Foi no ano 2000 que tudo começou. O que parecia ser apenas mais um marco numérico no calendário revelou-se o início de um desastre global que ninguém poderia prever. Aventuras, lendas e tragédias se entrelaçaram quando as primeiras pirâmides negras começaram a surgir misteriosamente. A princípio, eram consideradas anomalias geológicas – monumentos sombrios e imponentes, contrastando com a areia dourada do Egito. Mas logo uma verdade perturbadora veio à tona: elas eram muito mais do que pedras empilhadas. Eram dungeons.
Exploradores, movidos pela curiosidade ou ganância, começaram a se aventurar dentro delas. Muitos entravam. Poucos saíam. A pirâmide negra, a maior de todas, tornou-se o centro das atenções desde os primeiros meses. Pequenas pirâmides ao seu redor funcionavam como entradas para ela, formando um complexo labiríntico. Quem conseguia sobreviver aos perigos que espreitavam lá dentro não saía apenas com cicatrizes, mas também com recompensas que pareciam saídas direto de histórias de ficção. Recompensas que mudavam a vida de quem as obtinha.
E então, o mundo mudou. Porque o impossível foi provado real: poderes existiam. E estavam ao alcance daqueles que fossem escolhidos pelo enigmático Tutor das dungeons. Completar uma dungeon significava receber um Ring, um anel que conferia habilidades extraordinárias, únicas, moldadas pela própria essência do portador. Mas os segredos do Ring só eram revelados no final, através de uma pedra ancestral que detalhava sua habilidade especial. Cada dungeon, uma nova oportunidade. Cada sobrevivente, uma lenda. Assim nasceram as "Dungeon Rings", como passaram a ser conhecidas no consenso mundial.
No entanto, havia uma regra cruel: apenas uma dungeon existia por vez. Quando uma era completada, outra surgia em algum lugar do planeta. Os anos se passaram, e as dungeons se tornaram parte do novo normal. Agora, 22 anos depois que a primeira apareceu, a história nos leva ao Brasil, onde um jovem chamado Asani está prestes a descobrir que seu destino está intrinsecamente ligado a esse mundo de perigos e maravilhas.
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O perfume do café fresco se espalhava pela cozinha de uma casa modesta de dois andares. Eram sete horas da manhã, e o relógio de pulso no braço de uma mulher marcava o tempo com precisão implacável. Ela ajeitou os pratos na mesa com o cuidado de quem faz isso todos os dias, mas sua mente estava alheia ao ritual. Os cabelos ruivos, num tom desbotado que lembrava chamas apagadas, contrastavam levemente com sua pele clara. Apesar de sua baixa estatura, havia nela uma presença que deixava claro que ser mãe era um ofício que dominava.
- Vem tomar café, Asani! - chamou ela, a voz firme, mas carinhosa.
Do andar de cima, passos apressados ecoaram. A porta do quarto abriu com um estalo, e um garoto de 16 anos surgiu, carregando uma mochila já pendurada no ombro. Ele descia as escadas com pressa, o cabelo preto e comprido ainda desalinhado, mas os olhos castanhos estavam despertos. Seu uniforme escolar estava impecável, denunciando que ele tinha uma rotina quase militar. Afinal, ele já havia feito suas flexões matinais – três séries de quinze – antes mesmo de descer para o café.
- Já tô indo! - respondeu ele, a voz ainda carregada pelo sono.
A mãe observou enquanto ele passava pela cozinha como um furacão. Ele pegou o pão com maionese, queijo e peito de frango que estava no prato e deu uma grande mordida.
- Você precisa se alimentar direito, Asani. Se quiser, te levo de carro para a escola - insistiu ela, o tom preocupado.
Asani sorriu, com a boca cheia.
- Tá tranquilo, mãe. Preciso me exercitar mais. Eu compro algo depois - disse ele, já saindo pela porta.
No quintal, um pastor alemão levantou as orelhas ao vê-lo. O cão abanou o rabo com entusiasmo, esperando por um carinho ou, ao menos, um olhar de reconhecimento. Mas o garoto passou direto, absorto em seus pensamentos. O animal, desapontado, sentou-se diante do portão, observando seu dono até que ele desaparecesse na esquina.
- Bom dia, Asani! - chamou uma voz familiar.
Era Léo, seu vizinho e colega de sala. Ele estava parado na calçada, os cabelos ruivos brilhando sob o sol da manhã e os olhos azuis reluzindo com uma energia que parecia ilimitada. Ele estendeu a mão, cumprimentando Asani com um aperto firme.
- Opa, Léo - respondeu Asani, retribuindo o gesto.
Enquanto caminhavam juntos em direção à escola, Léo lançou uma pergunta que quebrou a monotonia da manhã.
- Ei, Asani, o que você acha da gente ir naquela dungeon? Aquela que tá aqui perto faz mais de um ano?
Asani parou por um instante, o olhar fixo no amigo. A ideia parecia absurda, mas o rosto de Léo estava sério. Ele não estava brincando.
- Sei não, Léo... Parece perigoso. Ninguém completou essa dungeon em um ano inteiro. Você sabe disso. Se entrarmos, podemos morrer - respondeu Asani, tentando conter a preocupação na voz.
Mas Léo não parecia nem um pouco abalado.
- Ah, qual é! Bora depois da aula? - insistiu ele, sorrindo como se fosse um convite para ir ao shopping.
- Depende. Só se eu estiver com vontade de morrer - respondeu Asani, com sarcasmo.
- Isso, mano! Que? Morrer? - Léo riu, pulando de alegria antes de voltar ao tom sério.
A caminhada dos dois diminuiu o ritmo. A escola, que antes parecia urgente, agora era apenas um destino secundário.
- Tô falando sério, Léo. Se formos, é pra morrer. Ninguém saiu daquela dungeon vivo até agora.
- Que nada, cara! A gente é forte. Confia! - respondeu Léo, com a confiança de quem ainda não sabia o peso de suas palavras.
