uma sombra vaga em sua mente.
Apesar da distância, o mundo mágico nunca deixou de existir em Rony. Ele carregava dentro de si um anseio por algo que não conseguia definir, um vazio que o acompanhava como uma sombra.
Quando Rony completou vinte anos, conheceu Vânia. Foi amor à primeira vista, um encontro que iluminou seu mundo e preencheu o vazio que ele carregava há tanto tempo. Vânia era uma jovem de beleza singular, com cabelos ruivos que lhe davam um ar de mistério e olhos que refletiam a força e a coragem de sua alma. Vânia era diferente de tudo que Rony conhecia em Damasco.
Vânia:
Anastácia, a matriarca da família Morlen, era uma visão de rara beleza. Seus cabelos, ruivos emolduravam um rosto delicado, com traços finos e olhos azuis que pareciam refletir o céu. Sua pele, pálida como a porcelana, era salpicada por sardas que pareciam estrelas em um céu noturno. Mas a beleza de Anastácia ia além da aparência física. Havia um brilho em seus olhos, uma aura de mistério e poder que a tornava incrivelmente cativante.
No entanto, essa mesma beleza, essa mesma aura, a condenou. Em uma época de superstições e intolerância, a magia ( o poder de cura) que Anastácia possuía, uma herança de um passado distante, foi interpretada como bruxaria. Ela foi acusada, julgada e condenada à morte.
Décadas se passaram, e a memória de Anastácia se tornou um fantasma, um segredo sussurrado na família Morlen. Vânia, a vigésima geração da família, nasceu com o mesmo cabelo ruivo que Anastácia, uma marca indelével de sua ancestralidade. A cor de seus cabelos, tornou-se um fardo pesado, uma lembrança constante do destino trágico de sua ancestral.
Os pais de Vânia, a rejeitaram. Ela era constantemente comparada à sua prima, uma jovem perfeita, com cabelos negros e olhos azuis, a imagem da família Morlen que eles desejavam. Vânia, a menina de cabelos ruivos, era chamada de estranha, pois seus pais tinham cabelos escuros e depois de décadas, alguém novamente nasce na família Morlen com os cabelos ruivos.
O amor de Vânia por Rony, um jovem de coração puro e alma gentil, foi a única luz em sua vida. Ele a acolheu com amor e compreensão, reconhecendo a beleza que se escondia por trás da tristeza em seus olhos. Juntos, decidiram fugir, construir uma vida longe do preconceito e do medo que assolavam a família Morlen.
Dois anos se passaram, e Vânia, com o coração cheio de saudade, resolveu escrever uma carta para seus pais. Ela esperava que, com o tempo, o amor e a compreensão pudessem superar o medo e a rejeição. Mas a carta, carregada de esperança e afeto, nunca teve resposta.
O nascimento de Jasper, seu filho, reacendeu a chama da esperança em Vânia. Ela escreveu outra carta, desta vez contando sobre seu filho. Ela enviou a carta com um endereço, na esperança de que seus pais, finalmente, a visitassem. Mas o silêncio permaneceu.
No aniversário de sete meses de Jasper, Rony encontrou Vânia abatida, consumida pela tristeza e pela solidão. Ele, então, resolveu escrever uma carta para os sogros, um desabafo carregado de dor e raiva. Ele não sabia, mas a carta nunca chegaria ao seu destinatário. Pois um mês antes, os pais de Vânia haviam sido vítimas de um crime brutal, por cobradores.
O Sr. e a Sra. Davis, apesar da simplicidade de sua vida e da precariedade de sua morada, irradiavam uma bondade contagiante. A pequena casa, de madeira escura e envelhecida, rangia a cada sopro de vento, parecendo sussurrar segredos ao tempo. As tábuas, comidas pela umidade, se curvavam em protesto silencioso, enquanto a tinta descascada revelava a madeira apodrecida sob uma camada de poeira secular. O ar, impregnado pelo odor úmido e terroso do pântano próximo, não era dos mais agradáveis, mas para o casal, era o lar. Apesar das condições precárias, o interior da casa era limpo e organizado, um reflexo da honestidade e do cuidado que permeavam a vida dos Davis. Um pequeno fogão a lenha, quase tão velho quanto a casa, aquecia o ambiente com seu crepitar constante, e uma mesa de madeira rústica, com alguns pratos e talheres simples, compunha o cenário de suas refeições parcas, mas compartilhadas com amor.
O Sr. Davis, um homem alto de pele clara e cabelos escuros que emolduravam um rosto marcado por rugas finas, mas suaves, trabalhava como carpinteiro. Seus dedos, calejados pelo trabalho árduo, possuíam uma destreza surpreendente, capazes de transformar pedaços brutos de madeira em peças de arte funcional. Óculos redondos, de aros finos, emolduravam seus olhos castanho-escuros, que brilhavam com uma inteligência serena e um olhar compassivo. Um sorriso fácil e genuíno, que revelava dentes levemente amarelados pelo tempo e pelo fumo de seu cachimbo ocasional, irradiava bondade e gentileza, capaz de acalmar qualquer coração aflito. Sua postura, embora curvada pelo peso dos anos e do trabalho, emanava dignidade e respeito, refletindo a honestidade e a integridade que o caracterizavam. Ele era um homem simples, mas sua presença impunha uma sensação de conforto e segurança, como a sombra reconfortante de uma velha árvore em um dia de sol escaldante.
Já a Sra. Davis, magra e ágil como um gato, possuía uma cabeleira ruivíssima que caía em ondas suaves, dois dedos abaixo dos ombros. Seus dedos longos e finos, ágeis como bailarinas, moviam-se com uma destreza incrível sobre a agulha e a linha, criando peças de vestuário de uma beleza e qualidade incomparáveis na região. Sua honestidade era tão inabalável quanto sua habilidade, e a reputação de melhor costureira da redondeza a precedia. Apesar do trabalho árduo, seu rosto mantinha uma expressão serena e gentil, emoldurada por sardas que salpicavam suas bochechas como estrelas em um céu noturno. Seus olhos, um azul profundo e penetrante, refletiam a força e a resiliência de seu espírito. Junto ao Sr. Davis, formavam um casal unido pelo amor e pela dedicação mútua. E completando a família, estava Jasper, seu filho, uma criança adorável, de sorriso fácil e olhar calmo, cuja beleza serena era um reflexo do amor que o cercava. Sua presença trazia uma alegria silenciosa à humilde casa, um contraste suave com a precariedade do lar, mas um testemunho do calor e da felicidade que ali floresciam.
Apesar do amor que os unia e da alegria que Jasper trazia, a felicidade dos Davis era constantemente ameaçada por um peso avassalador: as dívidas. O dinheiro, escasso a ponto de mal suprir as necessidades básicas, era um fantasma que assombrava seus dias e suas noites. Quase diariamente, um cobrador diferente batia à sua porta, seus rostos implacáveis e palavras ameaçadoras ecoando na pequena casa. A Sra. Davis, cujo nome completo era Vânia, sentia um medo profundo e constante, um nó na garganta que a sufocava a cada batida insistente. O medo não era apenas pela perda da casa, seu único bem material, mas principalmente pelo que poderiam fazer a Jasper, seu filho precioso. A origem das dívidas era um fardo cruel, uma herança amarga deixada pela família de Vânia, que se afogara em um mar de débitos, deixando-a como única responsável por saldá-los. Os Davis, encurralados pela situação, se viam perdidos em um labirinto de desesperança, sem saber como honrar as dívidas que os esmagavam. A situação se tornava ainda mais misteriosa com o sumiço repentino da família de Vânia. Não houve um adeus, apenas o vazio. Seus pertences, alguns poucos e humildes, desapareceram sem deixar rastros, como se a terra os tivesse engolido. Nenhuma carta, nenhum recado, apenas o silêncio pesado e a sombra da incerteza pairando sobre o mistério do desaparecimento, adicionando ainda mais terror à já angustiante realidade dos Davis. A atmosfera era carregada de um mistério sinistro, como se um véu escuro tivesse caído sobre a pequena casa, misturando-se à umidade do pântano e ao medo constante que habitava o coração de Vânia.
Era uma segunda-feira cinzenta, o tipo de dia que prometia chuva e problemas. O Sr. Davis, Rony, preparava-se para mais um dia de trabalho árduo, quando ouviu uma batida hesitante em sua porta. Ao abri-la, deparou-se com uma figura feminina que lhe pareceu imediatamente estranha. A mulher possuía traços delicados, quase etéreos, mas seus olhos, de um verde incomum e brilhante, emanavam uma estranha intensidade. Seu vestido, de um tecido que Rony não conseguia identificar, parecia antigo e desbotado, mas de uma elegância singular. Antes mesmo que Rony pudesse formular uma pergunta, antes mesmo que pudesse articular um "Bom dia" ou um "Posso ajudá-la?", a mulher, com uma agilidade surpreendente para alguém de sua aparente idade, já se encontrava dentro de sua casa. Seus olhos, rápidos e perspicazes, percorreram o interior modesto e precário, pousando em cada detalhe, cada rachadura na parede, cada tábua rangente. E então, com um suspiro quase imperceptível, ela murmurou, em tom baixo e enigmático:
— Essa madeira... Está tão próxima do fim quanto vocês.
A observação, desnecessária e inquietante, pairou no ar como uma ameaça silenciosa, deixando Rony paralisado, o medo gelando-lhe o sangue nas veias. A mulher, sem dar mais explicações, permaneceu em silêncio, observando-o com aqueles olhos verdes penetrantes, como se lesse seus pensamentos mais profundos.
A mulher, ignorando o espanto evidente no rosto de Rony, continuou sua inspeção implacável da casa. Com um gesto quase teatral, ela apontou sua bengala, de madeira escura e polida, para uma mesinha frágil posicionada ao lado de um sofá surrado. Sobre a mesinha, alguns livros antigos e desgastados pareciam prestes a desabar sob o peso dos anos.
— Isso aqui pode cair a qualquer momento, não acha? — Ela comentou, sua voz carregada de um tom que não era exatamente sarcástico, mas sim profundamente irônico, como se a precariedade da casa fosse uma piada cruel. A bengala tocou levemente a superfície da mesinha, que rangeu em protesto. A paciência da mulher, aparentemente infinita até então, começou a se esgotar. Um leve tremor percorreu seu corpo, e seus olhos verdes brilharam com uma intensidade ainda maior.
— Vânia?
ela perguntou, desta vez com uma firmeza que não deixava espaço para dúvidas. A pergunta não era um pedido educado, mas sim uma exigência, um comando velado que deixava claro que a mulher não tinha tempo a perder. A atmosfera da casa tornou-se ainda mais carregada, o silêncio pesado e expectante, interrompido apenas pelo rangido da velha casa. Rony, petrificado pelo medo e pela estranheza da situação, sentia que algo de extraordinário estava prestes a acontecer.
— E Vânia, onde está? — A mulher repetiu, sua voz agora mais incisiva, cortando o silêncio como uma lâmina afiada. A pergunta era direta, sem rodeios, revelando uma pressa crescente e uma certa impaciência. Rony, ainda atordoado pela entrada inesperada da mulher e por suas observações enigmáticas, tentou responder com a melhor educação possível, mesmo sentindo um frio na espinha.
— Ah, é claro, deve ser uma cliente de Vânia... — Ele gaguejou, tentando parecer natural, apesar da crescente sensação de desconforto. — Engraçado, eu nunca vi a senhora por aqui. — A tentativa de disfarçar sua inquietação foi, no entanto, ineficaz. A mulher sorriu, um sorriso fino e misterioso que não alcançava seus olhos penetrantes.
