⚠️AVISO⚠️
Baseada em fatos reais, esta obra contém temas sensíveis, como:
● Violência doméstica;
● Fuga de adolescente;
● Envolvimento afetivo com criminoso;
● Luto.
Se esses tópicos forem delicados para você, considere antes de prosseguir.
Boa leitura!
— Lyu Carpani
A rebeldia nem sempre surge após um “não”; às vezes, nasce de um “não” nunca dito.
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Beatriz chegou quando Rosa e Márcio já tinham deixado as mamadeiras para trás. Com dois filhos adolescentes, Maicon e Pedro, uma nova gravidez não estava nos planos. Mas a vida, sempre irônica, decidiu surpreender: veio uma menina.
Ela tinha olhos grandes e redondos. Bastava um olhar para derreter pais e irmãos.
— Parece desenhada à mão — disse Rosa, com a bebê nos braços.
— Já posso imaginar: vai ser mimada até não poder mais — brincou Márcio, acariciando a cabeça da filha.
E ele não estava errado. Desde o primeiro dia, Beatriz virou o centro da casa.
Ainda pequena, aprendeu que um choro ensaiado ou um olhar emburrado bastava: nada lhe era negado.
O tempo passava…
Aos 17 anos, Beatriz chamava atenção. Sabia do efeito que causava: os olhares dos meninos, a delicadeza com que era tratada. Mas em casa, os conflitos cresciam, ela mal cumprimentava os pais, parecia uma estranha.
Numa tentativa de aproximação, Rosa e Márcio puxavam conversa.
— O que você quer ser quando crescer, filha? — perguntou Márcio.
Beatriz deu de ombros, encarando o teto, entediada.
— Sei lá. Só sei que não quero ser igual à minha mãe.
— Como assim? — reagiu Rosa.
— Limpar machucados, dar banho em gente doente? Deus me livre! — disse, rindo.
— É fazendo isso que eu pago as roupas que você veste — respondeu Rosa, séria.
— Ai, que drama! Estou brincando. Vocês levam tudo tão a sério…
Márcio, como sempre, tentou juntar os cacos:
— Você tem potencial para fazer o que quiser, filha. Mas escolha melhor as palavras.
Beatriz se levantou, pegou o celular e, antes de sair, disparou:
— Nesta casa, tudo o que digo é errado. Um dia vocês vão ver: vou sair daqui e mostrar do que sou capaz!
E, sim… ela mostraria. Mas não do jeito que esperavam. Nem do jeito que ela mesma imaginava.
[Aqui começa o início do fim]
Por volta do meio-dia, Beatriz chegou da escola. Tirou os sapatos, largou a mochila no sofá e foi direto para a cozinha, onde Rosa mexia a comida com a colher de pau.
— Estou morrendo de fome! — disse, levantando as tampas das panelas.
— Ainda não está pronto, Bia — respondeu Rosa.
— Mas deveria! Você está de férias. Fica fazendo o quê o dia todo?
Ignorando o mau-humor da filha, Rosa manteve o foco no fogão:
— Pegue seu calçado e a mochila e leve para o quarto. Acabei de limpar essa sala.
— QUE SACO! — gritou Beatriz, saindo.
Passou pela sala, pegou suas coisas e subiu as escadas. Já na porta do quarto, ouviu a mãe gritar da cozinha:
— Fui deixar umas roupas aí e fiquei impressionada com a bagunça. Como alguém consegue dormir em um lugar desses? Depois do almoço, quero que isso seja organizado.
— Eu estava na escola até agora e você à toa. Espera sentada! — retrucou Beatriz, batendo a porta com raiva.
— Pode bater a porta, espernear… mas hoje quero esse quarto limpo, Beatriz!
A resposta veio venenosa:
— Você é insuportável! Por isso o papai quase te largou.
⨳⨳⨳
Deitada na cama, cercada por roupas, pratos e copos sujos, Beatriz pegou o celular e mandou uma mensagem para Júlia, sua amiga e válvula de escape.
