Capitulo 01 – Introdução
O meio constrói o indivíduo. Não adianta tentar fazer o diabo virar anjo se ele é o filho do Satanás, nascido no inverno, com um capeta pior que o outro. Mesmo que você seja o anjo mais bondoso, não vai conseguir salvá-lo de ser o herdeiro do trono do inferno.
Meu pai, o Satanás em pessoa , me criou pra isso. E claro que eu não poderia deixar de provar que consegui ser exatamente o que ele queria: sem sentimentos, sem empatia, sem culpa, sem emoções. No final, acho que ele não gostou muito... lembro dele dizendo: “Eu sou seu pai! Você vai se arrepender.”
Bem, aprendi direitinho. Nunca senti nada.
Meu pai era conselheiro do meu tio, Dom da máfia italiana. Ele era obcecado pela minha tia e nunca se conformou com o fato de que ela era a herdeira da máfia. Na cabeça dele, uma mulher não podia assumir. Meu tio Matheu foi o escolhido para se casar com ela, assumindo o título de Dom e, de quebra, a mulher por quem meu pai era obcecado.
Para se aproximar da Filipa, ele se tornou conselheiro. Para isso, casou-se com minha mãe, Antonella, a quem ele submetia às piores violências e humilhações. Ela morreu quando eu tinha dois anos, tentando me proteger. Depois disso, fiquei sem ninguém... até que ele conseguiu o que queria: matou meu tio, ficou com a minha tia e assumiu o título de Dom.
No que diz respeito à crueldade dele, minha tia Felipa até que teve o “melhor tratamento”, se é que podemos chamar assim. Ela chegou quando eu tinha quatro anos. Eu estava maltratado, quase morrendo. Ela virou minha mãe, tentando me salvar da crueldade dele. Em troca de cuidar de mim e me impedir de ser espancado, ela apanhava no meu lugar. E aceitava ser abusada para que eu tivesse comida.
Ela fez o melhor por mim. E me amou incondicionalmente.
Mas meu pai achava que isso me enfraquecia. Ele queria me transformar no soldado ideal. No futuro Dom mais temido. Para ele, sentimentalismo não ajudava. Apesar das súplicas de Felipa, aos 8 anos fui levado para o galpão de treinamento. Lá, passei por privações de sono, comida, água. Treinava até a exaustão. Era submetido a torturas.
O lado bom? Eu não morava mais com ele.
Aprendi a ser distante. Não gosto de pessoas, nem de conversas, nem de barulho. Prefiro o silêncio. Meus únicos amigos são Klaus, meu conselheiro, e Victor, meu executor. Fora eles, só falo o necessário. Conheci os dois no galpão de treinamento, embora eles tenham tido uma vida mais “normal”.
Comecei a fazer missões aos 13 anos. Recebia cartas secretas da minha mãe, escondidas do meu pai. Foi por elas que descobri que tinha uma irmã. Nessas cartas, ela sempre perguntava como eu estava e dizia que me amava. Às vezes, ela conseguia me mandar algo diferente para comer. Pequenos gestos. Grandes pra mim.
Ela não era minha mãe biológica. Não precisava se arriscar tanto. Mesmo assim, ela me amou. E se arriscava.
Quando eu tinha 17 anos, Klaus, filho de uma das empregadas da mansão, trouxe um recado urgente da minha mãe. Ela precisava que eu tirasse minha irmã de lá. A mãe de Klaus contou que meu pai tentou abusar dela e que Felipa estava quase morta por tentar proteger minha irmã.
Foi nesse momento que eu decidi: era hora de mostrar ao meu pai que o demônio que ele criou estava pronto. E era pior que ele.
Com a ajuda dos meus amigos, fiz uma limpeza. Eliminei todos que não eram leais a mim. Dei ao meu pai a recepção que o inferno poderia oferecer. Até que ele não aguentou mais... e morreu.
Quando cheguei à mansão, minha mãe estava quase sem vida. Em seu último pedido, ela me fez prometer que eu cuidaria da minha irmã, para que ela nunca ficasse sozinha. Que eu a amasse. Seu último suspiro foi para me dizer que me amava.
Fiz a melhor despedida. E assumi a máfia como Dom Lorenzo Ferrari.
