... LORENZO/ BIANCHI ...
... ISADORA/ MARTINS ...
^^^I S A D O R A ^^^
Meu nome é Isadora Martins e, se alguém me parasse na rua para perguntar quem eu sou, eu responderia que sou uma mulher comum tentando arrumar a vida com o que tenho nas mãos. Tenho vinte e quatro anos e moro em Belo Horizonte, num apartamento pequeno no centro, com vista para prédios antigos e um pedacinho de céu que muda de cor no fim da tarde. Eu mesma escolhi cada item que mora comigo: o sofá de linho claro com manta trançada, o tapete geométrico que encontrei numa feirinha de arte, as prateleiras de madeira com meus romances favoritos e o vaso de margaridas na varanda, que teima em ficar bonito mesmo quando esqueço de regar.
Me formei em design de interiores e trabalho numa empresa que projeta apartamentos e lojas. Não é o estúdio dos sonhos com meu nome na porta, mas é o lugar onde aprendo, pago as contas e ainda coloco minhas ideias no papel. Gosto de entrar em espaços vazios e imaginar histórias para eles: uma cafeteria que acolhe o cansaço de quem chega, um quarto que vira abrigo depois de um dia pesado, uma sala onde amigos riem alto com pizza fria e copos de refrigerante. Talvez eu abra meu próprio estúdio no futuro. Por enquanto, prefiro o passo curto e firme.
Minha rotina é previsível do jeito que me acalma: acordo cedo, preparo café forte, corto frutas, passo manteiga no pão e fico uns minutos encostada na janela, olhando a cidade abrir os olhos. Depois me arrumo, prendo o cabelo e pego o ônibus com a pasta de projetos. Sempre achei que essa cadência me bastasse — e, por muito tempo, bastou. Até o Henrique cruzar o meu caminho.
Eu o conheci num evento de arquitetura, desses com música ambiente, taças de espumante e gente usando preto elegante. Eu estava meio perdida no salão, tentando achar minha chefe, quando ele apareceu perguntando se eu precisava de ajuda. Terno impecável, cabelo castanho bem penteado, relógio caro que brilhava de vez em quando sob a luz. Ele se apresentou como advogado especializado em contratos empresariais, e a conversa fluiu como se a gente já se conhecesse. Dois meses depois, começamos a namorar; um ano e meio depois, estamos noivos.
Henrique é gentil na maior parte do tempo, generoso com presentes e com conselhos. Também é ambicioso e raramente perde. Com o tempo, descobri que, às vezes, a ambição dele anda de mãos dadas com um jeito controlador, tão discreto que quase passa despercebido. Quase.
Naquela manhã, eu tomava meu café quando o celular vibrou. A tela mostrou a mensagem dele:
— Cheguei. Vou passar na empresa e, mais tarde, estou em casa, com saudade.
Um sorriso escapou antes de eu perceber. Ele tinha voltado de uma viagem a trabalho; quando fecha contratos, volta com esse brilho, uma mistura de alívio e empolgação. Digitei um “que bom, me avisa quando estiver chegando” e, antes de enviar, o celular tocou. Mariah. Só de ver o nome dela, meus ombros relaxaram.
— Oi, Isa! — ela riu, alto e livre. — Hoje à noite vou aí, não inventa desculpa, eu tô precisando te apertar — Ela estava bem-humorada.
— E se eu disser que tenho coisas pra fazer? — retruquei, tentando fazer voz séria.
— Eu ignoro — ela cantou. — Comigo não tem escapatória — disse provocativa.
— Tá bom, mas nada de surpresas estranhas — avisei, lembrando das últimas “ideias” dela.
— Sem promessas — ela deu risada, daquele jeito que faz a gente rir junto.
Desliguei com um calor bom no peito. Mariah é minha melhor amiga, minha família escolhida. A gente se encontrou na faculdade e nunca mais soltou a mão. Ela é o que falta em mim: espontânea, exagerada, intensa, faz amizade na fila da padaria e dança no meio da sala quando a música empolga. Já eu gosto de lista, calendário, planilha e previsibilidade. A gente se equilibra.
No trabalho, mergulhei num projeto de cafeteria. O dono queria um lugar claro, com plantas penduradas e cadeiras confortáveis que convidassem o cliente a ficar. Passei a manhã ajustando a planta baixa, testando prateleiras para exibir bolos e uma vitrine que abraçasse os olhos. Em paralelo, fiquei trocando mensagens com a noiva que habita em mim: o orçamento do buffet, a reserva do salão, o vestido que ainda não escolhi. Henrique sempre oferece ajuda, mas no fim prefere aprovar as coisas já encaminhadas. Diz que confia no meu gosto — e eu acredito, embora às vezes pareça que ele confia mais quando minha escolha coincide com a dele.