— É claro que sim, sou uma cliente, mas se você me conhece ou não, isso não é problema meu. — A resposta foi seca, quase rude, confirmando a impressão de que a mulher não estava ali para uma visita social. Seus olhos verdes, fixos em Rony, pareciam avaliar sua honestidade, procurando por qualquer sinal de mentira ou hesitação. A tensão aumentou, o ar ficou mais denso, carregado de uma expectativa que prometia uma reviravolta iminente na tranquila rotina da família Davis.
Enquanto Rony saía para chamar Vânia, a mulher permaneceu na sala, seus olhos verdes examinando cada canto, cada detalhe da casa com uma atenção quase obsessiva. Sua avaliação inicial se confirmou: a estrutura era precária, as tábuas apodrecidas, a umidade se infiltrando por todos os lados. A casa, na verdade, parecia prestes a desabar a qualquer momento. A inquietação da mulher cresceu. Como uma família se estabelece em um lugar assim? Como uma criança poderia ser criada em meio a tanta precariedade? A curiosidade, mais forte que qualquer regra de educação ou etiqueta social, a impulsionou a explorar a casa com mais profundidade. Ela percorreu os cômodos com passos silenciosos e ágeis, observando cada objeto, cada detalhe, como se estivesse decifrando um enigma. A casa, pequena e humilde, revelava a história de uma vida simples, mas repleta de amor e luta. A mulher subiria as escadas se necessário, mas a sorte, ou talvez o destino, a guiou para um quarto aconchegante, onde uma cena comovente a esperava. Ali, em um berço simples, um bebê dormia profundamente, seu rosto sereno e angelical, imerso em sonhos tranquilos e puros. Era uma visão de beleza e inocência que a conquistou instantaneamente. A mulher, até então implacável em sua busca por Vânia, sentiu seu coração amolecer. O amor à primeira vista, não por um homem, mas por uma criança, invadiu seu ser, e ela se aproximou lentamente do berço, seus passos suaves como o cair de pétalas de flor.
— Você é lindo... — Sussurrou a mulher, aproximando-se ainda mais do berço. Seus dedos, longos e delicados, pairaram a centímetros do rosto sereno do bebê, quase tocando-o com um carinho reverente. — É um dos bebês mais lindos que já conheci, e mesmo dormindo fez com que eu me apaixonasse por você... — Ela continuou, sua voz carregada de uma emoção genuína e inesperada. A frieza e a impaciência que a caracterizavam até então haviam desaparecido, substituídas por um afeto profundo e terno — Acredito eu que tenho um presente para você... — Ela murmurou, seus olhos verdes brilhando com uma luz mágica e misteriosa — Vou lhe abençoar... — Disse ela, sua voz ganhando um tom solene e quase ritualístico — Eu, Lupin de Aramat, vos abençoo com amor, humildade, lealdade, e quan... — Mas a frase ficou incompleta, interrompida pela chegada iminente de alguém, interrompendo o momento mágico, deixando a mulher em suspenso, a benção inacabada pairando no ar, como uma promessa a ser cumprida em um futuro incerto.
— O quê você está fazendo? — Perguntou Vânia, sua voz carregada de pavor e surpresa ao encontrar Lupin com as mãos estendidas em direção a Jasper, que dormia serenamente no berço. O medo refletia-se em seus olhos, enquanto ela se aproximava cautelosamente, protetora, pronta para defender seu filho. Lupin, sem se mostrar intimidada, respondeu com calma, quase com indiferença:
— Eu estou dando a ele apenas um presente — A resposta, porém, não acalmou Vânia, nem Rony, que se posicionou ao lado da esposa, seu rosto expressando uma mistura de medo e raiva — Fique longe do nosso filho — ordenou Rony, sua voz firme, apesar do tremor que denunciava seu medo. Vânia, ecoando o sentimento do marido, insistiu:
— O que você quer com ele? — A pergunta era incisiva, exigindo uma resposta clara e direta, sem rodeios. Lupin, mantendo a serenidade quase irritante, respondeu:
— Não precisa se preocupar, eu não vou fazer nada de mal com ele — A afirmação, porém, soou mais como uma promessa vaga do que uma garantia verdadeira, deixando Vânia e Rony ainda mais apreensivos.
Com um movimento rápido e inesperado, Lupin pegou Jasper no colo. Rony e Vânia, já assustados, sentiram o medo se intensificar exponencialmente. O bebê, até então dormindo serenamente, despertou com o movimento, mas não chorou, observando a mulher estranha com uma curiosidade inocente. Lupin, percebendo a apreensão do casal, começou a explicar o real motivo de sua visita, sua voz calma contrastando com a crescente angústia de Rony e Vânia. Ela contou sobre sua origem, sobre um mundo distante e em dificuldades, descrevendo tempos sombrios e incertos que estavam vivendo em sua terra natal. Falou da descrença inicial, da dificuldade de aceitar a realidade cruel que se impunha, da necessidade de agir antes que fosse tarde demais. Mas suas palavras, apesar da sinceridade aparente, não encontravam eco nos corações de Rony e Vânia. Para eles, Lupin era uma estranha, uma figura enigmática que havia surgido do nada em sua humilde casa, carregando consigo um mistério que os deixava desconfortáveis e apavorados. A confiança não existia, e a descrença era uma muralha intransponível entre eles e a mulher que segurava seu filho nos braços. O que realmente importava naquele momento era a segurança de Jasper, a proteção do seu bem mais precioso, que estava nas mãos de alguém desconhecido, alguém que, apesar de suas explicações, permanecia uma figura enigmática e ameaçadora. A tensão era palpável, o medo se instalara profundamente em seus corações, misturando-se à incerteza e à desconfiança.
— Eu estou à procura de um lugar seguro, e vocês foram escolhidos para isso — Disse Lupin, sua voz firme e convicta, apesar da incredulidade evidente nos rostos de Rony e Vânia — Eu fiquei dias observando vocês e sei que vocês farão muito bem isso... Vocês vão ajudar a princesa de Aramat! — Ela completou, sua declaração ainda mais fantasiosa e inacreditável. A menção à "princesa de Aramat" soou como o toque final em uma história de ficção, um elemento surreal que reforçava a incredulidade de Vânia, que, impaciente e desesperada, interrompeu Lupin.
— Calma, você acha que vamos acreditar nessa loucura toda? Será que você pode devolver nosso filho? — Ela disse, sua voz carregada de uma mistura de medo, raiva e incredulidade. A pergunta era direta, sem rodeios, revelando a prioridade absoluta do casal: a segurança de Jasper. A confiança em Lupin era zero, e a situação, longe de se resolver, se tornava ainda mais tensa e incerta. A casa humilde, já precária, parecia se tornar ainda menor sob o peso daquela situação absurda e ameaçadora.
— Eu sei que tudo isso parece mentira e é bizarro, mas por favor, eu preciso... — Lupin implorou, sua voz carregada de desespero. — Na verdade, nós de Aramat precisamos de vocês... Rony, por favor, você sabe que isso não é mentira, é só se permitir sentir... Você acreditou por tanto tempo, e eu acredito que não vai deixar alguém na mão — Ela continuou, tentando apelar para a compaixão e para a empatia de Rony. A insistência de Lupin, porém, apenas reforçava a desconfiança do casal. Rony, confuso e perturbado, respondeu com firmeza:
— Eu não sei do que você está falando — A resposta, porém, não convenceu Lupin, que insistiu:
— Sabe, você sabe sim — A insistência da mulher, a menção a algo que Rony aparentemente conhecia, mas não conseguia ou não queria admitir, aumentou a confusão e a tensão no ambiente.
Vânia, desesperada e sem entender nada, questionou o marido:
— Rony, do que ela está falando?
A resposta de Rony foi imediata e categórica:
— Eu Não sei, essa mulher é doida. — A declaração, apesar de expressar a incredulidade e o medo do casal, não encerrava a questão. O mistério permanecia, a tensão se intensificava, e a situação se tornava cada vez mais complexa e imprevisível.
— Rony Davis! Você dizia quando criança que nunca deixaria de acreditar que existiam outros mundos, e sempre que você falava isso seus olhos brilhavam — Lupin disse, sua voz suave, mas firme, quebrando a barreira de descrença que separava os dois mundos — Não permita ser enganado por seu medo, que ainda te atormenta — Ela completou, sua fala carregada de uma compreensão profunda da alma de Rony, revelando um conhecimento que transcendia o simples encontro casual. Com um gesto delicado, Lupin entregou Jasper para Vânia, que o recebeu com um misto de medo e surpresa, ainda sem conseguir processar a situação surreal que se desenrolava diante de seus olhos. O olhar de Lupin, penetrante e intenso, encontrou o de Vânia, transmitindo uma mensagem silenciosa, uma conexão que transcendia as palavras. Em seguida, Lupin aproximou-se de Rony, colocando sua mão suavemente em seu rosto. Um sussurro quase inaudível ecoou em seu ouvido, uma mensagem secreta que só ele poderia entender. O nervosismo de Rony era palpável, a transpiração fria escorrendo por sua testa, mas nada conseguiu ofuscar as lágrimas que, inesperadamente, começaram a rolar por seu rosto, um sinal de que a barreira da descrença estava se rompendo, dando lugar a uma emoção profunda e incontrolável. O momento era carregado de significado, um ponto de inflexão na história da família Davis, que se via à beira de uma realidade fantástica e desconhecida.
O toque de Lupin em Rony pareceu despertar algo adormecido em sua alma, uma memória, uma crença, um sentimento que ele havia enterrado profundamente dentro de si. Em um instante, a descrença deu lugar à aceitação, a dúvida à certeza. Como num passe de mágica, Rony concordou com tudo o que Lupin havia dito, aceitando a missão de ajudar a "princesa de Aramat". A transformação foi tão repentina e completa que deixou Vânia atônita. Ela observava o marido, tentando compreender o que havia acontecido, o que aquela mulher havia feito para provocar tamanha mudança de comportamento. A rapidez da decisão de Rony, a facilidade com que ele abraçara uma realidade tão fantasiosa, era inexplicável. O que Lupin tinha feito? Que poder ela exercia sobre Rony? Que influência tão profunda ela tinha sobre ele? Milhares de perguntas invadiram a mente de Vânia, mas ela preferiu silenciar. Conhecia Rony muito bem, sabia que qualquer questionamento naquele momento seria em vão. Ele não responderia, não explicaria. A mudança era profunda, visceral, e Vânia, apesar da perplexidade, decidiu confiar em seu marido, esperando que o tempo, e talvez as próprias ações de Lupin, revelassem o mistério que envolvia aquela mulher enigmática e a extraordinária jornada que se iniciava.
Lupin, percebendo a hesitação ainda presente nos olhos de Rony e Vânia, apesar da concordância formal, reforçou a garantia de recompensa pela ajuda prestada. Suas palavras foram cuidadosamente escolhidas, pintando um futuro promissor, um futuro que prometia solucionar as dificuldades financeiras e as incertezas que assombravam o casal. A promessa de uma nova morada, um lar estável e seguro para Jasper, foi o argumento decisivo. A necessidade era premente, a precariedade da casa atual era inegável, e a perspectiva de um futuro melhor, garantida por Lupin, pesou mais que qualquer dúvida ou receio. Rony e Vânia, apesar do estranhamento e da descrença persistente, aceitaram a proposta. A sobrevivência, a segurança do filho, eram prioridades inegociáveis. A promessa de recompensa, aliada à necessidade premente de uma nova moradia, selou o acordo. O desconhecido, com todos os seus perigos e incertezas, tornava-se a única opção viável.
Quatro anos se passaram desde a partida de Lupin.
— Olá, alguém em casa? — Uma voz suave, mas inconfundível, ecoou pela casa.
— Eu conheço essa voz! — Exclamou Vânia, um misto de surpresa e apreensão na voz. O coração acelerou, a memória daquela jornada fantástica retornando com força.