Asani balançou a cabeça, exasperado.
- Bora logo pra aula. Não quero ficar falando sobre isso agora. Eu mal acordei.
Mas Léo não desistia.
- Certo, confirmado então! - disse ele, animado.
- Confirmado o quê? - Asani estreitou os olhos.
- Que a gente vai, ué! Já viu os caras que saem dessas dungeons? Eles são monstros, mano! Todo-poderosos! Não quer ser igual a eles?
- Os Ringers? Quero, mas...
Léo interrompeu, com um brilho nos olhos.
- Então bora! Sem "mas", "no entanto", "entretanto", ou "todavia". Só bora!
Asani suspirou, derrotado. Não respondeu mais nada. Apenas continuou caminhando em silêncio, enquanto a sombra da decisão pairava sobre ele.
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O sinal do recreio soava como um alívio para a maioria dos alunos, mas não para Asani. Durante os curtos 15 minutos de intervalo, ele não trocou uma única palavra com Léo. Entre eles, o silêncio era mais eloquente do que qualquer conversa: "Não conte isso para ninguém". O clima entre os dois era tenso, mas a tensão mal teve tempo de se dissipar antes que Lara entrasse em cena.
Lara, sempre inquieta, aproximou-se de Asani, os longos cabelos negros balançando com o movimento apressado.
- Fez? - perguntou ela, a expressão carregada de preocupação.
- Fez o quê? - respondeu Asani, sem qualquer interesse.
- O que mais? O trabalho! - insistiu ela, cruzando os braços.
- Que trabalho, garota? - retrucou ele, arqueando a sobrancelha.
- Idiota! Não me diga que você não fez! Eu te avisei ontem! - A voz dela subiu uma oitava, enquanto o desespero começava a transparecer. Na noite anterior, ela havia jogado toda a responsabilidade do trabalho em cima dele para ir a uma festa. Agora, a ideia de ser punida pela professora fazia seu estômago se revirar.
Asani deu um sorriso sarcástico.
- Por que eu faria tudo sozinho?
- Ah, não! É pra próxima aula, você sabe disso! Por que não fez? - Lara levou a mão à cabeça, tentando pensar em uma solução.
- Óbvio que eu fiz, festeira. Mas fica avisada: essa foi a última vez que eu fiz o trabalho inteiro sozinho! - disse ele, com um tom de vingança velada.
Lara suspirou de alívio, o rosto se iluminando.
- Ufa, você me salvou! - exclamou, abrindo os braços para abraçá-lo.
Mas Asani foi mais rápido, estendendo a mão e segurando-a pela testa, impedindo o abraço. Antes que ela pudesse protestar, o sinal para o fim do recreio ecoou pelos corredores, obrigando todos a voltarem para a sala.
Com 27 alunos espremidos dentro da sala de aula, o clima era de pura impaciência. A manhã avançava lentamente, e o cansaço já se fazia presente. Asani estava distraído, mas Léo, como sempre, não sabia ficar em silêncio.
- Essa aula tá demorando pra acabar. Será que é porque a gente vai pra dungeon? - sussurrou Léo, inclinando-se em direção a Asani.
- Já não disse pra não falar disso durante a aula? - retrucou Asani em um tom baixo e irritado.
O sinal do final da aula finalmente soou, trazendo alívio. Enquanto os outros alunos se apressavam para sair, Léo estava inquieto. Ele empurrou sua cadeira para trás com um movimento exagerado e deu um leve soco no bíceps de Asani.
- Bora, Asani! Tô muito animado pra isso! - exclamou Léo, quase pulando de empolgação.
- Ei, isso dói, sabia? - reclamou Asani, esfregando o braço. - Deixa eu guardar o material antes, e nem vem com essa de que eu sou sempre lento. Vou colocar no armário da sala.
Antes que Léo pudesse responder, Lara apareceu na porta da sala. Ela tinha uma presença marcante, com os cabelos pretos longos e a pele morena que parecia brilhar sob a luz fraca. Era a melhor amiga de Léo, mas Asani sempre dizia que ela parecia mais uma namorada do que uma amiga.
- Bora pra onde? - perguntou Lara, os olhos semicerrados, desconfiada.
Léo, rápido como sempre, respondeu com uma desculpa pronta.
- Nós vamos treinar na academia! Fortalecer o bíceps do Asani, sabe? - disse ele, tentando soar casual.
Lara estreitou os olhos.
- Até parece! - respondeu ela, cruzando os braços.
- Como assim? Acha que eu, seu melhor amigo, mentiria pra você? Tá fazendo pouco caso de mim, sabia?! - Léo fingiu indignação, cruzando os braços.
- Sim, você tá mentindo. Te conheço há sete anos, Léo. Nem precisaria de todo esse tempo pra perceber que você tá inventando. Então me falem a verdade. - Lara começou a cutucar o peito dele com o dedo indicador, claramente irritada.
- Nós vamos para a dungeon - disse Asani de forma seca e direta, cortando qualquer tentativa de Léo de continuar mentindo.
Léo caiu no chão dramaticamente, as mãos sobre a cabeça.
- Nãooooo! Como ousa, Asani?! - resmungou ele, triste e derrotado.
Lara ficou estática por um momento, tentando processar o que acabara de ouvir. Então, a raiva tomou conta.
- Por que vocês vão pra lá? Não faz sentido! O Asani nem gosta de dungeons e você, Léo... bem, você é fraco! - disse ela, olhando diretamente para os dois.
- Quero ter poder. Cansei de estudar - respondeu Asani, a voz fria, sem emoção, como se estivesse falando sobre o tempo.
Antes que ele pudesse reagir, Lara caminhou até ele e deu um tapa firme em seu rosto.
- Mentiroso! Como pode dizer isso? Você ama estudar! Vocês estão brincando comigo, né? - gritou ela, encarando-o com intensidade.
Asani passou a mão pelo rosto, ainda sentindo o ardor do tapa.