No horário do almoço, peguei uma marmita no restaurante da esquina e sentei com a Lígia, colega de equipe que vai casar antes de mim. Ela fala de listas gigantes e dos parentes que prometem enfeitar a cerimônia e some com a fita de cetim. Eu rio, mas entendo.
A tarde voou entre renderizações e e-mails. Quando saí, o céu estava carregado, e a brisa cheirava a chuva longe. Caminhei até o ponto com meus fones de ouvido e uma playlist que Mariah me mandou semanas atrás, jurando que cura mau humor. Funciona.
Cheguei em casa exausta, mas feliz com o dia produtivo. Coloquei uma música baixa, arrumei a sala, acendi uma vela aromática de baunilha e jasmim. Tinha alguma coisa simples e bonita na ideia de preparar a casa para quem a gente ama.
A campainha tocou perto das sete e meia. Abri a porta e o Henrique entrou, elegante como sempre, camisa branca com o primeiro botão aberto, o mesmo perfume que eu reconheceria até de olhos fechados.
— Você está linda — ele percorreu meu corpo com o olhar, sem pressa.
— Nem tirei a roupa do trabalho — respondi, dando uma giradinha sem graça.
— Mesmo assim — sorriu de canto, guardando a chave no bolso.
Ele se sentou no sofá, abriu o jornal como quem abre um escudo e fez um comentário sobre a matéria da página dois. Eu sentei ao lado, as pernas cruzadas, o corpo tentando adivinhar o humor dele.
— Você estava animado na mensagem — apoiei o cotovelo no encosto. — Alguma novidade boa?
— Fechei um contrato grande — ele inclinou a cabeça, orgulhoso. — É um passo importante pro escritório.
— Parabéns — toquei o antebraço dele, leve.
— A gente podia comemorar com vinho — levantou-se já indo à adega.
— Só uma taça — ri, lembrando que Mariah viria.
Ele voltou com a garrafa, abriu, serviu. Brindamos.
— Ao nosso futuro — ergueu a taça, encarando meus olhos.
— Ao nosso futuro — encostei minha taça na dele.
Falamos de trabalho, da viagem, de um restaurante novo que abriu no bairro vizinho. Eu contei do projeto da cafeteria, ele comentou sobre uma reunião com um cliente difícil. Quando a conversa estancou, ele olhou o relógio e avisou que precisava revisar uns documentos no escritório do corredor. Concordei com a cabeça. Já conheço esse roteiro.
— Te chamo quando terminar — ajeitou a manga.
— Ok — me afundei no sofá com minha taça.
Assim que ele fechou a porta do escritório, o celular vibrou. Mensagem da Mariah: “Chego às oito. Prepara queijo, uva e fofoca.” Ri alto. Fui até a cozinha e cortei queijo, lavei uvas, arrumei tudo numa tábua com biscoitinhos salgados. Peguei também um pote de azeitonas que ela ama e uma garrafa de água saborizada, porque ela finge que está saudável quando vem aqui.
Às oito em ponto, a campainha tocou de novo. Abri a porta e a Mariah entrou com um abraço que levantou meus pés do chão.
— Minha menina! — ela me apertou, exagerada como sempre.
— Você some e depois aparece assim, do nada — dei um tapinha nas costas dela.
— Se eu avisar muito, você inventa desculpa — ela ergueu a sobrancelha.
— Eu só invento quando tô cansada de verdade — cruzei os braços, fingindo bravura.
Ela largou a bolsa no sofá, mirou a tábua de frios e piscou.
— Isso, sim, é receber visita — sentou de pernas cruzadas no tapete.
— Senta aí, me conta do seu dia — entreguei um guardanapo.
— Caótico, como sempre — ela abocanhou uma uva. — Cliente pediu três mudanças no layout do site depois de aprovar.
— Ah, sim, a famosa síndrome do “só mais um detalhe” — revirei os olhos.
— Você ainda vai abrir seu estúdio e fugir desses e-mails sem fim — apontou pra mim.
— Um dia — apoiei o queixo na mão.
Ela me observou em silêncio por um instante, como quem lê linhas que eu não escrevi. Pegou minha mão, fez carinho no dorso.