Continuei do meu jeito. Ainda não gosto de pessoas, nem de conversas. Só o básico, só o necessário. Aprendi a ler as pessoas. E nesse meio... só tem gente falsa, fingindo cortesia por interesse próprio.
Não ligo pra interação social. Só participo de reuniões ou eventos se não houver outra opção. E só fico até resolver o que precisa ser feito.
Capítulo 2 – Filhote de Bicho-Preguiça
Bem, a minha falta de interação acaba aí. Tive que aprender na marra a cuidar de uma criança de 7 anos que falava muito e ficava grudada no meu pé. Esse foi o pedido da minha mãe, e eu ia cumprir minha promessa. Lura é a única pessoa que tem toda a minha atenção e consegue tirar de mim algum carinho do que eu ainda lembrava ter recebido da minha mãe Filipa. Mesmo sendo criada por um ogro, como ela me chama, é a pessoa mais doce e carinhosa que eu conheço, com uma linguagem de amor baseada em demonstrações de afeto que eu tento ao máximo evitar. Mesmo tendo 21 anos, ela ainda se gruda em mim como um filhote de bicho-preguiça agarrado à mãe.
Cheguei de uma missão que tive que fazer de última hora. Era para durar três dias, mas algo saiu errado. Eu e mais dois soldados sofremos uma emboscada e ficamos quatro dias até que Victor e Klaus conseguiram me encontrar. Estamos investigando, porque descobrimos que tem algum traidor no nosso meio. Por isso, demorei mais três dias para voltar.
Chego em casa. São três horas da manhã. Está tudo apagado. Subo para o meu quarto, só quero tomar banho e dormir um pouco. Tenho que ir para a empresa amanhã e descobrir quem é o rato que acha que pode alguma coisa.
— Lorenzo, onde estava? Por que ninguém me falava nada? Por que não entrou em contato comigo? O que aconteceu? Eu pensei que ia te perder e ficar sozinha! Não pode sair só me mandando uma mensagem falando que vai viajar e que voltava em três dias... e sumir! — minha irmã grita, chorando, enquanto estou no banho. — Lorenzo, fala alguma coisa!
— Lura, deixa só eu terminar o banho e conversamos, ok? Aff...
Tomo meu banho, me seco, saio do banheiro e vejo a Lura sentada, de braços cruzados e chorando, com cara de raiva. Entro no closet e visto uma calça de moletom e uma camiseta, porque sei que o filhote de bicho-preguiça vai grudar em mim hoje.
— Ei, não precisa fazer essa cara nem chorar, tá? Eu tô aqui agora, não tô? — Sento na ponta da cama, e minha irmã pula em mim, me abraçando.
— Não me deixa sem saber onde está nunca mais — ela diz chorando, agarrada no meu pescoço. Por mais que eu não goste que me toquem, eu abraço ela até parar de chorar.
— Eu ia voltar em três dias, mas aconteceram algumas coisas que me fizeram demorar e ficar sem contato.
— O que aconteceu? Por que ninguém me falava nada? — ela me solta e fala com a sobrancelha levantada, os braços cruzados, toda brava.
— Foi um problema com um sócio... — tento dizer, mas ela me interrompe.
— Eu não sou mais criança, Lorenzo! Me fala a verdade. Se fosse só isso, você me respondia! — fala com as mãos, numa mania que me deixa agoniado, andando de um lado para o outro.
— Primeiro: para de falar com as mãos. Por que você tem que falar usando o corpo todo...? — Tento continuar, mas ela me corta de novo.
— Ogro!
— Segundo: não me interrompe. Terceiro: já falei que não quero você envolvida em nada disso. E sim, não foi problema com um sócio. Mas eu estou bem. Agora, estou cansado, quero dormir. Sai e apaga a luz. — Levanto e vou puxar a coberta para deitar.
— Posso dormir com você? Eu estava preocupada... e com saudade. — Faz um biquinho. É assim desde criança.
— Vem, filhote de bicho-preguiça, antes que eu desista.
— Ogro.
— Pirralha.
— Shrek!
— Vou te expulsar.
— Já tô dormindo. — Ela vira de costas pra mim, e eu fecho os olhos, ainda de barriga pra cima.