- Vamos, Léo. Tô com pressa. E, aliás, doeu, Lara. - Ele pegou a mochila e jogou-a no canto da sala antes de sair.
Enquanto caminhava para fora, Léo ficou para trás por um momento. Ele hesitou, mas então se virou para Lara, o rosto vermelho.
- Tchau, Lara. Se eu morrer, saiba que eu sempre te amei. Nunca me declarei porque não queria perder a amizade... mas eu te amo! - disse ele, antes de sair correndo, visivelmente envergonhado.
- Que declaração horrenda, mano - zombou Asani, o humor mudando de frio para sarcástico.
- Ah, cara, eu não tinha opção! Era isso ou nada! - respondeu Léo, ainda tentando se recuperar.
- Eu ficaria com o nada. - Asani riu. - Quanto você tem? Tô morrendo de fome.
- Folgado! Acabei de me declarar, podendo ser a última vez que a gente se vê, e você tá pensando em comida?
- Se você morrer, não vai mudar nada pagar uma comida pra mim, entendeu?
- Você tá me manipulando, né? - Léo estreitou os olhos.
- E se eu estiver? - Asani sorriu de canto, com ar de malandro.
- Seu sacana!
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Pouco tempo depois, os dois estavam em frente a uma pequena conveniência perto da dungeon.
- Nessa loja a comida é barata - comentou Asani, atravessando a rua sem usar a faixa de pedestres.
- Ok, mas espera aí... Você não passou na faixa - resmungou Léo, acompanhando-o.
- Nem você. - Asani deu de ombros.
Saíram da loja com sacolas cheias de comida. Enquanto caminhavam, Léo suspirou.
- Se pensar bem, a gente nem almoçou, né?
- Pois é. Sem perder tempo. Bora. - Asani saiu correndo, deixando Léo para trás.
Ao chegarem diante da imponente dungeon, uma construção parecida com as pirâmides do Egito, mas negra como a noite e com 400 metros de altura, Léo parou, boquiaberto.
- Uau... Nunca pensei que fosse tão grande... tão bonita. Bora entrar?
- Deixa eu terminar meu Cri-Crí primeiro - respondeu Asani, colocando um punhado de amendoim com açúcar na boca.
Antes que pudessem entrar, um idoso surgiu correndo atrás deles, os braços agitados.
- Ei, garotos! O que estão fazendo aqui? - gritou ele, alarmado.
- Bora, Asani! - gritou Léo, empurrando o amigo para dentro da dungeon.
- Nãooo, meu Cri-Crí... - lamentou Asani, enquanto os dois desapareciam na escuridão.
O velho suspirou, frustrado.
- Tinha que ser adolescentes... Esses idiotas vão perder até as comidas. - Ele balançou a cabeça, voltando pelo mesmo caminho.
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Dentro da dungeon, a escuridão quase dominava, mas havia uma iluminação fraca e misteriosa que parecia emanar das próprias paredes. Asani e Léo perceberam rapidamente que não estavam mais com seus uniformes escolares. Em vez disso, vestiam trapos velhos, esfarrapados e cobertos de poeira. Seus relógios, comidas e pertences havia desaparecido; apenas seus corpos permaneciam, agora trajando vestimentas rústicas que pareciam de outra era.
A porta pela qual havia entrado sumira, deixando-os isolados. Acima deles, a escuridão era total, como se não houvesse teto, mas a falta de luz impedia qualquer confirmação. O ar estava denso, carregado com um cheiro úmido e levemente metálico, sugerindo um perigo iminente.
- Minhas roupas, cadê? - perguntou Léo, alarmado, enquanto olhava ao redor.
- Cadê minhas comidas? - replicou Asani, perplexo e frustrado.
- Não acredito... - ambos disseram simultaneamente, suas vozes ecoando pelas paredes.
- Nossas roupas foram trocadas por esses trapos - Léo constatou, tentando entender o que estava acontecendo.
- Mas... minha fome sumiu. Será que é porque perdi minhas comidas ou essas dungeons têm algum efeito estranho? - ponderou Asani, confuso, enquanto olhava para suas mãos vazias.
De repente, Léo apontou com um dedo trêmulo:
- A...sa...ni! Olha aquilo!
No chão, espalhados de maneira desordenada, havia ossos humanos. Eram visivelmente frescos, com um brilho sinistro que refletia a pouca luz disponível. O medo se estampou nos rostos dos dois amigos, afinal, essa era a primeira vez que viam ossos humanos.
- Não faz nem dois meses - uma voz sombria os interrompeu, surgindo das sombras.
- Aaaaaaaaaa - ambos gritaram, caindo no chão de susto, seus corações disparados.
Um ser estranho, com aparência de um boneco branco musculoso, olhos negros e profundos e uma boca assustadoramente grande, apareceu atrás deles.
- Quem morre aqui vira osso na hora, é para evitar o mau cheiro. Aliás, querem um Tutor para cada ou só um já tá bom? - perguntou a criatura, com um sorriso perturbador que fez seus rostos se contraírem de medo.
- Claro que não, já pensou eu me assustar de novo? - disse Léo, tentando disfarçar o terror que sentia.
- Tutor?? - perguntou Léo, confuso, tentando entender o que estava acontecendo.
- Sim, Tutor. Eu faço a introdução da dungeon, respondo perguntas, atualizo vocês sobre a dungeon e, o mais importante, dou as provas para vocês.
- Como assim? - perguntou Léo, ainda confuso.
- Sou o... Tutor, simples assim - respondeu a criatura, com um tom quase condescendente.
- Cadê minhas comidas? - perguntou Asani, a raiva começando a dominar o medo.
- Estão comigo - respondeu o Tutor, com uma tranquilidade perturbadora.
- Então devolve! - exigiu Asani, estendendo a mão.
- Claro que não. Apenas seus corpos entram nas dungeons. Nem mesmo os que têm um Ring podem usar o poder dele aqui dentro. O Ring pode entrar, mas o poder não funciona aqui. Legal, né? - explicou o Tutor, com um sorriso malicioso.