— Ju, sério… não aguento mais essa casa. Minha mãe só sabe encher o saco e me controlar.
— Por isso vim morar com a minha avó. Aqui tenho paz. Mas, amiga, mudando de assunto… e a festa do Iago? Vai ser perfeita! Caras mais velhos, bebida liberada e a gente não precisa levar nada.
Beatriz sorriu, mas logo bufou:
— E como eu vou? A bruxa da minha mãe nunca vai deixar. E o banana do meu pai… só faz o que ela quer.
— Dá um jeito, amiga! Fala que vai dormir aqui em casa. Você não pode perder!
— Sei lá, Ju… vou tentar fazer “a sonsa” com a bruxa… ver se ela libera a Cinderela.
— Tenta, Bia! Você sabe o meu lema: a vida é uma só!
— ✦ —
Dessa forma, Beatriz seguia: nunca era sua culpa.
Mas o destino… ah, o destino não costuma perdoar quem o desafia.
“A juventude é a embriaguez sem vinho.”
— Johann Wolfgang von Goethe
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Beatriz pulou da cama e encenou uma arrumação: entulhou roupas no armário, enfiou outras debaixo da cama e alisou o edredom. Em seguida, desceu para almoçar com a mãe. Voltaram a falar da escola, dos irmãos, da vida que tinha mudado desde que os dois saíram de casa. Rosa sorria: qualquer traço de convivência com Beatriz era um pequeno milagre doméstico.
Márcio só chegou perto das oito da noite: reunião, trânsito. Encontrou as duas na sala, com a TV ligada.
— Chegou tarde, pai!
— Coisas da vida, minha filha — disse ele, beijando ambas.
— Deixei seu jantar na cozinha — avisou Rosa.
— Comi qualquer coisa por lá. Hoje só quero banho e cama — respondeu, bocejando, antes de se espichar na poltrona.
Beatriz viu a brecha:
— Mãe, pai… a Júlia vai fazer uma festa do pijama neste sábado. Só meninas. Posso ir?
— Dormir fora está fora de questão. É regra da casa; por favor, respeite — cortou Rosa.
— Filha, é pela sua segurança — endossou Márcio.
— Vocês nunca confiam em mim! Qual é o problema? Só vai ter meninas, e a avó dela vai estar em casa. Por favor — implorou Beatriz, com os olhos úmidos.
Rosa tentou um meio-termo:
— Que tal você ir e, mais tarde, a gente passa para te buscar?
— NÃO! Todas vão dormir lá. Não há perigo numa casa… Prefiro morrer! A vida não tem graça!
Márcio interveio:
— Deixa, Rosa. Pensando bem, não há mal nenhum em dormir na casa de uma amiga, ainda mais com uma senhora por perto.
Rosa suspirou, relutante:
— Tudo bem, Beatriz. Confiamos em você. Mas quero você de volta pela manhã. E é para ficar lá — nada de sair dando voltinhas.
— Sim, combinado! Juro que não saio e, de manhã, estarei de volta.
“Eu odeio esta casa e odeio vocês dois me prendendo. Não sou prisioneira. Já tenho 17 anos; não sou mais criança. Se me proíbem, eu faço escondido”, pensou Beatriz.
Saltando de alegria, agradeceu, beijou os pais e correu para o quarto, ansiosa para contar a novidade à Júlia.
⨳⨳⨳
— Ju! Consegui convencer os velhos! Vou dormir aí! Mas como a gente vai sair sem a sua avó ver?
— Tranquilo. Minha avó é o de menos. Depois que ela dorme, pode a casa cair que não acorda.
— Nem acredito que vou nessa festa! Preciso de um look seu; meus pais não podem nem sonhar. Nada de roupa de balada, porque minha mãe é bisbilhoteira.
— Claro, Bia! Milagre essa permissão. A noite vai ser pequena para nós duas.