Capítulo 3 – Café, Cobra e Conspiração
Levanto às seis da manhã, tomo banho e me arrumo para sair, deixando minha irmã dormindo na minha cama. Dona Francisca, que trabalhava na antiga mansão e continuou comigo para ajudar com a Laura, é a única que fica na casa. Agora ela só cuida das refeições, pois Laura não é mais criança, embora se comporte como uma. Três vezes por semana, uma equipe de limpeza vem quando estou fora, para não ter muita gente me irritando, fazendo barulho e andando de um lado para o outro.
— Bom dia — digo, entrando na cozinha. Sento no balcão e começo a me servir.
— Bom dia, meu filho. Não sabia que você tinha chegado. Ainda estou preparando o café — diz ela, arrumando as coisas na mesa.
— Sem problemas. Como a Laura passou esses dias em que eu não estava?
— Ah, você conhece aquela criança… Nos primeiros dias, aproveitou que você não estava pra sair sem horário. Depois ficou preocupada com você.
— Já falei pra Laura não sair assim, que é perigoso. Mas essa menina não me escuta — fico irritado, já falei isso várias vezes.
— O menino Klaus colocou dois seguranças pra ficar com ela.
— Hum...
Termino de comer e saio. Chegando à empresa, minha secretária já abre um sorriso — sempre se insinuando, o que me deixa estressado. Só continua aqui porque foi uma troca de favor que fiz com o pai dela.
— Lorenzo, você voltou! Que bom. Não estava mais suportando ter que receber ordens do Klaus…
— Primeiro: Sr. Ferrari. Não temos intimidade. Segundo: a senhorita trabalha aqui, e se eu não estou, é ao Sr. Ricci que deve responder. E se não tem nada relacionado ao seu trabalho, pode sair da minha sala.
Falo de forma firme. Ela se desculpa e sai. Não me dou ao trabalho de olhar.
Estou concentrado no meu trabalho quando a porta se abre com força, entrando por ela o que eu chamo de “amigos”. Continuo revisando um documento.
— Por que mesmo você não pode se livrar da Ravena? Só pra me lembrar por que eu não posso matar ela — diz Klaus, se jogando na cadeira à minha frente.
— Essa implicância toda só pode ser amor — Victor ri.
— Aquela ali é uma cobra em pele de lobo.
— Não seria “lobo em pele de cordeiro”? — diz Victor, com uma sobrancelha erguida.
— Não. Ela é uma cobra mesmo — Victor começa a gargalhar. — Ei! Senhor Batman, vai continuar nos ignorando aqui?
— Não sei por que continuamos a ser seus amigos. Você só fala cinco palavras por dia — provoca Victor.
— Porque o esporte favorito de vocês é me irritar. — Paro de ler e me encosto na cadeira, encarando os dois idiotas à minha frente. — Então... conseguiram descobrir algo?
— Levei o soldado que passou as informações que fizeram você ser pego pra uma sessão de terapia, pra gente conversar — diz Victor, com um sorriso cínico. Essas “conversas” dele não são nada bonitas de se ver.
— E o que ele contou na sua sessão de terapia? — pergunta Klaus, rindo.
— Ele se abriu comigo. Disse que quem passou os comandos é alguém de fora, mas importante. E vai ganhar muito com o apoio da máfia.
Victor coça o queixo, com o olhar sombrio.
— Se é alguém de dentro da organização, é alguém com força pra ocupar a cadeira de Don. Não é qualquer um — fala Klaus, agora mais sério.
— Você ia viajar comigo. Mas na hora do embarque, deu o problema da carga e você não foi. Se o Don morre, o Consigliere assume. Sem esses dois, teríamos que escolher um dos Capo com mais apoio — digo, sem olhar pra nenhum ponto específico.
— O soldado não sabia de mais nada. Era só um peão. Não iam deixar ele saber além do necessário. Quem entrou em contato com ele foi outra pessoa, que recebeu ordens de um “fantasma”, sem nenhum rastro.
— Podemos focar em quem teria o apoio do maior grupo — diz Klaus, se inclinando pra frente e apoiando os cotovelos nas pernas. — Vai ter um leilão de alto escalão. Várias máfias vão participar, além de gente poderosa da sociedade.
É um ótimo lugar pra conseguir aliados.
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