- Meu Cri-Crí... tô com fome - resmungou Asani, estendendo o braço em um pedido silencioso pelo seu amendoim.
- Não minta para mim, ninguém passa fome aqui dentro - respondeu o Tutor, com um olhar penetrante.
- Entendi, mas o Cri-Crí é sagrado - Asani fez cara de emburrado - Se eu sair, recebo meu Cri-Crí?
- Só pode sair daqui quando completar os desafios da dungeon - explicou o Tutor.
- Qual o Ring que a gente recebe no final dessa dungeon? - perguntou Léo, tentando entender os riscos e recompensas.
- O nome do Ring é "Volta-Time", gostaram do nome? - respondeu o Tutor, com um sorriso enigmático.
- Não entendi - disse Asani, voltando a ser sério, enquanto tentava decifrar o que o Tutor queria dizer.
- Não posso dizer mais nada além disso - o Tutor levantou a mão esquerda com o indicador apontando para cima - Continuem andando e receberão o Ring depois de completarem os desafios, mesmo que ninguém tenha conseguido ainda. O caminho, vocês descobrem sozinhos. BOA SORTE! - disse ele, desaparecendo nas sombras.
A tensão no ar era perturbadora enquanto Asani e Léo trocavam olhares nervosos. Com um último olhar para os ossos no chão.
"Todos são responsáveis por suas escolhas. Até mesmo não escolher é, em si, uma escolha."
Asani e Léo avançavam pela dungeon. As paredes, cobertas de musgos exóticos que brilhavam levemente, pareciam sussurrar segredos antigos. A cada curva, o silêncio era preenchido pelo som de seus passos e da respiração irregular, até que se depararam com uma bifurcação.
Dois caminhos. Um para a esquerda e outro para a direita. Ambos mergulhavam na escuridão após alguns metros, mas cada um carregava uma história que apenas os ossos espalhados no chão poderiam contar.
Asani puxou os fios rebeldes de seu cabelo longo, tentando afastá-los do rosto. Irritado por não ter um amarrador, prendeu o cabelo na mão por um momento antes de soltá-lo, resignado. Respirou fundo, mas a tensão no ar era palpável. Ele começou a apontar alternadamente para os dois caminhos.
– U-ni-du-ni-tê... – murmurou, baixinho.
– Tá brincando? – Léo interrompeu, puxando o braço do amigo com força. – Isso não é hora pra sorteio! Precisamos pensar, analisar.
– Calma aí, senhor analítico – Asani respondeu, tentando aliviar a tensão. Ele deu um passo à frente, olhos semicerrados, examinando os dois caminhos. – Tá bom, Sherlock. Qual sua grande análise, então?
– Olha... – Léo hesitou, mas manteve o tom sério. – Ossos. O caminho da direita tá cheio deles logo na entrada. Isso pode ser um aviso.
Asani inclinou a cabeça, pensativo.
– Ou pode ser o contrário. Pode ser o caminho certo.
– E se for uma armadilha? – Léo rebateu, cruzando os braços.
– Armadilha no começo da dungeon? Improvável. Se o objetivo é chegar ao Ring no topo, o caminho certo deveria nos levar para cima. Mas... – ele fez uma pausa, observando a concentração de ossos no chão da direita. – Por que os ossos estariam aqui?
Léo franziu a testa, incomodado.
– Talvez porque quem foi por ali não conseguiu voltar.
– Ou porque enfrentaram algo assustador no outro lado e decidiram voltar por aqui – ponderou Asani, passando a mão pelo cabelo outra vez. Ele olhou para os dois caminhos como se pudesse enxergar além da escuridão.
O silêncio se estendeu por longos segundos até Asani quebrá-lo, apontando para Léo com empolgação repentina.
– Espera! Você viu o Tutor antes de entrarmos, não viu? Ele levantou a mão esquerda!
– Levantou? – Léo tentou se lembrar, seus olhos semicerrados em concentração. – É... acho que sim. Ele ficou o tempo todo com os braços abaixados antes disso.
– Exatamente. E se ele estava tentando nos dar uma dica? – Asani deu um sorriso tenso, mas esperançoso.
Léo olhou para o caminho da esquerda, ainda hesitante.
– Tá dizendo que vamos basear nossa vida nisso?
– A vida é cheia de riscos, amigo. E essa é a melhor pista que temos. – Asani deu um tapinha no ombro de Léo e começou a caminhar para a esquerda.
Os dois avançaram em silêncio. Após horas de caminhada – ou assim parecia –, o calor da dungeon começou a cobrar seu preço. Seus corpos estavam encharcados de suor, e a respiração de ambos ficou mais pesada.
– Mano, tô morto – Asani ofegou, limpando a testa com a manga. – O Tutor disse que a gente não passa fome, mas não disse nada sobre não cansar. Como vamos continuar assim?
– E se a dungeon tá testando mais do que nossa força? – Léo respondeu, a voz grave. Ele parou, olhando para a escuridão à frente. – Tá sentindo isso?
Um som distante reverberou, algo entre um sussurro e o arrastar de correntes. Os dois congelaram no lugar.
– Que diabos foi isso? – Asani sussurrou, os olhos arregalados.
– Talvez... talvez a gente tenha escolhido errado.
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Em um piscar de olhos, Asani e Léo foram lançados para dentro de um corredor estreito. À esquerda, uma porta de vidro embaçada; à direita, uma parede de cimento frio. O teto, coberto por plantas pendentes, deixava escapar gotas de água que caíam irregularmente no chão úmido.
Uma dessas gotas escorreu pelo rosto de Léo, atingindo seu olho. Ele deu um pequeno pulo, murmurando:
– Droga...
Asani olhou ao redor, a respiração acelerada.
– Que lugar é esse? – perguntou, enquanto passava os dedos pela parede úmida, tentando encontrar alguma pista.