— Tô de saco cheio dessas regras idiotas. Quero viver do meu jeito!
— É isso aí! Temos que aproveitar. Já te falei meu lema: a vida é uma só. Beijos! Amanhã, na escola, a gente termina de planejar.
— Beijos, até amanhã! — despediu-se Beatriz, sorrindo de orelha a orelha.
Dia da Festa
Beatriz acordou empolgada. Pela janela, conferiu o clima: céu limpo, sem nuvens, como se o universo conspirasse a seu favor. As horas arrastaram-se até o momento de sair. O combinado era estar na casa da Júlia às 17h.
Era uma festa diferente de tudo o que Beatriz já tinha experimentado: haveria bebidas e meninos mais velhos, e ela estava decidida a aproveitar cada segundo. Até então, os pais só permitiam encontros em cinemas ou praças, sempre com hora marcada para voltar.
Cuidou de cada detalhe: unhas impecáveis, cabelo sedoso, pele bem hidratada. Preparou a mochila com o mínimo para evitar suspeitas, celular, um tênis confortável e uma muda de roupa extra. O dia transcorreu sem atritos; Beatriz se esforçou para manter-se amável e cooperativa. Qualquer deslize poderia colocar o plano em risco.
Às 17h em ponto, já na sala, mochila pronta e ansiedade estampada no rosto, chamou:
— Pai, vamos?
Rosa e Márcio assistiam à TV quando Beatriz os interrompeu. Rosa levantou-se, lançou um olhar rápido ao que havia na mochila e deu as últimas instruções:
— Bia, estamos confiando em você. Quero que volte antes do almoço, está bem?
Beatriz assentiu com um sorriso sereno, mas por dentro fervia de raiva. Sentia-se invadida. Como pode ser tão controladora e irritante? Márcio observava em silêncio. Pegou as chaves do carro e se dirigiu à porta. Beatriz o seguiu, saindo sem se despedir da mãe.
Casa da Júlia
A avó de Júlia recebeu Beatriz com carinho, envolvendo-a num abraço afetuoso. Era uma senhora adorável, cuja gentileza parecia perfumar o ambiente.
Júlia e Beatriz correram para o quarto, rindo e compartilhando a empolgação de se arrumar para a festa. Enquanto experimentavam roupas e ajustavam os últimos detalhes, Júlia revelou mais informações:
— A festa vai ser na casa do Iago, aquele cara que estudou na nossa escola. Como ele é uns três anos mais velho, já terminou o ensino médio. E o melhor: ele fez questão de nos convidar.
Entre risos e conversas animadas, escolheram cuidadosamente os looks, determinadas a causar a melhor impressão.
— ✦ —
Empolgadas, Beatriz e Júlia não faziam ideia de que a vida, muitas vezes, oferece o doce antes do amargo. Descobririam que nem toda diversão é inofensiva.
“Ele era como a serpente: astuta e sedutora, que se aproximava com promessas. Ela era como Eva: encantou-se com a fruta proibida. Em uma festa onde pecado e perigo se misturavam, selaram o destino com um beijo.”
🍎🐍
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A festa do Iago
A chegada deixou Beatriz em êxtase: música alta e envolvente, luzes estroboscópicas, cheiro de álcool no ar. Uma promessa de liberdade. Surpreendeu-se ao ver tantos da idade dela bebendo álcool como se fosse refrigerante.
Ela e Júlia chamaram atenção de imediato, sobretudo Beatriz, no vestido preto curto e justo. Andava com a segurança de quem sabe que é vista.
Iago, o anfitrião, apareceu com sorrisos e abraços.
— Garotas… assim vocês me matam. Lindas. Nem parecem as crianças da escola.
— Deixa disso, Iago! Estou longe de ser criança, já tenho estrada — disse Júlia, rindo. — A novata é a Bia.
— Em algum momento a gente começa, né? — respondeu Beatriz, tímida no começo, soltando-se aos poucos.