Rony, igualmente assustado, compartilhava a mesma sensação. Nem sequer precisaram abrir a porta. Em um piscar de olhos, Lupin estava dentro da casa, como se tivesse atravessado as paredes, materializando-se diante deles com uma destreza sobrenatural. Um sorriso travesso, quase infantil, surgiu em seus lábios, enquanto ela observava o espanto estampado nos rostos do casal. Uma série de gargalhadas ecoou pela sala, quebrando o silêncio.
— Ah, não sejam modestos, vocês já me viram antes... — Lupin disse, um sorriso divertido brincando em seus lábios.
— Mas antes eu havia aberto a porta! — Retrucou Rony, lembrando-se da primeira vez que encontraram Lupin, a tensão daquela ocasião ainda presente em sua memória.
— Ok, eu só vim fazer uma visitinha para os meus amigos, não gostaram? —, Lupin perguntou, o sarcasmo evidente em sua voz, enquanto observava a reação de Rony e Vânia.
— Da última vez não foi muito agradável... — Respondeu Vânia, sem esconder a sua reserva, a lembrança daquela situação tensa e confusa ainda viva em sua mente.
— Eu sei, posso imaginar... — Lupin concordou, mantendo o tom divertido, porém com um toque de sinceridade — Mas pense bem, da última vez, não vim como amiga, mas sim como cliente.
— Já faz quatro anos! Sabia? — Exclamou Vânia, surpresa com a rapidez do tempo e a lembrança vívida daquela experiência transformadora.
— Eu sei, mas eu voltei e espero que vocês estejam preparados — Respondeu Lupin, sua voz carregada de uma expectativa que deixava o ar tenso.
— Eu dei minha palavra e eu não vou voltar atrás — Rony afirmou com firmeza, reafirmando seu compromisso assumido anos atrás, mesmo com a incerteza que pairava no ar.
— Assim espero... — Lupin murmurou, um brilho misterioso em seus olhos. Com um gesto teatral, Lupin tocou sua bengala no chão, fazendo faíscas saltarem do ponto de contato.
Vânia ficou impressionada, sua incredulidade evidente, enquanto observava o acontecimento sobrenatural. Como aquilo era possível? Rony, embora "acostumado" às peculiaridades de Lupin, ainda sentia um arrepio de desconforto e incerteza.
— Eu não queria me meter em confusões... — Ele murmurou, expressando o medo latente que ainda o acompanhava.
— Você não precisa se preocupar — Lupin o tranquilizou, porém com um ar misterioso — Eu preciso ir e os verei em breve — Ela disse, sua voz ficando mais distante, como se estivesse se desligando da realidade. Antes que Rony e Vânia pudessem questionar, Lupin desapareceu em uma nuvem de fumaça azul, como se tivesse sido sugada para dentro de um portal invisível.
O silêncio que se seguiu foi quebrado por uma batida na porta, os dois se entreolharam, surpresos. Rony, cauteloso, aproximou-se da porta, abrindo-a lentamente. E lá estava ela, a nova moradora.
Rony olha para Vânia e ambos estavam espantados… A menina diz com uma voz suave e doce
— Meu nome é Sofia… E eu sou de Aramat.— Vânia pede para a menina entregar e lhe faz, algumas perguntas.
— Oi, eu me chamo Vânia
— Oi, tia Vânia.— Vânia dá um leve sorriso.
— Sofia, Você estava com fome? Estás cansada? Ou algo do tipo?
Sofia não diz nada a não ser dar uma carta para Vânia e de repente, estranhamente começar a chover, o céu escureceu e lá fora as flores morreram. Rony pede para Sofia sentar no sofá e esperar, pois já iria falar com ela, os dois começam a ler a carta que dizia o seguinte:
As palavras na carta, escritas em uma caligrafia elegante e firme, pareciam dançar sobre o pergaminho negro como se estivessem escritas com tinta viva. A tinta de prata, quase translúcida, brilhava sob a luz fraca da lamparina, revelando um leve brilho mágico.
"Querido Sr. e Sra. Devis," as palavras iniciais, escritas com uma leve inclinação, pareciam sussurrar um pedido gentil, mas a urgência da situação se tornava evidente nas palavras seguintes: "Espero que esta carta os encontre bem. Escrevo-lhes com um pedido de favor urgente."
A cada palavra, a raiva da Rainha Diana se tornava mais evidente. "Há quatro anos, uma mulher chamada Lupin visitou a humilde casa de vocês, como me foi descrito." A frase, escrita com uma ênfase especial em "humilde", parecia acusar os destinatários de não serem dignos da missão que lhes foi confiada.
"Talvez vocês se perguntem por que foram escolhidos para esta missão, e imagino que Lupin já tenha mencionado algo a respeito." As palavras, escritas com uma leve ironia, pareciam questionar a capacidade dos destinatários de compreender a gravidade da situação.
"No entanto, a situação se tornou ainda mais grave, pois o Rei foi assassinado e estamos todos em desespero." A frase, escrita com uma força brutal, parecia ecoar o grito de dor da Rainha Diana.
"Nossa prioridade agora é proteger Sofia deste caos crescente." As palavras, escritas com uma determinação inabalável, revelavam a importância da missão que os destinatários receberam.
"Há alguns anos, o Rei pediu a Lupin que encontrasse um local seguro, e ela mencionou ter encontrado vocês, que se comprometeram a nos ajudar." A frase, escrita com uma leve esperança, parecia confiar na promessa que os destinatários fizeram.
"Inicialmente, relutei em permitir que Sofia partisse, mas diante da atual situação, não posso arriscar a segurança dela." As palavras, escritas com um tom de desespero, revelavam a angústia da Rainha Diana.
"Agradeço imensamente por estarem dispostos a auxiliar-nos nesse momento crucial." A frase, escrita com uma gratidão genuína, parecia reconhecer a importância do sacrifício que os destinatários estavam prestes a fazer.
"Serei eternamente grata a vocês e farei questão de recompensá-los generosamente por sua ajuda." As palavras finais, escritas com uma promessa firme, pareciam selar o acordo entre a Rainha Diana e os destinatários.
A carta, apesar de escrita com tinta de prata, parecia manchada por um tom avermelhado, quase imperceptível, mas que, sob a luz da lamparina, se tornava mais evidente. Uma aura de mistério e perigo emanava do pergaminho, como se ele carregasse em si o peso da tragédia e da esperança que a Rainha Diana depositava em seus destinatários.
Rony e Vânia, depois de lerem a carta, se entreolharam, seus rostos refletiam um misto de espanto, apreensão e, acima de tudo, compaixão. A história contada pela Rainha Diana, por mais fantasiosa que parecesse, despertou algo profundo dentro deles.
A imagem da menina Sofia, frágil e assustada, sentada no sofá, os fez se lembrar de suas próprias infâncias, de momentos em que a segurança e o amor eram tudo o que importavam. A carta, com sua aura mágica e a tinta que parecia pulsar com vida, reforçava a sensação de que algo extraordinário estava acontecendo, algo que os colocava em uma encruzilhada.
Os dias se transformaram em semanas, e a casa de Rony e Vânia se encheu de risadas e brincadeiras. Jasper e Sofia, com seus espíritos inquietos e corações generosos, formavam um laço inquebrável que florescia a cada dia. As tardes eram preenchidas com histórias inventadas, jogos imaginativos e a mágica simplicidade da infância.
Rony e Vânia, observando a conexão especial entre as crianças, se sentiam gratos por terem acolhido Sofia em suas vidas. Mesmo sabendo que ela não era uma Devis por nascimento, isso nunca foi um obstáculo. O que importava era o amor e a união que se formaram entre eles. A casa, agora, era um lar vibrante, onde os laços de família eram definidos não apenas por sangue, mas por escolha e afeto.
Sofia e Jasper, em um momento de pura camaradagem, se sentaram no quintal, cercados por flores que, após a chuva que havia murchado as pétalas, agora renasciam em cores vibrantes. Com olhares sérios e sussurros, fizeram um pacto: "Prometemos que nossa amizade durará para sempre, até o fim."
Com as mãos unidas, eles selaram o compromisso, uma promessa que ecoava a força de suas infâncias e a magia que os cercava. A conexão deles era tão forte que nem as dificuldades do mundo exterior poderiam abalar. Sofia protegia Jasper com a bravura de uma irmã mais velha, enquanto ele a defendia com um zelo feroz, como um verdadeiro irmão.
Enquanto as estrelas começavam a brilhar no céu noturno, Rony e Vânia observavam a cena, sentindo que haviam feito a escolha certa ao abrir suas portas e corações para Sofia. A vida estava cheia de incertezas, mas ali, naquela pequena família, havia um vínculo que transcendia o tempo e as circunstâncias, uma magia que os unia e que prometia durar para sempre.
Rony, com um sorriso gentil no rosto, olhou para Jasper e Sofia, que o encaravam com curiosidade. Sua voz, calma e suave, ecoou:
— Sabem, crianças, amizade é uma predisposição recíproca que torna dois seres igualmente sócios da felicidade um do outro.
Jasper franziu a testa, confuso.
— Não entendi, o que isso quer dizer, pai?
Sofia, com a mesma expressão pensativa, concordou:
— É tio, também não entendi.
Rony sorriu, com um brilho de ternura em seus olhos.
— Vocês vão entender. Com o tempo, vocês vão perceber o que significa compartilhar alegrias e tristezas, apoiar um ao outro, e encontrar conforto na companhia um do outro. É algo especial, uma ligação que vem do coração.
Ele se lembrou do dia em que Jasper e Sofia, com os rostos pintados de terra e os cabelos emaranhados, haviam marcado a árvore com suas iniciais entrelaçadas.
Para Rony e Vânia, aquela árvore, com suas iniciais gravadas na casca rugosa, era mais do que uma simples lembrança. Era um símbolo, um testemunho silencioso do vínculo inquebrável que se formava entre as crianças, um presente de Deus, como eles sempre haviam dito. Era o marco de uma amizade que transcendia a compreensão infantil, uma amizade que eles agora observavam florescer com admiração e gratidão. Aquele gesto simples, feito na inocência da infância, havia se tornado um elo poderoso, um presente de Deus que enriquecera suas vidas de uma forma que jamais imaginaram.
O aroma intenso do café recém-coado pairava no ar da cozinha, misturando-se ao perfume adocicado das flores no vaso próximo à janela. Vânia, concentrada em despejar o líquido escuro nas xícaras, sentiu braços fortes a envolverem por trás. Um abraço aconchegante e familiar a fez sorrir.
— Bom dia, dorminhoco. — Murmurou ela, virando-se ligeiramente para encontrar os olhos de Jasper — Por que tanta alegria hoje?
Ele respondeu com um sorriso radiante:
— Estou sentindo que o dia promete grandes coisas... E espero que sejam boas.
Uma pausa, e então Vânia acrescentou:
— Bom, então eu acho que você começou do jeito certo.
Jasper a soltou e ela voltou à tarefa, respondendo à pergunta seguinte:
— Sim, mãe, sabe onde está Sofia?
— Ela deve estar no lago. Você vai atrás dela?"
— Sim.
— Bom, então não demore muito.
Raios de sol filtravam-se pelas folhas, pintando o bosque com manchas de luz e sombra enquanto Jasper caminhava pelo caminho conhecido. O ar fresco carregava o aroma de terra úmida e pinho, um perfume familiar que, no entanto, hoje parecia carregado de uma melancolia sutil. Ao se aproximar da árvore centenária, com as iniciais J e S, entalhadas no tronco áspero, ele a avistou sentada, uma figura solitária imersa em sua tristeza. Os ombros curvados, a cabeça baixa, o cabelo escuro caindo como um véu sobre o seu rosto. Mesmo à distância, a expressão em seu rosto era um retrato de melancolia profunda. Jasper aproximou-se cautelosamente, a grama macia silenciando seus passos, o som apenas de seus próprios batimentos cardíacos quebrando o silêncio do bosque.