— Como você tá, de verdade? — apertou de leve os dedos.
— Tô bem — respirei, sentindo a verdade atravessar meio tímida. — Só cansada.
— E o Henrique? — ela encostou no encosto do sofá.
— Voltou hoje. Fechou um contrato grande, tá feliz — mordi um biscoito.
— Ele anda implicando menos com as suas roupas? — ela estreitou os olhos, lembrando de discussões passadas.
— Não é implicância, ele tem opinião — ajeitei a barra da blusa.
— Opinião é uma coisa. Controle é outra — ela mordeu o queijo, sem tirar os olhos de mim.
— Ele só quer o melhor!
— E você, o que quer?
Fiquei olhando a varanda, o vaso de margaridas que resistia heroico ao tempo seco. Eu queria paz. Queria pertencer a um lugar e a mim mesma. Queria casar por amor e por escolha, não por medo da solidão. Queria amar sem precisar pedir desculpa por existir.
— Eu quero estar bem — respondi, por fim.
Ela assentiu e mudou de assunto, como faz quando entende que eu preciso de espaço para organizar a cabeça.
— O que decidiu do vestido?
— Tô entre dois — peguei o celular e mostrei as fotos. — Esse com renda nas mangas e esse minimalista, decote em V.
— O minimalista — ela apontou sem titubear. — Você é leve. Não precisa se esconder atrás de muita coisa.
— Vou marcar prova — sorri, achando graça de como ela sempre sabe.
— E a lua de mel? — ela se serviu de uvas, fazendo careta de quem vai puxar assunto sério.
— Ele quer Lisboa, eu queria Sul da Bahia. Praia vazia, água morna, pé na areia — suspirei.
— Eu voto com a noiva — ela ergueu a mão como se estivesse numa assembleia.
— No fim a gente decide — guardei as fotos de volta.
— Só não deixe a sua vontade desaparecer no meio das planilhas — ela falou baixo.
Antes que eu respondesse, a porta do escritório abriu e Henrique apareceu no corredor, ar sério, óculos no rosto.
— Não sabia que ia receber visita — ele apoiou a mão no batente.
— Eu avisei que vinha — Mariah cruzou as pernas.
— Tudo bem — ele ajeitou o óculos. — Aproveitem. Preciso terminar uma conferência.
— Quer que eu leve um café? — perguntei, buscando neutralidade.
— Não, obrigado — ele voltou a fechar a porta.
Mariah me olhou com aquele olhar que a gente conhece melhor que o próprio espelho.
A noite seguiu leve. Colocamos uma playlist antiga, dançamos de meia no tapete, rimos de histórias da faculdade. Ela contou do crush novo que conheceu na fila do pão e que não responde as mensagens no tempo certo. Eu reclamei do preço das flores para o casamento, ela jurou que daria um jeito com uma amiga florista. Em algum momento, encostamos as cabeças e ficamos quietas, o tipo de quietude que só existe entre pessoas que se amam sem precisar explicar nada.
Ela abriu a bolsa e tirou um keychain com a letra I em metal.
— Pra prender nas chaves do novo lar que você vai construir — colocou na minha palma.
— Você é ridícula — comecei a rir com os olhos úmidos.
— Ridícula e presente. — disse brincalhona.
Ficamos mais um pouco, até que ela anunciou que tinha que ir porque no dia seguinte acordaria cedo. Levantou, pegou a bolsa, me abraçou de novo.
— Se precisar, me chama de madrugada — ela tocou minha bochecha com os dedos.
— Pode deixar!
Levei-a até a porta. Ela entrou no elevador soprando beijo, e eu sorri sozinha no corredor, já com saudade adiantada.
Voltei pra sala, recolhi os pratos, levei a tábua pra cozinha. Lavei a louça devagar, água morna escorrendo pelas mãos, o corpo descansando em pé. A porta do escritório continuava fechada, a luz por baixo formava uma faixa no chão do corredor.
Apaguei as luzes da sala, deixei só a da varanda. Entrei no quarto, troquei a roupa por um pijama de algodão e prendi o cabelo num coque solto. Deitei na cama, fechei os olhos e dormi.
^^^L O R E N Z O ^^^
Meu nome é Lorenzo Bianchi e, no mundo em que eu vivo, esse nome abre portas e fecha outras.
Não é só sobrenome. É uma marca, um aviso, um peso que não se escolhe carregar, mas que se aprende a sustentar. Bianchi é sangue, é história, é poder — e também maldição.