Quando ele se aproximou da porta de vidro, percebeu uma figura indistinta do outro lado. De repente, um estrondo. Uma mão bateu violentamente contra o vidro, fazendo os dois recuarem instintivamente. A silhueta pressionava a testa contra o vidro.
– Pensa fora... pensa em mim! – gritou a pessoa, a voz carregada de desespero.
O som ecoou pelo corredor, gelando o sangue dos dois. Léo deu um passo à frente, hesitante.
– O que você disse?
Antes que pudesse obter uma resposta, um estampido alto rasgou o ar. Um tiro.
Asani e Léo ficaram paralisados enquanto o corpo da pessoa do outro lado do vidro se arqueava para frente. Mais tiros seguiram, ecoando como trovões, até que a figura desabou no chão. Os dois apenas olhavam, boquiabertos, enquanto os olhos tremiam, capturando cada detalhe do horror. Pela primeira vez em suas vidas, haviam visto alguém morrer.
O tempo parecia desacelerar. Seus músculos travaram, as mãos tentaram se fechar, mas estavam rígidas. De repente, o sangue que encharcava o chão desapareceu, junto com o corpo. Tudo o que restava eram ossos.
Sem aviso, a porta de vidro se abriu com um ranger seco, expondo um caminho sombrio. Do teto, uma voz grave reverberou pelo corredor:
– Vocês têm duas chances. Errem... e terminarão como a última pessoa que esteve aqui.
O medo era palpável. Léo passou a mão pelo rosto suado, tentando disfarçar o tremor que dominava seu corpo.
– Fudeu... a gente vai morrer!
Asani segurou o ombro do amigo, apertando com força.
– Foi você quem quis vir, então cala a boca e pensa.
A voz continuou, indiferente à conversa:
– Este é o desafio especial. Apenas uma pergunta será feita. Qual a cor do céu?
Os dois se entreolharam, incrédulos. Léo foi o primeiro a reagir, levantando o dedo como se estivesse na escola:
– Azul?
Um silêncio desconfortável preencheu o corredor. Depois de alguns segundos, a voz ecoou novamente:
– Por que está perguntando?
Léo franziu a testa, irritado.
– Você não disse que faria só uma pergunta, seu idiota assassino?!
A voz riu, um som baixo e cruel.
– Eu poderia matá-lo agora por sua insolência. Mas não o farei. A pergunta é simples: qual a cor do céu?
Asani puxou o braço de Léo, tentando acalmá-lo.
– Não tem cor – respondeu Asani, com uma voz firme.
– Sua afirmação está errada – retrucou a voz imediatamente.
Léo começou a murmurar, relembrando as palavras da mulher que havia morrido.
– "Pensa fora... pensa em mim..." E se for uma pista?
– Léo, ela está morta! – rebateu Asani, o tom impaciente.
– E se ela não tivesse dito algo tão óbvio porque... sei lá, ela queria nos ajudar de outro jeito?
Léo deu um passo à frente e gritou para o teto:
– Vermelho! O céu hoje é vermelho!
Asani arregalou os olhos e rapidamente agarrou o amigo em um mata-leão, tentando silenciá-lo.
– Você tá louco?! Cala a boca, idiota!
A voz pausou, como se estivesse considerando a resposta.
– Por que vermelho?
Léo, com o rosto pressionado pelo braço de Asani, gritou:
– Porque hoje um inocente morreu! E você sabe disso, seu assassino!
O silêncio que se seguiu foi quase insuportável. Então, a voz finalmente respondeu:
– Se acalmem. Vocês passaram. Estão vivos.
Léo soltou um suspiro trêmulo, mas Asani ainda mantinha o aperto firme.
– E ela? – perguntou Asani, a voz carregada de fúria e desespero. – Ela morreu por nada?
A voz respondeu, sem emoção:
– Ela não era ninguém. Eu a criei. Esse desafio era apenas um teste.
Asani soltou Léo, os olhos brilhando de raiva e confusão. Ele olhou para o lugar onde o corpo havia caído momentos antes, mas tudo o que restava era o vazio.
– Apenas um teste... – Asani murmurou para si mesmo, com as mãos cerradas em punhos.
– E agora? – perguntou Léo, olhando para o amigo.
A porta à frente deles se abriu com um ruído agonizante. Eles sabiam que tinham que seguir em frente, mas algo havia mudado. Esse teste não era apenas sobre respostas. Era sobre como cada passo deixaria uma cicatriz em suas almas.
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Num piscar de olhos, Asani e Léo aparecem em movimento, quase tropeçando ao virar uma curva em um longo corredor.
– Finalmente! Chegou alguém... NÃO! Chegaram DOIS! – gritou um homem de longe. Sua voz ecoava, carregada de alívio e excitação. A barba desgrenhada e suja era sua marca mais notável, sinal de meses sem cuidado.
Logo, um coro de vozes irrompeu de trás de uma grande porta. Homens e mulheres sujos, exaustos, mas subitamente animados, gritavam e comemoravam.
– Uhuuul! Finalmente!
Léo olhou ao redor, confuso.
– O que é isso? – perguntou ao homem barbudo que havia gritado.
O homem se aproximou correndo, lágrimas brilhando em seus olhos. Ele falava rápido, quase sem respirar.
– O desafio número um precisa de 200 pessoas. E olha só, AGORA temos 200! Cara, eu tô tão feliz! Já faz... já faz muito tempo que estou aqui!
Uma lágrima escorreu por seu rosto, limpando a sujeira acumulada e deixando uma linha nítida de pele limpa. Ele riu, mesmo entre soluços de emoção.
Asani franziu a testa.
– Pelo que eu sei, mais de mil pessoas já entraram aqui. Como só restam 200?
O homem balançou a cabeça, ainda sorrindo, mas com um brilho sombrio no olhar.
– Ah, teve um minotauro... Ele matou muitos. E se você errar o caminho, também morre. Dizem que o caminho à direita está cheio de minotauros, mas ninguém voltou para confirmar...
Léo encarou o homem, sentindo o peso da atmosfera.