— Olá — Disse ele, sua voz suave, quase um sussurro, quebrando a quietude — Será que tenho horário reservado para mim nesses pensamentos?
A brincadeira era um delicado fio de esperança, lançada para tentar romper a névoa da tristeza que envolvia Sofia, um gesto de carinho em meio à sombra. Um pequeno pássaro saltou de um ramo acima, como se respondesse ao silêncio quebrado, e voou para longe.
Sofia ergueu o olhar, seus olhos marejados até aquele momento, encontrando os de Jasper. O reconhecimento a invadiu como um raio de sol rompendo as nuvens de chumbo que a haviam envolvido, e um sorriso lento, hesitante a princípio, floresceu em seu rosto, varrendo a tristeza como o vento varre as folhas secas de outono. Era um sorriso que começava nos cantos dos olhos, um brilho que irradiava de dentro para fora, transformando completamente sua expressão.
— Jasper! — Exclamou ela, a alegria em sua voz tão inesperada quanto radiante, como uma melodia que rompia o silêncio quase doloroso do bosque.
As palavras pareciam vibrar com uma energia renovada, uma explosão de alívio e contentamento. Jasper aproximou-se, a preocupação genuína pintando suas feições em tons suaves, mas profundos. Ele parou a alguns passos, observando a transformação em seu rosto, sentindo o alívio misturar-se à sua preocupação.
— Como você está? — Perguntou ele, sua voz suave e atenciosa, carregada de um carinho que transparecia em cada sílaba — Só não tenta mentir para mim — Acrescentou, um sorriso leve e compreensivo em seus lábios, demonstrando a familiaridade e a intimidade profunda que compartilhavam, uma conexão que ia além das palavras.
— Eu te conheço muito bem.
A última frase foi dita com uma ternura que sugeria que ele entendia a complexidade das emoções de Sofia, e que estava ali para apoiá-la, seja qual fosse a verdade.
O sorriso que tentou florescer nos lábios de Sofia foi efêmero, um brilho fugaz que se apagou rapidamente, deixando para trás o reflexo da tristeza em seus olhos. Enquanto olhava para Jasper, um sorriso triste, quase imperceptível, se formou, mas logo seus olhos se encheram de lágrimas, cristalinas e brilhantes como gotas de orvalho matinal. Um soluço silencioso escapou, quebrando o silêncio do bosque, um som quase imperceptível que, no entanto, carregava um peso imenso de emoções reprimidas. As lágrimas escorriam por suas faces, como um rio de dor contida, deixando um rastro brilhante na pele. A voz embargada, quase um sussurro, quebrou o silêncio do bosque, um fio delicado que conectava a fragilidade de Sofia à profunda compreensão de Jasper.
— Não acordei bem hoje, Jasper — Ela confessou, as palavras carregadas de um peso que transparecia em cada sílaba, em cada tremor de sua voz — Minha mente está sobrecarregada, um turbilhão de preocupações que me sufocam... precisava de ar fresco, precisava fugir daquele turbilhão, precisava clarear meus pensamentos.
A sinceridade em suas palavras era palpável, uma confissão íntima que revelava a vulnerabilidade de sua alma. Jasper, sentindo a fragilidade em sua voz, a dor profunda em seus olhos, moveu-se com uma gentileza quase sagrada, sentando-se ao seu lado na macia grama, o aroma fresco da terra úmida se misturando ao perfume das flores. Seu olhar era um mar de compreensão, um refúgio seguro em meio à tempestade emocional de Sofia, um porto calmo em meio à agitação de sua alma. Ele ofereceu seu ombro, não com um gesto brusco, mas com a delicadeza de quem cuida de algo precioso, um gesto silencioso de apoio e conforto. Juntos, permaneceram ali, sob a sombra protetora da velha árvore, as folhas sussurrando ao vento, o silêncio entre eles preenchido pela empatia silenciosa e pelo conforto reconfortante do contato, um bálsamo para as suas almas feridas. O ar fresco do bosque, que antes parecia carregado de angústia, agora oferecia um respiro de tranquilidade.
— Eu senti isso desde o momento em que acordei, uma sensação inefável de que este dia seria diferente, especial, um dia marcado por uma energia singular — Jasper disse, sua voz suave como o sussurro do vento nas folhas, carregada de uma ternura que transparecia em cada sílaba. Ele observava Sofia atentamente, seus olhos escuros e expressivos refletindo o brilho do sol que filtrava entre as folhas, um brilho que não era apenas externo, mas emanava de dentro dela, um reflexo da gratidão e do afeto que a inundavam. Era um brilho que iluminava seu rosto, suavizando as marcas da tristeza que ainda persistiam, mas que agora se diluíam em meio à felicidade que a envolvia. Era um brilho que vinha de dentro, um reflexo da gratidão e do afeto que emanava dela, um testemunho da força de sua alma.
— Jasper — Ela sussurrou, as palavras carregadas de emoção, de uma gratidão tão profunda que parecia transbordar, quase palpável no ar — Você é a pessoa que traz conforto para a minha alma, um bálsamo para as minhas feridas. Sua presença sempre traz luz aos meus dias, mesmo nos momentos mais difíceis, mesmo quando a escuridão parece me envolver por completo. É como se você tivesse o dom de acalmar a tempestade dentro de mim, de transformar a escuridão em luz, o caos em serenidade.
Um sorriso suave e genuíno tocou seus lábios, um sorriso que alcançava seus olhos, iluminando-os com uma gratidão sincera e profunda, um sorriso que refletia a verdadeira essência de seu coração. Era um sorriso que não era apenas um movimento físico, mas uma expressão autêntica de sua alma, uma manifestação da paz que sua presença lhe trazia.
Entre o sussurro do vento que balançava as folhas das árvores antigas e o canto melodioso dos pássaros no bosque, os olhos de Jasper e Sofia se encontraram. Um vínculo silencioso, tecido de cumplicidade, fortalecia a amizade que florescia na beleza serena da natureza, sob o sol da manhã que pintava o céu com tons de laranja e rosa.
Imersos em uma conversa animada, Jasper e Sofia perderam a noção do tempo. A realidade os atingiu somente quando Jasper se lembrou do café da manhã que o esperava em casa. A corrida de volta foi frenética, um contraste gritante com a calma que haviam desfrutado momentos antes. Chegando em casa, ofegantes, Sofia explicou à tia que a conversa havia distraído Jasper, fazendo-o esquecer completamente do aviso.
Jasper pediu mil desculpas pela distração, a culpa evidente em seus olhos. Sofia, tentando disfarçar um sorriso divertido, levou a mão à boca, mas a alegria em seus olhos a denunciava. O sorriso de Jasper espelhava o dela. Vânia, porém, interrompeu o momento de ternura, ordenando que os dois fossem lavar as mãos e se sentassem para o café. Obedientes, eles se juntaram à mesa, onde o amor, a felicidade e a paz reinavam naquele lar.
Enquanto Sofia tomava seu café, envolvida em conversas animadas, começou a sentir uma dor de cabeça lancinante, diferente de qualquer outra que já sentira. Era uma pressão intensa, como se seu cérebro estivesse sendo esmagado por dentro. Jasper, percebendo sua mudança de comportamento, perguntou preocupado:
— Sofia, você está bem?
Sofia teve um breve lampejo, uma imagem fugaz de uma figura sombria e ameaçadora. Não conseguia identificar quem era, mas a lembrança trouxe consigo um frio intenso, um medo visceral que a paralisou antes do grito. A dor de cabeça é real, mas é também um sintoma de algo mais profundo.
De repente, um grito agudo rasgou o ar, assustando todos ao redor. Sofia, o rosto contorcido pela dor e o terror, repetia desesperadamente:
— Me ajudem, me ajudem!
No momento do grito, uma estranha névoa escura se espalha brevemente pela casa, visível. Ron, próximo a Sofia, sente um arrepio inexplicável e uma sensação de opressão no peito. A névoa sugere uma presença sobrenatural, talvez algo que está influenciando a dor de cabeça de Sofia.
Jasper, em pânico, tenta ajudar Sofia, mas ela parece alheia à sua presença, focada apenas na dor e no terror. A névoa desaparece tão rápido quanto surgiu.
A casa normalmente perfumada pela manhã com o aroma de café recém-coado, agora estava pesado e metálico, carregado com o cheiro acre do medo. A xícara de porcelana de Sofia, tombada na mesa, estilhaçada, espelhava a fragilidade de seu corpo que tremia incontrolavelmente. Gotas escuras do líquido, como lágrimas derramadas. Um zumbido baixo, quase imperceptível, vibrava no ar, misturando-se à respiração ofegante de Sofia, que repetia em um sussurro rouco: "Me ajudem… me ajudem…"
Vânia, as mãos trêmulas e sem foco. Seus olhos, inchados e avermelhados, corriam de Sofia para Jasper. O tecido da camisa de Jasper, normalmente macio, agora parecia áspero e desconfortável contra sua pele. Ele apertava a mão de Sofia, os lábios comprimidos em uma linha fina, enquanto os músculos de seu rosto se contraíam em uma máscara de preocupação.
A voz de Rony, firme e rouca, cortou o momento de desespero:
— Jasper, vá para seu quarto — A palavra "quarto" ecoou, pequena e impotente, diante do turbilhão de emoções que dominava tudo ali. Jasper, sem tirar os olhos de Sofia, respondeu com a voz embargada:
— Não posso deixá-la sozinha, pai — A relutância em sua voz era palpável, como o suor que escorria pela sua testa.
Ele repetiu, com mais firmeza ainda:
— Jasper, vá para seu quarto. Agora! — O tom de comando, apesar da preocupação que brilhava em seus olhos, surpreendeu Jasper. Ele se viu forçado a obedecer, mas a relutância em seus passos hesitantes era uma evidência da angústia que o consumia. O silêncio que se seguiu foi ainda mais pesado, carregado de um medo silencioso.
Vânia interveio. A luz fraca da lâmpada a óleo lançava sombras longas sobre o rosto preocupado de Vânia, enquanto ela observava o filho, Jasper, agitado como uma folha ao vento. O ar estava denso, carregado pelo cheiro de café derramado. Sentindo-se perdida diante da situação, porém firme em sua sabedoria materna, Vânia dirigiu-se a Jasper com uma voz suave, mas firme, que cortava o silêncio como uma adaga:
— Jasper, meu filho, respire fundo. Sinto o tremor em suas mãos, vejo o medo em seus olhos. Mas você precisa manter a calma. Só assim, com a mente clara, você poderá ajudar Sofia da melhor forma. Confie em mim, confie em si mesmo. Ao se acalmar, encontrará a força que precisa para apoiá-la. Eu estou aqui.
As palavras tranquilizadoras de Vânia, embora carregadas de uma preocupação silenciosa que ela escondia atrás de uma máscara de serenidade, ecoaram no ambiente tenso, trazendo um breve momento de serenidade. Jasper, ainda preocupado com a palidez e agitação de Sofia, respirou fundo, sentindo o aperto no peito diminuir levemente. A imagem da garota o assombrava, misturando-se à culpa que o corroía. Ele tentou seguir as orientações de sua mãe, mas a imagem de Sofia o atormentava, e ele se perguntou se seria capaz de ajudá-la."