Eu nasci no sul da Itália, filho de um homem que todo mundo respeitava, ou temia. Meu pai, Salvatore Bianchi, não era apenas o chefe da família; ele era a família.
Aprendi cedo que, quando alguém mencionava nosso nome, o tom da voz mudava. Ou vinha carregado de reverência, ou de ódio.
Minha mãe, Lucia, era o oposto dele. Doce, religiosa, acreditava que poderia me criar longe desse mundo. Mas, quando se nasce com o sangue certo — ou errado, dependendo do ponto de vista —, não existe distância suficiente. Minha irmã, Aurora também era como minha mãe, doce e uma boa filha e irmã.
Eu tinha vinte e um anos quando meu pai foi morto numa emboscada. A polícia chamou de “acerto de contas entre famílias rivais”. Pra mim, foi um dia dividido em duas metades: antes e depois de entender que a paz é uma mentira. Naquela noite, enquanto velávamos meu pai, jurei a mim mesmo que nunca mais ficaria do lado de quem espera.
Desde então, deixei de ser apenas Lorenzo. Me tornei o capo da família Bianchi.
A transição não foi suave. Tive que engolir desconfianças, conquistar respeito e, às vezes, impor medo.
Negócios legítimos? Temos vários: construtoras, hotéis, empresas de exportação de vinho. Mas as raízes, essas são mais profundas.
Tráfico de armas, rotas clandestinas, lavagem de dinheiro. É assim que o poder se sustenta.
Não porque eu goste do crime, mas porque nesse mundo não existe trono vazio. Ou você senta nele ou alguém senta no seu lugar.
Hoje, anos depois, aprendi a usar ternos caros e relógios de ouro sem que isso me distraia do que realmente importa: controle.
Controle do meu território, dos meus homens, das informações que circulam, das alianças que formo e, principalmente, das que recuso.
E é exatamente isso que está acontecendo agora.
Estou sentado na ponta de uma mesa comprida, em uma sala com janelas de vidro que revelam a cidade lá fora. A noite caiu, e as luzes dos prédios competem com o brilho da lua. Ao meu redor, meus homens de confiança: Matteo, meu braço direito, meu consigliere; Enrico, especialista em finanças; e dois seguranças que raramente falam.
Na outra ponta, Alberto Russo.
Um homem gordo, sorriso fácil demais para o gosto de qualquer um que já viveu o suficiente pra saber que sorriso assim é máscara. Ele é dono de uma rede de cassinos clandestinos. Inteligente, sim. Mas traiçoeiro. O tipo de homem que aperta sua mão hoje e, amanhã, vende sua cabeça pelo melhor lance.
— Então, Lorenzo… — Alberto começa, encostando-se na cadeira. — A proposta está aí. Um negócio limpo, rápido e muito lucrativo.
Cruzo os dedos sobre a mesa e mantenho o olhar nele.
— Lucro não é tudo.
— Claro que é — ele ri, abrindo os braços como se fosse óbvio. — O que mais importa além do dinheiro?
Enrico solta um riso abafado, mas Matteo me lança um olhar rápido, esperando minha reação.
A verdade é que Alberto não entende — ou finge não entender — que dinheiro, sem poder e sem controle, é só papel. E que eu não negocio com quem já me apunhalou pelas costas no passado.
— Eu já disse que não vou entrar nisso — minha voz é firme, sem precisar aumentar o tom.
— E eu já disse que você está recusando a chance de dobrar seu patrimônio — ele se inclina para frente, o suor brilhando na testa. — Posso garantir que ninguém mais vai te oferecer algo assim.
— Está enganado — encaro-o, imóvel. — Eu não vendo minha lealdade.
O silêncio cai pesado sobre a sala. Alberto força um sorriso, mas os olhos denunciam a raiva.
Ele tenta me medir, como se ainda houvesse espaço para convencer.
— Então é por isso… — ele murmura, quase para si. — Você ainda guarda rancor pelo que aconteceu com seu pai. Para com isso, foi passado e eu mudei bastante. Aprendi com meus erros.
Minha mandíbula trava. Matteo, ao meu lado, muda de postura, pronto para agir se necessário.
Alberto está testando meus limites, cutucando feridas que não fecham.
— Não é rancor — respondo devagar, a voz baixa. — É memória. E memória é o que mantém um homem vivo nesse mundo. E depois, traidores como você, não mudam assim, tão rápido.