– Ei, que dia é hoje?
– Cinco de agosto de 2022. Por quê? – respondeu Léo.
O homem caiu de joelhos no chão, como se tivesse levado um golpe no estômago.
– Não... não falem nada sobre que dia é hoje para os outros. Ninguém pode saber!
Asani se abaixou, falando baixo, mas com firmeza, para que apenas Léo e o homem pudessem ouvir.
– Entendi. Vocês não sabem que dia é hoje... Nem há quanto tempo estão aqui, certo?
Léo arregalou os olhos, engolindo em seco, mas não disse nada.
– Atemi! Anda logo e traz eles! – gritou outro homem ao longe, revelando o nome do barbudo.
– Estamos indo! – respondeu Atemi, levantando-se de repente, como se nada tivesse acontecido.
Ao virar outra curva, Asani e Léo encontraram dezenas de homens e mulheres agrupados diante de uma porta monumental de metal escuro.
– Tutor! – gritou um dos presentes.
Um homem flutuou acima da multidão, sua presença quase etérea, mas carregada de autoridade. Seus olhos vasculharam os recém-chegados sem pressa.
– Que comece o primeiro desafio da dungeon – anunciou ele, e com um movimento de sua mão, a enorme porta se abriu, revelando uma sala imensa e fria.
A multidão explodiu em gritos eufóricos. Para muitos, meses de tédio tinham se resumido àquele momento. Alguns haviam perdido a sanidade; outros haviam tirado a própria vida, incapazes de suportar a espera.
– Após todos entrarem, revelarei o desafio – disse o Tutor, um sorriso discreto surgindo em seu rosto.
Asani e Léo entraram junto com os outros, observando a sala enquanto ela se enchia lentamente. O espaço interno era muito maior do que parecia por fora.
– Isso aqui desafia a física – murmurou Léo, olhando para Asani.
O Tutor elevou sua voz, que ecoou por toda a sala, embora fosse falada em um tom normal.
– O primeiro desafio é simples: dos 200 que estão aqui, apenas 50 continuarão. Vocês têm duas horas para resolver isso. O tempo será exibido no telão.
Acima, um telão apareceu magicamente, começando a marcar o tempo. A sala mergulhou em um silêncio opressivo. Ninguém sabia o que fazer.
O Tutor, irritado, gritou:
– QUEREM ARMAS? É ISSO?!
O grito quebrou o silêncio, e um caos começou. Alguns homens começaram a brigar, socando qualquer um que estivesse por perto. Mulheres gritavam, tentando se afastar.
– PAREM! – um homem barbudo ergueu a voz, firme e resoluto. – Não aceitaremos isso!
O Tutor flutuou mais baixo, com um olhar de escárnio.
– Vocês não conseguem interpretar? Nunca disse que precisavam se matar. Quero 50 reunidos em um canto, e os outros aceitando isso. Se não conseguirem decidir, podem resolver do jeito antigo: o mais forte sobrevive.
Um suspiro coletivo de alívio percorreu a sala. Muitos começaram a se organizar, sentando no chão em círculo, como uma sala de aula improvisada. O homem barbudo assumiu o papel de líder.
– Tutor – chamou ele.
– Sim?
– Quero um microfone para falar com todos.
– Não precisa de microfone. Farei com que todos o ouçam.
– Perfeito.
Sua voz ecoou pela sala, clara e autoritária:
– Aqueles que não quiserem continuar, podem voltar à porta de entrada. Não há vergonha em desistir.
Algumas pessoas se levantaram e começaram a sair, reduzindo o grupo para cerca de 100 pessoas.
– Eu pagarei aqueles que desistirem – continuou ele, erguendo a mão e mostrando seu Ring, uma demonstração de poder e confiança.
– Ele é um caçador de Rings? – cochichou Asani para Léo.
– Provavelmente.
Mais 25 pessoas saíram, agora restando 75.
Uma mulher, com uma postura elegante e um olhar penetrante, levantou a mão. O Tutor a autorizou a falar.
– Se não sobrarem 50 ao final do tempo, eu mesma matarei os restantes. Mas se os homens daqui desistirem, prometo realizar um desejo para cada um quando sairmos.
Asani deu um passo na direção da porta, sorrindo.
– Falou, Léo. Tô indo.
Léo o puxou pelo braço.
– Eu tava brincando, tá? – Asani levantou as mãos para seu amigo, fingindo inocência.
– Gatinha, não esquece da gente! – alguns homens comentaram, arrancando risadas abafadas.
O cronômetro marcava 1h20min restantes. O verdadeiro desafio ainda estava apenas começando.
Uma decisão crucial paira sobre todos: ser um dos 50 e correr o risco de morrer ou desistir, sem a garantia de sobrevivência. Um dilema que deve ser resolvido antes que a escolha recaia na violência entre os 200 presentes.
- Vou começar a selecionar os mais aptos. Quem não for escolhido, por favor, se retire - declarou o homem conhecido como "professor" por Asani e Léo, mas também reconhecido como um caçador de Rings pelos demais.
Um silêncio desconfortável se espalhou. Aqueles que decidiram não continuar permaneciam sentados próximos à porta, observando com expressões tensas.
- Não concordo! Tenho cara de quem vai passar por essa seleção? - exclamou Asani, levantando o braço direito com indignação.
- Eu também não concordo, pelas mesmas razões do Asani - disse Léo, levantando apenas a mão esquerda, como se sua resistência fosse mais contida.
O caçador riu, um riso mais cínico do que alegre. - Hahaha, que incoerência a de vocês. Por que acham isso?
- Porque somos adolescentes! Isso é óbvio! - disparou Asani, em tom quase desafiador.
O caçador não perdeu o sorriso, mas sua paciência parecia se esvair. - Quero apenas 50 aqui, não importa se são crianças, mulheres, idosos, magros ou gordos. Eu vou apontar e, quem eu apontar, sai. Simples, não? Afinal, dos 50 que ficarem, apenas um sobreviverá. - Sua voz carregava um misto de impaciência e desespero, uma lembrança do tempo que passara preso na dungeon.