Enquanto os minutos se arrastavam como séculos, e a palidez de Sofia se tornava mais pronunciada, a urgência se instalou em Jasper como uma onda avassaladora. Seu coração batia forte contra as costelas, um tambor frenético anunciando a tempestade em seu interior. Ignorando a voz suave, mas firme, de seus pais que o chamavam do outro lado da porta, ele correu até Sofia, a imagem da amiga pálida e inerte o impulsionando como um motor. Ele agarrou a mão dela com uma força que surpreendeu a si mesmo, seus dedos se fechando em torno dos dedos finos e frágeis dela.
— Sofia, sou eu, Jasper — Sua voz saiu rouca, um sussurro carregado de emoção. — Escute a minha voz. Estou aqui, segurando sua mão, e não vou soltar. Eu fiz uma promessa, uma promessa sagrada de que estaria ao seu lado, não importa o que acontecesse, e vou cumpri-la. Lembre-se... Lembre-se do que nós dois prometemos... — A lembrança da promessa o confortava, enquanto ele lutava contra a onda de pânico que ameaçava o submergir.
Lá fora, o dia era uma explosão de cores. O sol lançava raios dourados sobre as árvores, pintando o céu de um azul intenso. O canto melodioso dos pardais, normalmente tão alegre, soava agora irônico, uma zombaria da angústia que o invadia. Ele se lembrou dos vestidos de Sofia, leves como a brisa da manhã, com cores tão vibrantes quanto as flores do jardim. Ele queria vê-la sorrir novamente, queria ouvir sua doce voz, tão suave quanto o sussurro do vento nas folhas. Queria vê-la bem, mais do que qualquer coisa no mundo. Mas o silêncio persistente de Sofia o deixava afundar cada vez mais na escuridão, em um mar de impotência e angústia.
Sofia, aos poucos, foi se acalmando. A tensão em seus músculos diminuiu, sua respiração se tornou mais regular, e um leve suspiro escapou de seus lábios antes que ela mergulhasse em um sono profundo. Jasper observou tudo, sentindo uma pontada de alívio, mas a imagem de sua mãe, com o rosto molhado pelas lágrimas, o atingiu como um golpe. Vânia chorava silenciosamente, soluços abafados que quebravam o silêncio da noite (a manhã já havia se tornado noite), lágrimas que falavam de uma impotência que o deixava perplexo. Não era apenas preocupação com Sofia; era algo mais profundo, algo que ele não conseguia decifrar.
Ele se aproximou do pai, cujo semblante pálido refletia a mesma angústia que ele via nos olhos da mãe. Observou, com um aperto no coração, seus pais se abraçarem em um abraço silencioso, repleto de uma tristeza que o invadia como uma onda gélida. Eles saíram, deixando-o sozinhos, imerso em um silêncio carregado de tensão. Uma sensação estranha, um pressentimento de algo ruim pairando no ar, como uma névoa densa e opressora, o envolveu. Era como se uma rachadura invisível estivesse se formando no alicerce da sua família, ameaçando desestruturar tudo o que ele conhecia.
Passou-se meia hora. Meia hora de silêncio tenso, quebrada apenas pelo tique-taque do relógio antigo na parede, um ritmo que parecia ecoar o bater frenético de seu próprio coração. Ele imaginou o que seus pais estariam conversando lá fora, sob o manto da noite. Qual segredo pesado os unia em um abraço tão carregado de tristeza? Quando eles voltaram, seus rostos continuavam sérios, mas uma estranha aura de decisão emanava deles, deixando Jasper ainda mais intrigado, e com a certeza de que algo estava prestes a mudar para sempre em suas vidas."
Rony aproximou-se com passos cautelosos, seus movimentos suaves e gentis como se temesse quebrar algo frágil. Com cuidado extremo, ele pegou Sofia no colo, seus dedos envolvendo-a com uma ternura que beirara a reverência. O peso dela em seus braços era familiar, mas também diferente, mais leve do que ele esperava. Ele a levou para seu quarto, seus passos lentos e medidos, como se estivesse conduzindo uma relíquia sagrada. Delicadamente, ele a colocou na cama, o tecido macio da colcha roçando levemente contra sua pele.
O quarto de Sofia era um reflexo de sua personalidade: uma mistura encantadora de organização e criatividade. Livros empilhados em uma estante, alguns abertos em páginas marcadas, brinquedos cuidadosamente arrumados em uma caixa, desenhos coloridos pendurados na parede.
Mas Rony não via apenas os objetos. Ele via a Sofia em cada detalhe, a menina que havia chegado pequena e meio tímida e agora, deitada em sua cama, parecia tão mais madura, tão mais... distante. Uma onda de apreensão, um misto de medo e nostalgia, percorreu seu corpo. Era uma sensação amarga, uma mistura de saudade do passado e temor pelo futuro.
Enquanto observava o quarto, as lembranças do passado invadiram sua mente como ondas implacáveis. Lembranças de momentos compartilhados, risadas, brincadeiras, conselhos. Mas entrelaçadas a essas lembranças estavam as dúvidas que o assombravam, como uma sombra sinistra que se esgueirava em seu coração. Ele sabia, lá no fundo, que algo estava errado, uma verdade incômoda que se recusava a ser ignorada. Uma verdade que ele relutava em encarar, um fardo pesado demais para ser carregado sozinho. Mas ali estava ele, ao lado de Sofia, pronto para protegê-la, para amortecer o impacto do que quer que estivesse por vir, mesmo que não soubesse exatamente o que era.
No dia seguinte, Sofia acordou sob uma fina camada de suor frio. Resquícios de um sonho perturbador, repleto de sombras e sussurros ameaçadores, ainda ecoavam em sua mente. Um pesadelo tão vívido que a deixou com uma sensação estranha de opressão no peito. Ao sair do quarto, ainda cambaleante e confusa, foi recebida por Jasper, que correu em sua direção com a preocupação estampada no rosto. Seus olhos, cheios de carinho, analisavam cada detalhe de sua expressão.
— Dormiu bem? — Ele perguntou com um tom suave, sua voz carregada de preocupação. — Quer que eu prepare algo para você comer? Quer se sentar? — Ele se abaixou, oferecendo-lhe o braço com um gesto gentil.
Antes que Sofia pudesse responder, Vânia apareceu na sala, seu sorriso leve quebrando a tensão que pairava no ar.
— Acho melhor perguntar se ela quer respirar primeiro, Jasper... — Ela brincou, com um toque de humor e compreensão. — Vamos deixar Sofia acordar completamente antes de bombardeá-la com perguntas.
Sofia, ainda sonolenta, passou a mão pelos cabelos enrolados que estavam molhados de suor, a confusão pairando em seus olhos castanhos claros.
— Eu... Eu dormi por quanto tempo? (Na verdade ela havia ficado inconsciente, mas para Sofia tudo não passou de um sono um pouco logo) — Ela perguntou, sua voz fraca.
Jasper hesitou por um instante, seu olhar talvez de compaixão, talvez de culpa, pousando sobre ela.
— Dois dias consecutivos, Sofia. — respondeu ele, a gravidade da situação pairando entre eles, apesar do tom leve de Vânia. A expressão em seu rosto era um misto de preocupação e culpa; seus olhos, geralmente brilhantes e cheios de vida, estavam agora carregados de uma tristeza profunda, como se ele carregasse o peso do tempo perdido e do sofrimento silencioso que Sofia havia atravessado. A dimensão daquela afirmação pesava no ar, como uma névoa densa que obscurecia a leveza do humor de Vânia.
Um choque percorreu o corpo de Sofia. A informação atingiu-a como um golpe, deixando-a tonta e fraca. Ela sentiu uma onda de náusea a invadir, e teve que se apoiar em Jasper para não cair. Seus olhos, arregalados, refletiam uma mistura de surpresa e confusão. Ela tentou processar a informação, mas sua mente se recusava a cooperar, como se estivesse ainda presa em um nevoeiro. Dois dias... Dois dias perdidos no tempo, dois dias de sonhos e pesadelos, dois dias de um silêncio profundo que agora a assombrava.
A atmosfera na sala era uma curiosa mistura de tensões contraditórias. A luz do sol da manhã, que entrava pela janela, criava um ambiente acolhedor e luminoso, mas a gravidade da situação pairava no ar, como uma sombra silenciosa. O canto dos pássaros lá fora parecia quase irônico, uma melodia suave que contrastava com a gravidade da revelação. Vânia observava tudo com um olhar compreensivo, seu sorriso leve agora substituído por uma expressão mais séria, enquanto Sofia lutava para encontrar um fio de compreensão em meio à confusão que a dominava.
Rony, com um sorriso travesso que enrugava os cantos de seus olhos castanhos, comentou de forma descontraída, sua voz rouca e divertida quebrando a tensão que pairava no ar:
— Nossa, Sofia, você está muito suada. Deve estar fedendo a quilômetros de distância! — Ele fez uma pausa, observando a reação de Sofia com um brilho divertido nos olhos, antes de se aproximar para abraçá-la.
Jasper, porém, interveio com um sorriso divertido, demonstrando sua educação refinada e seu respeito pela amiga:
— Pai! — Exclamou ele, com um tom divertido, mas firme ao mesmo tempo — Não foi assim que o senhor me ensinou a tratar uma dama. Mesmo que ela esteja suada!
Sofia, que estava tentando processar a informação dos dois dias perdidos, soltou uma risada leve, aliviada pela descontração que a brincadeira de Rony e a repreensão de Jasper trouxeram.
— Deixa, Jasper, o tio Rony só está brincando — Disse ela, um sorriso surgindo em seus lábios. — E a tia Vânia está certa, eu preciso de um pouco de espaço para respirar.
Rony, ao ver a reação de Sofia, se aproximou e a abraçou com carinho, seu sorriso travesso se transformando em um gesto de afeição genuína:
— Desculpa, meu bem, eu só estava preocupado. — Disse ele, seu tom agora mais suave.
— É, disso eu sei — respondeu Sofia, sentindo-se reconfortada pelo carinho do tio e pela proteção de Jasper.
Logo à tarde, Sofia se aproximou do lago, o som suave das ondas quebrando na margem criando uma melodia serena. Jasper estava sentado na beira do lago, lançando pequenas pedras planas na superfície da água, criando círculos concêntricos que se espalhavam como ondas de emoção. Sem precisar olhar para trás, ele perguntou, sua voz suave quebrando o silêncio:
— Como você me encontrou aqui, Sofia? Sabia que eu estaria aqui?
Sofia sorriu, seu olhar compreensivo pousando sobre ele.
— Seria tolice não procurar você aqui, Jasper. Este é o seu lugar, o seu refúgio.
Um sorriso suave tocou os lábios de Jasper.
— Eu acho que está mais para SEU lugar de refúgio...
Logo o sorriso se desfez, dando lugar a uma expressão de profunda angústia. Ele se virou, revelando seus olhos cheios de lágrimas, lágrimas que brilhavam como pequenos diamantes sob a luz do sol. Eram lágrimas de alívio, sim, mas também lágrimas de medo, de culpa, de uma angústia profunda que ele havia carregado consigo por dois, logo e até terríveis dias.
Sofia se aproximou e o abraçou, seu abraço reconfortante envolvendo-o como um manto protetor. No abraço silencioso, o peso do medo e do desespero que Jasper havia carregado começou a se dissipar.
— Eu senti tanto medo, Sofia — Ele confessou, sua voz embargada pela emoção. — Quando ouvi seus gritos... Não sabia o que fazer. E os rostos dos meus pais... Eu vi o desespero nos seus olhos, a impotência, a incerteza... Foi horrível... Todos tiveram medo, Sofia. — Disse Jasper, sua voz baixa e rouca, refletindo o peso da experiência compartilhada.
Sofia, sem proferir uma única palavra, se afastou lentamente do abraço de Jasper, seu movimento hesitante, como se estivesse quebrando um elo invisível que os unia. Um olhar de compreensão, mas também de determinação, passou por seus olhos. Seu rosto, pálido, refletia a gravidade da situação.