Ele recosta na cadeira, balança a cabeça e solta uma risada curta, sem humor.
— Sabe, Lorenzo, às vezes acho que você prefere inimigos a aliados.
— Prefiro aliados que não tentem me matar quando a maré vira — retruco, sem piscar.
O clima na sala muda.
Enrico ajeita os papéis à sua frente, como se quisesse encerrar o assunto. Matteo permanece imóvel, mas sei que está atento a cada movimento.
Alberto tenta mais uma cartada.
Abre uma pasta de couro e desliza para o meu lado da mesa um envelope grosso, pesado.
— Pense nisso como um presente de boa fé.
Olho o envelope, mas não toco nele.
— Tire isso da minha mesa.
— É só dinheiro… — ele força um tom conciliador.
— Dinheiro não compra o que eu quero — levanto-me, ajustando o paletó. — E, no seu caso, não compra minha confiança.
Matteo pega o envelope e o devolve para Alberto, que o encara por um segundo antes de guardá-lo, sem disfarçar a irritação.
Levanto-me, sinalizando que a reunião acabou.
— Se quiser continuar respirando tranquilo, mantenha-se fora dos meus negócios — falo antes de me virar para sair.
Meus homens se levantam junto, e a sala ecoa o som das cadeiras raspando no chão. Alberto permanece sentado, olhando para o vidro à sua frente, talvez calculando quanto tempo tem antes que eu decida que ele não merece mais estar vivo.
Ao sair, Matteo me acompanha pelo corredor.
— Acha que ele vai tentar alguma coisa?
— Ele sempre tenta — respondo. — A questão é quando. Vamos ficar de olho.
No elevador, a tensão se dissolve um pouco.
As portas se abrem para a garagem privativa, onde dois carros nos aguardam. Entro no meu Maserati preto, coloco o cinto e ligo o motor.
Enquanto dirijo pelas ruas iluminadas, penso no que aquela reunião realmente significou.
Não foi só uma recusa. Foi um recado.
No meu mundo, recusar uma oferta é o mesmo que declarar guerra, mesmo que ninguém use essa palavra. E eu não me importo, eu já nasci em guerra.
^^^I S A D O R A^^^
Uma semana se passou desde que os últimos detalhes do meu casamento ficaram prontos.
Lista de convidados fechada, flores escolhidas, vestido ensaiado pela última vez. Agora só me restam dois dias até dizer “sim” e oficializar o que, na minha cabeça, já parecia certo há muito tempo.
Estou sentada na minha mesa do trabalho, com o computador ligado, mas meus olhos estão presos no brilho da aliança no meu dedo. Gosto de girá-la devagar, sentindo o metal liso deslizar pela pele. Um gesto simples que me faz sorrir sozinha, como se fosse uma menina sonhando acordada.
— Esse contrato é seu mesmo? — Lígia, minha colega de equipe, interrompe meu devaneio.
Pisco algumas vezes, voltando para a realidade.
— Claro… só estava… revisando mentalmente — invento, rindo.
Ela revira os olhos.
— Revisando o futuro, né? Porque sua cabeça já está no casamento.
Dou de ombros, tentando esconder o fato de que ela não está tão errada assim.
Hoje à noite teremos um jantar importante para comemorar mais um contrato que o Henrique conseguiu fechar. Esses eventos são quase rotina pra ele, mas, para mim, ainda soam como algo formal demais.
O dia no trabalho se arrasta entre planilhas e plantas de projetos. Quando finalmente o relógio marca seis horas, desligo o computador e guardo minhas coisas na bolsa. Desço para a rua sentindo o ar mais fresco do final da tarde, um contraste bom com o ar-condicionado gelado da empresa.
No caminho de volta, penso nos últimos dois dias que me separam de mudar de sobrenome. Tento imaginar a cerimônia, a música, a nossa primeira dança. A imagem é bonita, mas também me causa um peso no peito que não sei explicar. É uma ansiedade, um frio bom na barriga.
Quando chego ao prédio, cumprimento o porteiro e subo. Assim que entro no apartamento, percebo que Henrique também acabou de chegar — o paletó jogado no encosto do sofá entrega. Ouço o som da água caindo no banheiro. Deixo minha bolsa na poltrona e caminho até o quarto, tirando os sapatos. A porta do banheiro está entreaberta, e o vapor escapa como um convite. Empurro devagar e entro.
Henrique está debaixo do chuveiro, a água escorrendo pelo corpo, os cabelos escuros colados à testa. Ele me olha pelo reflexo no box e sorri de leve.
