Dividida entre Três
Eu sou Fernanda, tenho 25 anos e sou funcionária do governo da minha cidade. O mundo em que vivo está dividido entre humanos e lobos; cada povo tem seu território. Os humanos não são bem-vindos no território dos lobos, e os lobos não são bem-vindos no território dos humanos. Vivemos em paz... e em guerra ao mesmo tempo. Uma trégua silenciosa, sustentada pelo medo e pelas fronteiras.As cidades humanas são cercadas por muros altos, cercas elétricas e vigilância constante. Só saímos quando é absolutamente necessário. O mundo lá fora é perigoso demais. As florestas pertencem a eles os lobos e qualquer humano que se atreva a cruzar a fronteira dificilmente volta. Mas a mesma regra vale para eles: se um lobo pisa em solo humano, haverá retaliação. Sempre há.Naquela manhã, o ar estava carregado, pesado, como se o silêncio ao redor prenunciasse algo grave. Eu me encontrava no pequeno heliponto secreto, pouco usado, rodeado por muros cobertos de musgo e pela vegetação dominate nas laterais. O céu cinzento não ajudava a melhorar o clima. O cheiro de óleo e metal misturava-se ao perfume das árvores próximas, um contraste estranho para quem vive entre mundos tão diferentes.
— Está pronta, Fernanda?
a voz firme do senhor Ryan me tirou das minhas reflexões.Levantei os olhos para ele e respirei fundo. Ryan, o piloto do helicóptero, era experiente, calmo e do tipo que parecia nunca perder o controle, mesmo nas piores situações. Seu rosto marcado pelas intempéries da vida e a postura segura traziam um pouco de conforto naquele dia incerto.
— Sim, estou pronta
respondi, tentando parecer mais confiante do que realmente me sentia.
— O que estamos levando?
ele perguntou, olhando para a mala ao meu lado.Eu não sabia o que havia dentro da mala. Nem mesmo me permitiram perguntar. Minha função era simples: entregar. Nada mais.
— Não sei. Apenas devo entregar. Não sou paga para perguntar, muito menos para saber balancei a cabeça, desapontada comigo mesma por não ter mais controle sobre a missão.
— Hm... entendi. Então, vamos logo
disse ele, com um breve sorriso que não alcançou os olhos.O motor rugiu, e o helicóptero começou a subir no céu cinzento. O som das hélices me fazia apertar o cinto com força. Eu odiava voar sempre sentia o estômago embrulhar, o coração acelerar e aquela sensação desconfortável de impotência me invadir. O vento batia forte nas janelas, e o horizonte se abria como um abismo infinito, prometendo mistérios e perigos.
— Você sempre fica com essa cara quando voa, Fernanda?
Ryan brincou, sem tirar os olhos dos controles.
— Você sabe que eu não gosto de voar respondi, sem conseguir disfarçar o desconforto.
— Relaxa, em menos de quatro horas estaremos de volta
ele disse, num tom leve, tentando me tranquilizar.Mas o destino parecia ter outros planos. Naquele dia, ele estava contra nós. Ou talvez... apenas contra mim.
— Ryan, esta área não é proibida?
perguntei, observando as colinas escuras lá embaixo. As árvores eram tão densas que pareciam uma massa viva se movendo sob nós.
— É, mas por aqui a gente economiza quase uma hora de voo
ele respondeu, confiante.Eu sabia. Aquele lugar era território dos lobos. O silêncio lá embaixo não era normal era o tipo de silêncio que observa, que espera o momento certo para atacar.
— Ryan, os lobos podem nos atacar. Esta área é deles! insisti, a ansiedade começando a apertar o peito.
— Não se preocupe, Fernanda. Vai ser rápido. Eles nem vão perceber
disse, com aquele sorriso confiante de quem conhece os riscos, mas não os teme.
— Um helicóptero fazendo todo esse barulho? Somos praticamente um alvo no céu, Ryan! argumentei, mas ele apenas riu.Um riso leve, confiante, que me irritava e acalmava ao mesmo tempo.
No chão, muito abaixo de nós, uma voz ecoou pelos rádios de comunicação dos lobos:
— Comando, os humanos estão sobrevoando nossa área.
— Atirem para derrubar. Enviem uma equipe para os destroços.
— Sim, senhor. Equipe Alfa, estão na escuta?— Aqui é a Equipe Alfa, prontos para agir.
— Luke, assim que derrubarmos o helicóptero, vão até o local. Quero todos os sobreviventes capturados.
No céu, tudo aconteceu rápido demais. Um clarão, um estalo seco e o barulho ensurdecedor dos tiros atravessando o ar.
— Ryan! gritei.E agora?
— Segura firme! Vou tentar pousar na floresta! ele respondeu firme, preparando-se para o pior.
— Você está louco? A floresta aqui embaixo é território deles!
— Se eu não fizer nada, vamos morrer, Fernanda!O helicóptero começou a girar, descontrolado. O chão se aproximava rápido demais. O painel piscava em vermelho, alarmes soavam por todos os lados.
Respira, Fernanda. Não surta.Mas como não surtar, quando a morte parecia tão próxima?Ryan tentava controlar o helicóptero com as duas mãos firmes no manche, o suor escorria pela têmpora dele. O corpo inteiro tremia com o esforço, mas não desistia.
— Fernanda! Assim que estivermos perto do chão, você vai ter que pular!
ele gritou contra o barulho.
— O quê? Está maluco?!
— Faz o que eu estou mandando! Assim que tocar o solo, corre o mais rápido que puder, entendeu?
— E você?
— Vou tentar pousar. Mas... se eu não conseguir...Os olhos dele me encontraram por um instante. Eram calmos, firmes e ao mesmo tempo cheios de despedida. Era como se ele soubesse que aquele seria o fim dele.
— Ryan... minha voz falhou.
— Vai ficar tudo bem. Agora segura firme!O helicóptero descia em espiral. As árvores pareciam braços prontos para nos engolir. O barulho era ensurdecedor metal rangendo, hélices quebrando, gritos misturados ao som do vento.E eu soube, naquele momento, que a minha vida estava prestes a mudar para sempre.
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Atualizado até capítulo 46
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