— Preciso ir ao hospital com meus tios — Anunciou ela, sua voz firme, apesar do tremor sutil que a traía. — Talvez eu o procure quando retornar... — A frase ficou pendurada no ar, uma promessa incerta, um adeus silencioso.
Jasper, compreendendo o momento, apenas balançou a cabeça em silêncio, seu olhar seguindo Sofia enquanto ela se afastava, deixando-o sozinho à beira do lago, imerso em um mar de perguntas sem respostas. Ele sentia um aperto no peito, uma mistura de apreensão e incerteza que o deixava inquieto.
Naquela mesma noite, o silêncio na casa era pesado, carregado de uma tensão palpável que se instalou como uma névoa densa e opressora. O tique-taque do relógio na sala parecia ecoar o bater frenético dos corações. Rony, Vânia e Sofia retornaram, mas o clima era diferente, muito diferente. A demora no hospital havia sido longa, muito longa, e o silêncio pesado que os envolveu era uma sinfonia de preocupações e pressentimentos. Jasper, observando sua família entrar, notou a palidez de Sofia, quase translúcida sob a luz fraca, e a preocupação profunda nos rostos dos pais, como se eles carregassem o peso do mundo sobre seus ombros. Vânia estava visivelmente trêmula, com as mãos tremendo ao tentar acender a luz da cozinha.
— Por que demoraram tanto? — Ele perguntou, sua voz carregada de uma ansiedade que cortava o silêncio como uma faca.
Rony, carregando Sofia nos braços como se ela fosse algo precioso e frágil, respondeu apenas com um olhar grave, seus olhos escuros e profundos como poços sem fundo, enquanto a levava para o quarto com passos lentos e hesitantes. Vânia, com um gesto rápido e nervoso, preparou uma água com açúcar, suas mãos tremendo tanto que quase deixou cair a colher. O açúcar se espalhou pela mesa, criando um pequeno monte branco que parecia simbolizar a fragilidade da situação.
Na cozinha, o silêncio era ensurdecedor, quebrado apenas pelo som da respiração ofegante de Vânia e pelo barulho quase imperceptível do tremor nas mãos de Jasper. Vânia tomava a água com açúcar em goles hesitantes, cada gole se prolongando como se ela estivesse medindo o tempo, esperando por algo. Jasper, sentado à mesa, rígido em sua cadeira, com as mãos no rosto, estava preso em um turbilhão de pensamentos, imaginando o pior. Ele via, em sua mente, a imagem da palidez de Sofia, e a lembrança dos gritos ecoava em seus ouvidos. Rony juntou-se a eles, seu semblante sério como uma máscara de pedra, evidenciando a gravidade da situação. A atmosfera era carregada de expectativa, um silêncio pesado e sufocante que prometia uma revelação iminente, uma revelação que poderia mudar suas vidas para sempre.
O cenário era complexo, um labirinto de problemas que pareciam se multiplicar a cada dia. Não era apenas a condição de Sofia; eram os problemas financeiros que se acumulavam, a pressão dos compromissos médicos e a angústia constante de não saber o que fazer. Nunca haviam vivido algo assim antes, e a incerteza pairava no ar como uma névoa densa, obscurecendo o futuro e alimentando o medo. Todos estavam buscando maneiras de lidar com a situação, mas o desespero por respostas só aumentava, criando uma tensão palpável que vibrava no ar como uma corda esticada prestes a arrebentar.
Os dias se sucediam, longos e arrastados como se o tempo estivesse parado, com Sofia continuando a dormir por dois dias consecutivos sempre que a condição a atingia. A rotina havia se tornado uma sucessão de esperas angustiantes, de momentos de silêncio pesado, de tentativas frustradas de comunicação com Sofia, que, mesmo acordada, parecia distante, perdida em um mundo que eles não conseguiam alcançar. O distanciamento entre Jasper e Sofia se tornou evidente, um abismo silencioso que se abria entre eles. Eles evitavam o contato visual, suas conversas eram curtas e superficiais, como se estivessem evitando o peso do que não conseguiam entender.
Jasper, imerso em sua própria angústia, mal permanecia em casa. Passava horas procurando por respostas, por alguma explicação, por um fio de esperança que o tirasse daquele mar de incertezas. A insônia o assombrava, o deixando esgotado e irritado, enquanto a sensação de impotência diante da situação era avassaladora, um peso insuportável que o esmagava a cada dia. Rony e Vânia, por sua vez, corriam incansavelmente atrás de soluções, buscando ajuda médica, explorando tratamentos alternativos, mas o tempo parecia escapar de seu controle, levando tudo a sair do eixo, como um barco à deriva em um mar tempestuoso.
Até sugestões de interna Sofia lhe deram, mas é claro que os Davis nunca riam isso.
A tensão na casa se intensifica com o diálogo entre Rony e Jasper:
— Onde você estava? — Questiona Rony, visivelmente preocupado com a situação.
— Estava dando uma volta por aí — Responde Jasper de forma tranquila.
— Estamos passando por uma crise e você me diz que estava dando uma volta por aí, — Repreende Rony, expressando sua frustração.
Jasper responde com sinceridade:
— Sim, pai, é exatamente isso. Ficar em casa não vai resolver nada, então prefiro não resolver nada, fora daqui.
Rony, visivelmente incomodado, chama Jasper de garoto mimado, refletindo sua preocupação e descontentamento com a atitude do filho.
Vânia intervém, tentando acalmar a situação:
— Rony, deixa ele... Está sendo difícil para ele também.
Rony, ainda exasperado, questiona se Jasper realmente está enfrentando dificuldades, mencionando a promessa anterior do filho de nunca abandonar o barco.
Jasper, sentindo-se incompreendido, decide deixar a discussão e sai, deixando seu pai falando sozinho.
— Eu não vou permitir que você fale isso dele. Você deu a sua palavra, ele não. Ele só era um bebê naquela época. Não culpe o nosso filho em nada, pois ele não tem culpa — Vânia defende Jasper com sangue nos olhos, protegendo-o do julgamento de Rony.
A súbita pergunta de Sofia interrompe a discussão:
— Do que vocês estão falando? — Sua presença repentina pega Rony e Vânia de surpresa, levando-os a tentar disfarçar e mentir para Sofia, dizendo que estavam tratando de outro assunto irrelevante. Sofia, exausta demais para lidar com mais conflitos, finge acreditar na mentira, evitando entrar em um debate que poderia ser desgastante.
Enquanto o sol brilhava suavemente através das folhas da árvore, criando padrões de luz e sombra no chão, Sofia estava sentada debaixo da árvore, no bosque. O ambiente tranquilo foi interrompido pela chegada repentina de uma amiga de Sofia.
A garota tinha a pele bronzeada, cabelos longos e lisos que dançavam suavemente ao vento. Sua energia era contagiante, e sua expressão sempre parecia transmitir uma sensação de urgência e movimento. Diferente da calma e serenidade de Sofia, a amiga era espontânea e cheia de vida
Sem fazer barulho, a garota se aproximou sorrateiramente e deu um susto em Sofia, que se virou com um sobressalto, mas logo relaxou ao reconhecer a amiga. Com um sorriso, Sofia perguntou o que a trouxe até ali, e a garota respondeu com um brilho nos olhos, dizendo que estava com saudades.
Sofia, ainda um pouco surpresa com a chegada inesperada, olhou para a amiga com um misto de curiosidade e desconfiança.
— Tá bom, eu vim acompanhar meu tio, ele veio fazer uma visita a senhora Nervilha.
— Estão em outra "aventura"?
— Sim! Agora vamos conhecer todas as cidades que meu tio queria conhecer quando tinha nossa idade.
— Uau, devem ser muitas!?
— Nem tantas, mas enfim me fala.
— O quê?
— E Jasper, como ele está? Continua lindo?
— Sabia que você não estava querendo me ver.
— Não, isso não é verdade, eu vim sim te ver, mas também vim ver ele... Então como ele está?
— Não sei... Não estamos nos falando tanto, mas sim, ele está da mesma forma de quando você se apaixonou por ele, ainda está mais alto que você, está com o mesmo cabelo ruivo, com as mesmas sardas.
— Nossa! para quem falou que não tinha nenhum interesse nele você presta bastante atenção.
— O quê? Do que você tá falando? Espero que não esteja falando o que eu estou pensando.
— Eu estou falando, que você presta muita atenção nele para quem se diz ser uma "irmã".
— Talvez seja porque eu convivo com ele e moro com ele a 10 ANOS.
— Mas você fala de um jeito que...
— Que, o que Catrina? Não acredito que você está falando isso, ele é como um irmão para mim e pronto.
— Desculpa... Estou brincando. E outra você sabe que eu acho ele mó gatinho, e não posso ficar por muito tempo, já você pode, e você é linda, você é tipo uma princesa que a Disney não tem, é difícil competir.
— Para de falar besteira, você é linda... Tá vamos parar de falar de garoto, e me diz, o quê é Disney?
— Não sei… Tá, então o que você acha de falarmos do que se passa nessa cabecinha? Fiquei sabendo que ela não anda nada bem... Quer me falar sobre?
— Eu não faço a mínima ideia do que se passa aqui dentro, eu... Sinto muito dor e desmaio... Eu não falei para ninguém mas eu sinto essas dores e vejo coisas, não sei se são apenas coisas aleatórias, lembranças ou algo assim... Eu acho que estou endoidando, amiga, o que você acha?
— Eu acho que você está biruta, está louquinha, mas assim como um pai falou para sua filha e ela falou para o seu melhor amigo... As melhores pessoas são assim...
Após a partida de Catrina, Sofia permanece sentada, deixando de lado o livro e mergulhando em seus pensamentos mais profundos.
Enquanto navega por suas reflexões, Sofia sente uma dor aguda em sua cabeça, mas desta vez consegue conter seu grito, como se já estivesse habituada a suportar a dor sem demonstrar. No entanto, a intensidade da sensação a faz desfalecer, mas antes que caia no chão, Jasper surge sob a árvore em busca de ar fresco e tranquilidade. Ao se deparar com Sofia em uma situação estranha, Jasper se aproxima e a chama pelo nome, interrompendo momentaneamente o que quer que estivesse acontecendo em sua mente.
Subitamente, Sofia para e desaba, mas antes que atinja o chão, Jasper a ampara em seus braços, preocupado com a situação e sem compreender totalmente o que está ocorrendo com ela. Em meio à preocupação e à confusão, Jasper se questiona internamente sobre o que poderia estar acontecendo com Sofia, temendo que ela não consiga escutar ou responder.
— O quê está acontecendo com você garota?
— A garota aqui está ficando maluca, mas eu fiquei sabendo que as melhores pessoas são assim.–Diz Sofia quase sussurrando.
— Sofia!
— Oi Jasper, Acredita que eu e Catrina estávamos falando de você.
Sofia se levanta, sorrindo e agradecendo por Jasper estar presente aqui. Ela revela a Jasper o motivo pelo qual Catrina pensava que ela estava apaixonada por ele: era porque, de fato, ela era apaixonada por ele, mas não da maneira que Catrina interpretou. Sofia estava apaixonada pelo incrível irmão que Jasper era, admirando suas qualidades e bondades e lealdade.
Jasper e Sofia começam a sorrir e se abraçam, sentindo a conexão e a importância um do outro em suas vidas. mostrando que, mesmo em meio às dificuldades e confusões, eles podem contar um com o outro. Esse momento de união e compreensão era exatamente o que eles precisavam, reforçando o vínculo especial que compartilham e a importância de estarem juntos nos momentos de necessidade.
Na quarta-feira de manhã, Rony e Vânia aguardam ansiosos por Jasper na sala, suas expressões carregadas de preocupação e raiva. Assim que Jasper adentra o ambiente, depara-se com seus pais, sabendo instantaneamente que uma bronca está por vir. A tensão no ar é palpável, e Jasper se prepara para enfrentar mais uma reprimenda familiar.