— Não ouvi você chegar — a voz dele é baixa, quase indiferente.
— Resolvi vir de fininho — respondo, fechando a porta atrás de mim.
Tiro minha blusa, depois a calça, e entro no box. A água quente me envolve como um abraço, e aproximo-me para pegar o sabonete líquido. Espalho nas mãos e começo a passá-lo pelos ombros dele, descendo pelos braços firmes.
Ele me observa em silêncio, e continuo o movimento, agora pelas costas largas, sentindo a tensão acumulada nos músculos. Me inclino para beijar o ombro molhado, o gosto da água misturando-se ao perfume amadeirado dele.
— Está nervosa para o jantar? — pergunta, sem emoção.
— Um pouco. Mas nada que um banho não resolva.
Meu toque desce pelo abdômen, e sinto o corpo dele reagir, mas o olhar continua distante. É como se estivéssemos juntos apenas fisicamente.
Ainda assim, ele me puxa para mais perto, a água escorrendo entre nossos corpos. Minhas mãos deslizam pelas costas dele enquanto as dele seguram minha cintura.
O que começou como um simples banho se transforma lentamente em algo mais. Ele me vira, encostando-me na parede fria do box, e me beija com firmeza. A combinação entre a água quente e o vidro gelado arrepia minha pele.
Suas mãos exploram meu corpo, mas não há urgência apaixonada — apenas movimentos calculados, quase mecânicos. Ainda assim, cedo ao momento, fechando os olhos e deixando que ele conduza. O vapor embaça tudo ao redor, e por alguns minutos me esqueço do mundo lá fora.
Sua boca percorreu meu pescoço em movimentos rápidos, quase impacientes, enquanto suas mãos desciam com a mesma determinação até o centro da minha böcëta, onde seus dedos brincaram com meu clitóris, enquanto ele se ajeitou atrás de mim.
O corpo colando ao meu, o ritmo da respiração contra minha pele. A pressão das mãos na minha cintura aumentou, como se quisesse me manter ali, imóvel, sob o controle dele. Meus dedos se fecharam no vidro do box, tentando buscar algum apoio enquanto ele se encaixava, guiando os movimentos sem dizer uma palavra. Era um contato intenso, urgente, mas sem doçura, como se fosse apenas uma necessidade física a ser cumprida.
O corpo reagia, mas a mente registrava cada detalhe: o jeito que ele me segurava, a força nos dedos e a falta de palavras. A cada segundo, ficava mais claro que ele estava presente só no corpo, e que, por mais próximo que estivesse, a distância entre nós nunca pareceu tão grande.
Quando terminamos, ele se afasta primeiro, pegando a toalha. Eu fico mais alguns segundos debaixo da água, tentando entender por que o que acabamos de viver, apesar de íntimo, pareceu tão distante. Eu não queria pressioná-lo, acredito que esteja nervoso e ansioso pelo casamento, pelos negócios e o jantar dessa noite. É compreensível que ele esteja assim. São tantas coisas que estão acontecendo rápido demais e em pouco tempo, estou aqui para apoiá-lo e não enche-lo de perguntas, ou bancar a mulher estérica.
Saio, seco-me rapidamente e vou para o quarto. Abro o closet e começo a escolher a roupa para o jantar. Quero algo elegante, mas sem parecer que estou tentando demais.
Opto por um vestido midi de seda azul-marinho, ajustado na cintura e com um decote discreto em V. O tecido desliza pela pele com suavidade, acompanhando cada movimento. Para os pés, escolho uma sandália de salto fino nude, com tiras delicadas que se cruzam no tornozelo.
No espelho, começo a maquiagem. Uma base leve, iluminador nas têmporas, sombra marrom esfumada e máscara de cílios para abrir o olhar. Finalizo com um batom nude rosado.
Prendo o cabelo em um coque baixo elegante, deixando algumas mechas soltas para suavizar o rosto. Coloco brincos de pérola e uma pulseira fina de ouro, presente da minha mãe.
Quando termino, Henrique já está pronto, sentado na poltrona com o celular na mão. Ele veste um terno preto impecável e uma gravata azul que combina com meu vestido. Levanta-se, me olha de cima a baixo e apenas comenta:
— Está bonita.
— Obrigada — respondo, com um sorriso que ele não retribui totalmente.
Pegamos nossas coisas e saímos, o som dos saltos ecoando pelo corredor até o elevador. O carro nos espera na garagem.
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