Um homem musculoso levantou-se de repente. Sua expressão não era de medo, mas de hostilidade.
- Que bom que você se escolheu para sair primeiro - provocou o caçador, com um sorriso no rosto.
O homem avançou, ignorando o tom sarcástico. Ele caminhava na direção do caçador, cerrando os punhos enquanto todos os olhares estavam fixos nele.
O caçador recuou instintivamente, com os olhos arregalados. - Vocês não estão vendo que ele quer me bater? - gritou, buscando apoio entre os espectadores.
Ninguém respondeu.
- Tutor, quero uma pistola - disse o caçador, erguendo a mão. Em um instante, a arma materializou-se nela.
O musculoso parou, mas foi tarde demais.
BANG!
O tiro ecoou. O homem caiu pesadamente sobre os demais que estavam sentados próximos à porta. Seu sangue tingiu o chão enquanto ele agonizava, lutando inutilmente contra a morte.
A visão do corpo caído foi suficiente para que o caos se instalasse.
Os olhos de Asani e Léo estavam arregalados, fixos na cena. Aquele momento, o segundo em que presenciavam uma morte tão próxima, parecia uma eternidade.
BANG! BANG! BANG!
Mais tiros se seguiram. O som ensurdecedor preenchia o salão. Pessoas caíam uma a uma, corpos se acumulavam em meio a gritos abafados, sangue e desespero.
Asani sentiu algo quente escorrer por sua face: sangue, mas não o dele. Ele tremeu, incapaz de controlar seu corpo. Seu medo transcendeu o próximo desafio. Agora, ele só temia as balas, aquelas que pareciam não ter destino, mas encontravam todos.
Sem forças, ele caiu entre os corpos, seus olhos marejados se fechando para o inferno ao seu redor. Lágrimas traçaram trilhas limpas em seu rosto sujo.
Léo viu seu amigo cair e não conseguiu suportar. Sua ansiedade tomou conta, deixando-o paralisado. Ele se deitou no chão, entre o sangue e os corpos, chorando sem emitir som algum, apenas soluçando em silêncio.
O caos era absoluto.
- Ei, Tutor, acabou aqui! Só sobraram 46 - disse o caçador, agora coberto de sangue, mas com um olhar de alívio.
A voz do Tutor reverberou pela sala. - NÃO ME IMPORTO SE TEM DOIS A MENOS! QUERO COMEÇAR ISSO LOGO, ESTOU ANSIOSO PELO PRÓXIMO DESAFIO!
- Como assim? - perguntaram alguns dos sobreviventes, confusos.
O Tutor riu. - HÁ DOIS NO MEIO DOS CORPOS. VOU TELETRANSPORTÁ-LOS PARA O PRÓXIMO TESTE.
Antes que alguém pudesse questionar, Asani e Léo desapareceram, junto com os demais que permaneceram vivos.
...ΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩ...
Todos foram separados em duplas escolhidas pelo Tutor. Cada dupla foi colocada em uma sala idêntica: uma mesa no centro com duas espadas e um círculo marcado no chão diante da porta.
- GOSTARAM? ESSA É A PRÓXIMA PROVA! EM CINCO MINUTOS, UM BONECO APARECERÁ NO CÍRCULO. VOCÊS TERÃO DEZ MINUTOS PARA ARRANCAR A CABEÇA DO BONECO. LEMBREM-SE: TODA PROVA TEM UMA DICA. BOA SORTE! - anunciou o Tutor. Sua voz ecoava nas salas, mas sua presença continuava invisível.
Asani e Léo ainda estavam tentando se recuperar do massacre anterior.
- Mano... - Asani tentou dizer algo, mas sua mente parecia um vazio.
Quatro minutos se passaram em silêncio tenso.
- FALTA UM MINUTO PARA O TESTE! - informou o Tutor.
Léo, com a expressão firme, quebrou o silêncio. - Asani, você entendeu, né?
- Claro que sim! Essa prova é fichinha - respondeu Asani, tentando recuperar a confiança.
Léo apontou para as espadas sobre a mesa. - Uma delas é mais longa, quase como uma lança. Deixaremos essa pronta no círculo para perfurar o boneco assim que ele aparecer. - Ele pegou a espada longa, posicionando-a estrategicamente.
- E enquanto ele estiver distraído com a lança, eu corto a cabeça dele com a outra espada - completou Asani, pegando a segunda espada e posicionando-se ao lado direito do círculo, pronto para agir.
Léo forçou um sorriso, ainda pálido. - Somos dois em um. Invencíveis juntos.
- TRÊS, DOIS, UM... ZERO! - anunciou o Tutor, marcando o início da prova.
Assim que o tempo zerou, os bonecos apareceram no círculo de cada sala.
Léo não hesitou: com um movimento rápido, fincou a espada longa no peito do boneco. Antes que ele pudesse reagir, Asani cortou sua cabeça com um golpe certeiro, que a fez cair ao chão com um som seco.
- Boneco de vitrine. Nem sangue tem - comentou Asani, examinando a espada antes de olhar para suas roupas.
- Ainda bem, né? - retrucou Léo, aliviado.
- Foi fácil demais... - disse Asani, pensativo. - Mais de um ano de dungeon pra isso?
- Também acho. Meio decepcionante, não? - Léo respondeu, olhando para a porta que acabava de se abrir, revelando um corredor.
- Vamos? - perguntou Léo, aguardando um sinal do amigo.
- Claro, mano.
Os dois avançaram pelo corredor, agora mais calmos, mas ainda vigilantes.
- Por que o Tutor separou todo mundo? - questionou Léo, quebrando o silêncio.
- Sei lá... - Asani fez uma pausa dramática antes de erguer o indicador, pensativo. - Ele junta 50 pessoas, depois separa em duplas... parece ideia de banho, sabe? Coisa que você pensa enquanto lava o cabelo.