A dinâmica familiar de conflitos e discussões já se tornou rotina naquela casa, com brigas recorrentes e as mesmas questões sendo levantadas repetidamente. Jasper já estava familiarizado com os sermões de seu pai e as palavras de preocupação de sua mãe, tendo decorado cada argumento e reação que esperava encontrar naquela situação.
Após a discussão, Jasper se retira para seu quarto e se depara com Sofia sentada em sua cama. Ele pergunta o que ela queria ali, e ela responde que queria conversar, pois os dois não faziam isso há muito tempo. Jasper responde que não tinha tempo, pois estava ocupado demais para conversar e já havia tido duas conversas ruins naquele dia. Sofia insiste, mencionando que as brigas com Rony e Vânia eram devido ao comportamento estranho de Jasper, como sair sem avisar, chegar quando queria, não se reunir mais com a família, não ajudar nas tarefas de casa e estar ausente na maior parte do tempo.
Jasper larga o que estava fazendo naquele exato momento e se vira para Sofia. Ele afirma que sempre esteve presente e sempre estará, dizendo que não havia feito nada de errado. Jasper explica que apenas tinha novos planos e estava se divertindo um pouco mais, mas optou por não contar aos pais para evitar perguntas desnecessárias. Sofia ressalta que se os pais fizessem isso, estariam certos, pois Jasper sempre evitava fazer amizade com as pessoas da região, alegando que eram vândalos, e que sempre foi apenas ele e Sofia, questionando se isso iria mudar agora.
— Jasper, você nunca teve outros amigos... Não acredito que esteja falando a verdade.
— Por quê? Eu sou estranho demais para ter novos amigos ou sou incapaz de fazer novas amizades?
Sofia não diz uma palavra sequer, e Jasper fica furioso por entender apenas pelo olhar o que Sofia estava pensando. Ele sai do quarto com os olhos mais vermelhos do que a cor de seu cabelo. Sofia fica no quarto chorando, arrependida de suas palavras e da falta de reação, sentindo que estava perdendo seu único amigo. Sofia sai às pressas do quarto e passa pelos seus tios, que perguntavam para onde Jasper tinha ido daquela forma e para onde ela estava indo daquela forma. Sofia não responde, apenas diz que estava indo atrás do seu irmão. No entanto, ao chegar do lado de fora da casa, Sofia não encontra nenhum sinal de Jasper.
Sofia sai correndo atrás de Jasper em direção à árvore, que era o lugar onde eles sempre iam para fugir da realidade. No entanto, Sofia não encontra Jasper lá também. Ela se senta no chão, abaixa a cabeça e começa a chorar com os olhos fechados, arrependendo-se de tudo. De repente, Sofia ouve um barulho, levanta a cabeça rapidamente e pergunta se era Jasper que estava ali, mas tudo fica novamente em silêncio.
Com os olhos inchados de tanto chorar, Sofia se arrasta até a beira do lago para molhar o rosto. Enquanto molha o rosto, ela vê algo refletindo na água e levanta a cabeça para ver o que era. Sofia começa a gritar e, de repente, tudo escurece e ela desmaia. Seu grito foi tão alto que seus tios, que estavam em casa, ouvem e deduzem que algo aconteceu com ela e com Jasper. Rony e Vânia correm ao encontro de Sofia e, ao chegarem, percebem algo estranho prestes a acontecer com ela. Parecia que algo estava querendo algo e talvez tenha encontrado o que procurava: Sofia.
Sete dias haviam se passado. Sofia estava deitada em sua cama, delirando e repetindo os nomes de pessoas aleatórias, como Vitória, Diana, Gustav, e outros, repetindo as mesmas coisas o tempo todo. Jasper chega em casa e pergunta por Sofia. Sua mãe diz que ela estava da mesma maneira nos últimos sete dias. Jasper vai até o quarto de Sofia, abre a porta e ouve falando nomes até chegar ao dele. Quando Sofia menciona o nome de Jasper, ele se senta na beirada da cama, pega na mão dela, abaixa a cabeça e começa a chorar, pedindo desculpas, pois ele não queria que aquilo acontecesse com ela. Jasper expressa seu arrependimento por não ter ficado e conversado com ela quando ela pediu.
Depois que Jasper diz aquelas palavras, Sofia começa a acordar e chama mais uma vez pelo seu nome.
— Jasper.
— Sofia!
— Jasper é você?
— Sim! Sofia sou eu.
Sofia solta a mão de Jasper, senta-se e pergunta por Vânia. Antes que Jasper pudesse responder, ela chama por Vânia. Rony e Vânia aparecem rapidamente no quarto e abraçam Sofia, demonstrando a felicidade que sentiam por vê-la acordada. Lágrimas de alegria escorrem pelos rostos dos dois.
A pergunta de Sofia, inocente e um tanto confusa, pairou no ar, quebrando a atmosfera carregada de emoção.
— Por que estão chorando? — Ela indagou, os olhos ainda buscando compreender a intensidade do momento.
— Estamos felizes em ver nossa menina de olhinhos abertos — Respondeu Vânia, a voz embargada pela emoção, as lágrimas ainda escorrendo pelo rosto.
O relato de Sofia, em seguida, foi um fio tênue entre a realidade e o pesadelo. A lembrança vívida daquela imagem horrível flutuando sobre a água, a sensação iminente de perigo, a percepção de que seus piores medos estavam se tornando realidade. As palavras dela ecoaram no quarto, carregadas de um terror ainda presente, mesmo com a segurança do abraço familiar. A preocupação de Rony foi imediata, um toque de carinho em seu braço, a voz suave e firme, buscando acalmá-la.
Mas a teimosia de Sofia, porém, era compreensível. A confusão, a necessidade de entender o que havia acontecido, a luta contra a fragilidade física.
— Não, tio Rony, eu estava dormindo até ainda pouco, já descansei o suficiente — Ela insistiu.
— Sofia, você está um pouco fraca e como você mesma disse, você estava dormindo até pouco tempo. Você precisa de força. Vou preparar uma sopa de carne bem gostosa para você, está bem? — Ela disse, a voz carregada de carinho.
Ela bapenas balança a cabeça confirmando.
Vânia olha para Rony e com um simples olhar, ele entende que era hora de se retirar, de dar espaço para uma conversa que transcendia as palavras. Jasper, silencioso observador na penumbra junto à janela, aguardava pacientemente. A saída dos tios deixou o quarto envolto em um silêncio denso, carregado apenas pela expectativa. Os dois ficaram sozinhos, seus olhares se encontrando, uma conversa silenciosa iniciada antes mesmo das palavras.
O olhar de Sofia, direcionado a Jasper, era uma mistura complexa de dor, um espelho que refletia a angústia que o consumia.
— Desculpa...
Foi um sussurro perdido na imensidão do silêncio, a cabeça baixa, um sinal de sua culpa.
— Você se afastou de novo.
Ouvir aquilo foi um golpe direto, preciso, carregado de mágoa acumulada.
— É, eu sei — Suas palavras soou mais como uma constatação do que um pedido de perdão.
A dor de Sofia transbordou, um rio de lágrimas e palavras carregadas de uma tristeza profunda. A espera por um abraço, por uma palavra de consolo, por um reconhecimento da sua dor, que nunca chegou. A lembrança da solidão, da ausência de Jasper em seu momento de maior necessidade, a fez desabar. A menção de Catrina, uma personagem quase ausente em sua vida, tornou-se um ponto de referência, uma comparação dolorosa que destacou a ausência de Jasper, a sua falha em oferecer o apoio que ela precisava.
— Eu estou aqui — Foi um sussurro fraco, quase inaudível, cheio de arrependimento.
Mas as palavras de Sofia ecoaram no quarto, revelando uma desilusão profunda, um abismo criado pela ausência repetida de Jasper. O silêncio que se seguiu foi pesado, carregado de uma realidade que precisava ser enfrentada.
Jasper respirou fundo, o ar enchendo seus pulmões antes de soltar as palavras que mudariam tudo. A decisão, tomada em algum lugar profundo em seu coração, pesava sobre seus ombros como uma pedra.
— Eu acho que eu não sirvo para te servir — Ele disse, a voz resignada, carregada de um peso que transcendia as palavras.
A confusão e a mágoa em Sofia foram instantâneas, um olhar de incredulidade que refletia a dor da incompreensão.
— O quê? — Ela perguntou, a voz trêmula, o tom acusatório implícito. A explicação de Jasper foi um golpe certeiro, uma admissão de derrota, a constatação de sua própria incapacidade.
— É, é isso mesmo, Sofia. Eu vou embora... Agora você vai ter muito mais motivos para se questionar sobre a minha presença, ou melhor, a minha ausência — Ele disse, o tom pesaroso, a dor evidente em cada sílaba.
O silêncio que se seguiu foi um abismo, as palavras de Jasper ecoando na mente de Sofia, cada sílaba um prego cravado em seu coração. A tentativa de justificativa de Jasper, a menção de Catrina (novamente)e sua viagem iminente, foi uma tentativa vã de explicar o inexplicável. A promessa de infância, a passagem do tempo, a incapacidade de cumprir seu compromisso, tudo isso se misturou em um turbilhão de justificativas que não conseguiam disfarçar a verdade: ele estava desistindo.
— Eu só queria te dizer isso mesmo — Suou como um sussurro fraco, quase inaudível, a derrota evidente em sua voz. O nó na garganta, a dificuldade em articular as palavras, eram reflexos da dor, que parecia uma separação.
O olhar de Sofia, uma mistura de tristeza e resignação, refletia a aceitação da decisão de Jasper, mesmo que dolorosa.
— Será que você pode se retirar do meu quarto?
Foi uma frase curta, firme, mas com uma dor profunda. Não era um pedido, mas uma ordem silenciosa, um reconhecimento da realidade dolorosa. O quarto, agora, estava vazio, exceto pela dor que permanecia com ela.
A realidade era inegável, a relação com Jasper estava mais uma vez abalada, e Sofia lutava contra a descrença, contra a impossibilidade da situação. A imagem de Jasper, suas palavras, o tom de sua voz, tudo confirmava a verdade: ele estava partindo.
Na cozinha, a animação da conversa foi interrompida pela presença de Jasper, seu rosto pálido e preocupado contrastando com a alegria do ambiente.
— Filho, está tudo bem? Aconteceu alguma coisa entre você e Sofia?
— Eu preciso falar com vocês.
— E nós precisamos te ouvir, filho, fala.
Jasper revela sua decisão. A revelação da proposta de Catrina, a possibilidade de uma viagem, a mistura de ansiedade e expectativa em suas palavras, pintaram um quadro de transformação iminente.
A surpresa e a preocupação de Vânia foram evidentes.
— Você está falando sério, meu filho?
— Por mim, tudo bem.
— O quê? Como assim 'tudo bem'? Ele é nosso filho, ele está dizendo que está pensando em aceitar uma proposta de viagem, ele só tem 15 anos. Rony, você está pensando no que? Quero dizer, você está pensando em alguma coisa?!
— Ele é um menino livre, querida, tudo bem por mim... Meu filho, você pode fazer o que quiser.
A decisão de Rony, apesar de gerar conflitos com Vânia, revelou uma crença profunda na liberdade e na capacidade de seu filho em escolher seu próprio caminho.
— Filho, posso conversar com seu pai? — Uma tentativa de entender a postura do marido e de guiar Jasper com sabedoria.
— Claro.
Rony e Vânia, sozinhos, travavam uma batalha.
— Permitir que Jasper viaje com Catrina com essa ideia é loucura, Rony! — Explodiu Vânia, a voz cheia de indignação. Seus olhos, brilhantes, faiscavam com a preocupação.