— Minhas deusas, copo na mão — cortou Iago, servindo vodca para as duas. — Quero vocês soltinhas.
Puxado por amigos, ele sumiu no meio do tumulto.
A festa fervia. Beatriz e Júlia dançavam, bebiam, riam. Muitos tentaram uma chance; recusaram todos. Júlia mirava Iago. Beatriz, até ali, ninguém.
Marlon
Um burburinho na entrada fez o salão virar o pescoço. Iago e alguns foram receber o recém-chegado. Beatriz gelou quando o viu.
Marlon\, vinte e um anos e uma cara de quem já tinha vivido o dobro. Camisa preta\, jeans rasgados\, tatuagens até o punho\, cordão\, relógio dourado. *Bad boy* de novela\, mas o perigo ali não era figurino\, era presença.
— Quem é esse? — murmurou Beatriz, fisgada.
Marlon entrou cumprimentando, sorriso torto, olhar aferindo território. No balcão, encheu o copo, sondou a pista. Duas garotas dançavam no centro. Uma, em especial: loira, vestido curto, confiança acesa.
— E aí… quem é a loirinha? — perguntou a Iago, erguendo o queixo na direção dela.
— Problema. É menor — Iago franziu o nariz.
— Isso eu vi. Tô perguntando o nome, não a certidão.
— Beatriz. Na escola vivia cercada de contatinhos, mas a família puxa a rédea. Nem sei como apareceu aqui.
— Gostei da novinha. Me apresenta, brabo.
Iago hesitou, mas deu de ombros.
— Fechou. Eu fico com a Júlia, você com a Bia.
As apresentações foram curtas. Iago puxou Júlia. Marlon parou diante de Beatriz.
— Prazer, Beatriz. Te vi dançando. Tem presença — disse, cravando os olhos nos dela.
Um frio subiu pelo estômago de Beatriz.
— Obrigada… É amigo do Iago?
— Parceiros em uns lances. Ele me falou de você — Marlon sorriu de lado. — E eu gostei do que ouvi.
— Espero que só coisa boa. E você faz o quê?
— Homem de negócios. Meus corres, minhas estratégias. Mas chega de mim… — ele desviou, mais perto. — Além de linda, o que você faz da vida?
— Estudo. E confesso: tô precisando de mais diversão.
— Baile e vodca é um bom começo.
— Interessante…
Ele baixou a voz.
— Posso te mostrar os lugares mais quentes da cidade. Você vai pirar quando eu te levar.
Beatriz arqueou a sobrancelha.
— Isso é um convite?
— Aviso. Você não vai resistir — disse, aproximando mais um passo.
Beatriz recuou meio espantada com a franqueza.
— Eu nem sei quem você é.
— Relaxa, princesa. Tô te oferecendo aventura com garantia. Agora é contigo: vai viver ou vai desperdiçar?
Ela riu, nervosa.
— Você é intenso, hein…
Marlon não respondeu. Chegou perto demais, sem pedir licença, cortou a hesitação e a beijou.
Do outro lado, Júlia viu. Foi até a amiga, sussurrou apressada:
— Bia, o Marlon é o diabo. Bonito, fala bem… mas é traficante, perigoso, violento. Você sabia?
Beatriz deu de ombros, ainda tonta do beijo.
— Ué… cadê a garota do “a vida é uma só”? Tô só aproveitando. Talvez eu nem veja ele de novo.
Júlia suspirou, sabia: a serpente já tinha dado o bote.
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Dançaram até o céu clarear. Precisavam chegar antes que a avó de Júlia acordasse. Despediram-se, trocaram números e redes sociais, e foram.
Exausta, Beatriz sorria. A noite tinha sido um sonho realizado. E Marlon… O jeito como ocupava espaço, a ousadia, a promessa do perigo, tudo grudado nela.
— ✦ —
Envolver-se com a serpente nunca foi um bom negócio. Foi assim com Eva. E Beatriz, repetirá o destino?
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