Léo soltou uma risada curta, mas concordou. - Totalmente.
Logo, chegaram a uma porta grande. Ao abri-la, depararam-se com um buraco escuro. No centro do vazio, uma escada de corda pendia no ar, com degraus de madeira podre, levando para cima.
- O que faremos, Asani? - perguntou Léo, hesitante.
- Escalamos, óbvio. Ou prefere pular direto no buraco? - brincou Asani.
Léo apontou para o espaço entre a borda e a escada. - Temos que pular para alcançar a escada. Não acha que isso significa algo?
- Não acho. Só pula.
Léo foi o primeiro. Ele saltou e agarrou a escada com a mão direita, perdendo o equilíbrio por um momento antes de se firmar. Rapidamente, começou a escalar para abrir espaço para Asani.
Quando Léo alcançou um ponto seguro, Asani saltou. O impacto quase fez a escada balançar demais, mas ele conseguiu se agarrar.
- Tá podre essa escada... - comentou Asani, com nojo, enquanto subia.
- Toma cuidado... - começou Léo, mas sua frase foi interrompida pelo som de madeira rachando.
CRAACK!
- Aaaaaah! - gritou Asani enquanto a escada cedia sob seu peso. - SOCORRO!
Léo, em pânico, estendeu a mão para baixo. - Asani! Não!
Sem pensar, Léo soltou-se da escada e pulou atrás do amigo.
- AAAAAHHHHH! - gritaram os dois em uníssono enquanto caíam no vazio.
No meio do caos, Asani conseguiu gritar: - Seu idiota!
Léo, mesmo em queda, soltou uma risada nervosa. - A gente é uma dupla, lembra?
...ΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩ...
Outra dupla tentava escalar as escadas podres. Quando um dos parceiros caiu, o outro sequer hesitou e continuou subindo sozinho, determinado a chegar ao topo. Ao alcançar o final, encontrou apenas um teto. Ele começou a gritar, tomado pelo desespero e pela raiva.
De repente, a escada desabou sob seus pés, e ele caiu no vazio sem fim.
...ΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩ...
Um clarão iluminou tudo. Asani e Léo reapareceram em uma sala completamente branca, o vazio ao redor quase cegante.
- Que merda é essa?! TUTOR! CADÊ VOCÊ, SEU DESGRAÇADO?! - gritou Asani, com raiva evidente, seus olhos vasculhando a sala em busca do Tutor.
- Que emocionante, não é? Vocês passaram por três desafios num piscar de olhos - disse o Tutor, surgindo atrás deles, com aquele tom sarcástico e insuportável.
Asani girou imediatamente e agarrou o braço do Tutor, puxando-o para baixo até que seus rostos ficassem na mesma altura.
- Faz isso de novo, e eu juro que te mato - disse Asani, sua voz baixa e afiada como uma lâmina, enquanto apontava o dedo indicador diretamente para o olho do Tutor.
O Tutor gargalhou alto, como se a ameaça fosse a piada mais engraçada que já ouvira.
- HAHAHA! Isso é hilário! Vem, garoto. Tenta me matar, se é que isso é possível. - A risada deu lugar a um tom grave e intimidante no final da frase.
Com um empurrão violento, o Tutor jogou Asani contra a parede.
- Ah... - Asani gemeu de dor ao cair no chão, sentado, o olhar fixo no Tutor, agora com uma mistura de ódio e impotência.
- Apenas quatro duplas passaram nesse teste - continuou o Tutor, ignorando completamente o desconforto de Asani.
- E agora? O que faremos? - perguntou Léo, tentando manter a calma.
- O teste anterior foi projetado para eliminar aqueles que não se importam com seus companheiros. Agora, o próximo teste será diferente. Somente um de vocês passará pela próxima porta. O outro... morrerá. - O sorriso cruel do Tutor congelou qualquer resposta que Léo ou Asani poderiam dar.
Ambos ficaram imóveis, os olhos arregalados enquanto o brilho de esperança se apagava completamente.
- Aliás, Asani... Estou louco para ver você tentar me matar - provocou o Tutor, com um sorriso carregado de escárnio. - Vocês são a melhor dupla até agora. Mas dessa vez, só um de vocês terá permissão para seguir em frente.
- E se eu puder... - Léo hesitou, sua voz trêmula. - E se eu for na frente e completar a prova rápido o suficiente para que o Asani não morra?
O Tutor gargalhou novamente, mas dessa vez com um toque de desprezo. - Que pergunta ridícula! Os outros 152 que ficaram para trás no primeiro desafio estão mortos. Eu criei os melhores desafios, destruí o psicológico deles... Explodi suas esperanças uma por uma.
Ele se voltou para Asani com um sorriso diabólico.
- Então, Asani, quem é que tem ideias no banho mesmo? Me diz, garoto.
- Como ousa quebrar sua promessa?! - gritou Asani, levantando-se, o corpo tremendo de raiva enquanto caminhava em direção ao Tutor.
- Que promessa? - disse o Tutor, mantendo sua postura fria. - Eu nunca prometi nada. Foram vocês que se colocaram nessa situação. Eu nunca faço promessas que não posso cumprir.
Léo tentou intervir, sua voz tomada pela confusão. - Mas... só um de nós pode sobreviver? Por quê? Isso não faz sentido!
O Tutor sorriu maliciosamente. - Esta é uma dungeon de rank S. Isso significa que, no final, apenas um pode sobreviver. Se houver mais de um sobrevivente, o propósito da dungeon não é alcançado. Pouco sofrimento para um grande poder? Qual seria a graça disso?
Ele caminhou lentamente ao redor deles, como um predador se divertindo com suas presas.
- A verdadeira essência de uma dungeon como esta é trazer à tona o verdadeiro "eu" do caçador. E nada revela mais quem vocês são do que estar entre a vida e a morte.
O silêncio que se seguiu foi ensurdecedor, enquanto Asani e Léo se encaravam, incapazes de encontrar uma saída para o cruel jogo do Tutor.
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