Rony suspirou, um gesto de impaciência que não conseguiu disfarçar.
— Vânia, você está sendo dramática. Ele já é um homem, precisa aprender a voar sozinho — Seu sorriso era superficial, um véu tênue sobre a preocupação que ele, na verdade, nutria.
— Voar sozinho? — Vânia repetiu, incrédula — Você está dizendo isso enquanto sabe que ele não irá realmente viajar. Você nunca deixaria Jasper partir em uma jornada tão imprudente.
Rony se aproximou, a voz baixa e conciliadora.
— Eu estou apenas tentando protegê-lo à minha maneira, Vânia. Se eu disser que não pode ir, ele vai se revoltar. Se eu disser que pode, você vai se revoltar. Qual a diferença?
Vânia limpou uma lágrima rebelde que teimava em rolar pela sua face.
— A diferença, Rony, é a honestidade! Você está mentindo para ele, criando uma ilusão que pode se desfazer a qualquer momento. E se ele descobrir a verdade e se voltar contra nós?
Enquanto a tempestade emocional se abatia sobre Rony e Vânia, a situação de Jasper e Sofia era um reflexo doloroso dessa mesma tormenta. Sofia, em seu quarto, afogava-se em lembranças amargas, lágrimas silenciosas escorrendo pelo rosto enquanto revivia cada momento compartilhado com Jasper. Cada lembrança era uma facada, um lembrete da dor que a separação impunha.
Ao mesmo tempo, Jasper buscava refúgio. A água calma refletia o céu nublado, um espelho de sua própria alma inquieta. A solidão, porém, era um fardo pesado, incapaz de aliviar o peso da decisão que o esmagava. A tranquilidade do lago era apenas um breve alívio.
O lago, momentos antes um refúgio de paz, transformou-se em palco de um terror silencioso. Jasper, distraído pela busca de pequenas pedras lisas, sentiu um arrepio percorrer sua espinha. Do canto do olho, notou sombras se aproximando, rápidas e ameaçadoras, como predadores famintos. Tentando escapar, suas pernas vacilaram, tropeçando numa raiz traiçoeira que o lançou ao chão com um baque surdo.
A terra úmida grudou em seus joelhos enquanto ele tentava se levantar, a respiração entrecortada. Mas a fuga era impossível. O que se movia como a sombras o cercavam, emanando uma aura gélida que paralisou seus músculos, aprisionando-o num casulo de pânico. Uma voz, grave e rouca como o raspar de pedras, cortou o silêncio:
— Pare.
A ordem, emanada das "sombras", foi como um golpe físico. Jasper congelou, cada célula do seu corpo vibrando com o medo. Seus olhos, arregalados, buscavam em vão uma forma de escapar, mas encontraram apenas a escuridão opressiva que o envolvia. A figura sombria, ainda indefinida, pairava sobre ele, uma presença ameaçadora que sugava o ar de seus pulmões.
O silêncio que se seguiu foi mais aterrador que qualquer grito. A tensão era palpável, uma corda esticada à beira do rompimento. O ar estava pesado, carregado de expectativa, de presságio. A única coisa audível era o bater frenético do coração de Jasper, ecoando em seus ouvidos como um tambor de guerra. A qualquer momento, a sombra poderia se materializar, revelando sua verdadeira forma, e o destino de Jasper seria selado. O diálogo, quando finalmente começou, seria uma dança mortal entre a esperança e o desespero, entre a vida e a morte.
O céu, antes azul e brilhante, estava escuro naquele instante. Uma névoa espessa, carregada de uma escuridão, desceu sobre a cidade. No centro da névoa, uma figura começou a se materializar, um espectro alto e esguio, envolto em um manto negro e rasgado que flutuava como se movido por uma brisa invisível. O tecido parecia antigo, desfeito em alguns pontos, revelando ossos finos e escuros sob a superfície desbotada.
— O que você é? O que quer? — A voz de Jasper, apesar do tremor, era firme.
O espectro se aproximou, e Jasper pôde ver melhor o rosto. Era um crânio, ossos brancos e secos sob um capuz que cobria a cabeça, mas com uma expressão quase humana de crueldade e malícia.
Do crânio, uma fumaça fina e cinzenta escapava, como um sussurro visualizado. As mãos, ossudas e finas, emergiam do manto, com dedos longos e afiados que pareciam se agitar com uma energia sinistra.
— Sou a personificação do seu maior medo, e desejo algo que não lhe diz respeito... ainda. Mas sinto seu cheiro, e o dela. — A voz, rouca e sibilante, ecoou na névoa, um sussurro que parecia raspar contra os tímpanos de Jasper. A figura flutuou mais perto, e Jasper notou que o manto não era apenas rasgado, mas também coberto por um pó fino e escuro que parecia se mover por vontade própria.
Jasper tentou protestar, mas o espectro o interrompeu com um gesto. Os olhos vazios do crânio pareciam queimar com uma luz interna, fixando-se em Jasper com uma intensidade que o gelou até os ossos. — Silêncio! Quero Sofia Black.
O nome da amiga gelou o sangue de Jasper. Ele percebeu que a figura não era apenas um espectro, mas algo... mais. O manto, agora, parecia se contorcer, como se algo estivesse se movendo por baixo. A fumaça que saía do crânio se intensificou, formando um vórtice que girava lentamente em torno do espectro.
— Sofia!? — A voz de Jasper era um fio de voz.
— Sim. Não posso tocá-la diretamente, nem a você. Mas seus pais... eles são vulneráveis. — A voz do espectro era agora um rosnado, acompanhado pelo som de algo se arrastando na névoa. Os dedos ossudos se esticaram, quase tocando Jasper.
— Não se atreva. — A determinação de Jasper, apesar do terror, era inabalável.
— Traga-me Sofia Black. — O espectro se aproximou, o vórtice de fumaça crescendo em intensidade. A figura parecia se fundir com a névoa, tornando-se mais ameaçadora e imponente.
— Nunca. — A resposta de Jasper ecoou, fraca mas firme, desafiando o espectro que se materializava completamente diante dele, revelando sua verdadeira natureza monstruosa.
A tensão esticava-se como um fio fino prestes a arrebentar. O coração de Jasper martelou contra as costelas enquanto ele corria, a imagem do espectro pairando em sua mente, a urgência de proteger sua família o impulsionando. Ao longe, ele avistou sua casa, um pequeno refúgio de madeira encravado numa clareira na floresta. A cabana, de madeira escura e telhado de ardósia, parecia aconchegante e segura, cercada por um jardim cuidadosamente cultivado.
Hortaliças verdes e vibrantes contrastavam com as flores coloridas que se espalhavam em canteiros bem definidos, um caminho de terra batida conduzindo até a porta. A floresta, densa e sombria, formava uma muralha protetora ao redor da pequena clareira, mas agora, sob o céu enegrecido, parecia ameaçadora, um cenário apropriado para o terror que se aproximava. A imagem bucólica da casa, que antes representava paz e segurança, agora era um alvo, um ponto final na corrida desesperada de Jasper contra o tempo. E a criatura, rápida e implacável, acompanhava-o, um presságio negro que se aproximava.
O cheiro, mais forte agora, guiava a criatura até a casa. Ela invadiu o lar de Jasper como uma onda de escuridão, materializando-se em sua forma horrível: a figura esquelética, o manto rasgado, a fumaça cinzenta. Rony (ele estava na porta em pé, tomando um café), sem reação, foi agarrado pelo pescoço, erguido no ar, seu rosto contorcido em horror silencioso.
Vânia e Sofia, no quarto, foram atingidas pelo grito silencioso do terror. O pânico as lançou em direção à cozinha, onde a cena de pesadelo se desenrolava. Sofia, petrificada, sentiu as pernas falharem, a impotência a aprisionando em um torpor de medo. Vânia gritou, um som rasgado de desespero, enquanto assistia ao marido sendo sufocado pela criatura.
Jasper chegou, a visão do pai flutuando no ar o atingindo como um golpe físico. Sem hesitar, colocou-se diante de sua mãe, um escudo humano contra a ameaça. — Sofia! Levante-se! — Ele gritou, a voz firme apesar do terror que o envolvia. Mas Sofia, dominada pelo medo paralisante, apenas sussurrou, a voz abafada pelo pavor: — Eu... eu não consigo, Jasper é ele, é ele, que eu vi no lago.
Jasper sabia que a criatura não podia tocá-la diretamente. A chave era o controle, o domínio sobre o pânico.
— Sofia! — sua voz era um fio de esperança cortando o desespero. — A vida de todos depende de você! Faça um esforço!
As lágrimas escorriam pelo rosto de Sofia, mas em seus olhos, um brilho de determinação começou a brilhar. Suas pernas, pesadas como chumbo, pareciam desafiá-la, mas o amor e a lealdade a Jasper a impulsionavam. Ele estendeu a mão, um gesto simples mas carregado de força e afeto. Com um esforço sobre-humano, com a ajuda de Jasper, Sofia se levantou, cambaleando, mas de pé. Seu rosto refletia uma mistura de medo, coragem e uma resolução inabalável.
— O que você quer conosco? — Sofia perguntou, sua voz ainda trêmula, mas firme.
A criatura gargalhou, um som gélido e cruel. — Oh, vocês são tão inocentes, Sofia Black!… Será que eu conto... ou vocês contam, Sr. e Sra. Davis?
— Do que ele está falando, mãe? — Jasper perguntou, o medo em sua voz.
— Eu acho que o Sr. Rony Davis não vai sobreviver para contar histórias... — A criatura sibilou. — É melhor você contar sozinha, Vânia.
O rosto de Rony estavam ficando roxo, seus olhos arregalados. Jasper agiu instintivamente, puxando o pé de seu pai. A sombra se contorceu, uma massa escura que se dissipou em fumaça, deixando para trás um silêncio ensurdecedor. O alívio foi imediato, uma onda quente que percorreu o corpo de Jasper. Ele percebeu, naquele instante, a ligação única que o unia a Sofia, uma força invisível que os protegia.
Mas a sombra, enfurecida, voltou a atacar. Jasper, porém, estava pronto. Segurou firme a mão de Sofia, e juntos, enfrentaram a criatura. Rony, fraco mas lúcido, sussurrou: — Se unam... se abracem...
Jasper compreendeu. Todos se abraçaram, formando um círculo de proteção.
Sofia por sua vez olhou para a situação, fechou os olhos e começou a citar fazer, talvez não ouvista antes por ela, porém família.
— Espiral do Caos — Assim ela criou um espiral de vento caótico que desorientou e arremessou o inimigo.
A sombra se contorceu novamente, transformando-se em uma nuvem de fumaça negra que se condensou numa caveira flutuante antes de se despedaçar e seus ossos serem arremessando no ar. O silêncio que se seguiu foi carregado de emoção, de alívio e gratidão. Eles haviam sobrevivido. Juntos.
Rony e Vânia se entreolharam, o peso da verdade pairando entre eles. Os anos de segredos, de omissões, pareciam pesar toneladas, mas agora, diante do perigo compartilhado, a necessidade de transparência se impunha. Eles tinham muito a explicar, muito a compartilhar com Jasper e Sofia. A experiência traumática havia quebrado as barreiras. Antes apenas uma ideia, agora era uma realidade palpável, um escudo contra os medos e incertezas do futuro. A confiança, antes abalada, podia voltar a ser forte ou ficar pior. Eles já eram grandes o suficiente para entender, para carregar o fardo da verdade. E a verdade, por mais dolorosa que fosse, era preferível à mentira, à ignorância. Não havia mais tempo para esperar; o que quer que viesse a seguir, enfrentariam juntos, como uma família verdadeiramente unida.
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